Manutenção da Selic reduz acesso ao crédito bancário

A manutenção das taxas básicas de juros da economia num patamar de 18,5% ao ano está fazendo minguar o crédito bancário no Brasil.

Rio

(AG) – O total das operações de crédito no sistema financeiro nacional não ultrapassa 27% do PIB – cerca de R$ 270 bilhões – segundo Miguel José de Oliveira, vice-presidente da Associação Nacional de Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac). Trata-se do nível mais baixo dos últimos cinco anos e também um dos mais baixos se comparado ao de outros países: em emergentes como Tailândia ou China, essa proporção chega perto dos 100% e em alguns casos, como o da África do Sul, ultrapassam essa marca.

– No início do Plano Real houve expansão do crédito com a redução da inflação, mas as sucessivas crises fazem o sistema financeiro reavaliar o risco e reduzir a disponibilidade de empréstimos. Afinal, é muito mais seguro emprestar ao governo, comprando títulos públicos, do que correr riscos financiando o setor produtivo ou as compras das pessoas físicas – avalia o economista Luís Roberto Cunha, diretor do Instituto da Federação de Comércio do Estado do Rio (Fecomércio).

O efeito do arrocho de crédito sobre a atividade econômica é devastador.

– Em quase todo o mundo, o endividamento é uma grande fonte de recursos para investimento. Aqui é um castigo. Como uma empresa pode suportar juros de 40% ao ano se a margem média das empresas mais eficientes é de cerca de 15%? – pergunta o professor Ricardo Leal, do Coppead/UFRJ.

Com tão pouco dinheiro sobrando, o setor industrial tem dificuldade em financiar a produção, o consumidor não consegue financiar suas compras e o comércio não pode repassar seu custo financeiro para o cliente sob pena de ver as vendas despencarem, explica Leal.

O efeito pode ser sentido no prazo dos crediários, que tiveram queda no comércio do Rio no primeiro quadrimestre do ano, segundo a Fecomércio. O de carros, por exemplo, caiu de 44 meses, em 2001, para 36 meses, em média, este ano.

– Em um período de crise, quando a massa salarial cai, as pessoas dependem mais do crédito, e o que elas encontram? Um crédito curto e caro – afirma Miguel José de Oliveira, da Anefac.

O principal motivo para um nível de crédito tão baixo são as altas taxas do juro básico, que financiam uma dívida pública federal já em R$ 630 bilhões. Oliveira diz que, comprando títulos do governo, os bancos não precisam se preocupar com inadimplência no curto prazo ou com sistemas de proteção e avaliação de riscos. Mas, fazendo isso, se afastam da principal razão de sua existência: emprestar para mover a economia.

– Se eu fosse banqueiro também iria comprar títulos públicos em vez de me aborrecer. Dá mais retorno e menos trabalho – constata Leal, do Coppead/UFRJ.

A regulamentação do sistema financeiro também ajuda a inibir o crédito bancário. As provisões exigidas pelo Banco Central (BC) para títulos públicos são bem menos rigorosas que as provisões exigidas para cobrir títulos privados, dizem os economistas. E há outros fatores:

– No Brasil, o Banco Central exige R$ 11 de capital para cada R$ 100 emprestados ao setor privado, enquanto em outros países essa provisão está em R$ 8 – observa Erivelto Rodrigues, diretor da consultoria Austin Asis – A ponderação do capital mínimo para os empréstimos também não leva em conta a qualidade do crédito.

Traduzindo: as provisões exigidas dos bancos pela autoridade monetária são as mesmas para o empréstimo feito a um bom pagador e a um caloteiro contumaz.

Mas será possível que essa situação se reverta a curto prazo? Se a avaliação dos economistas estiver correta, a resposta é não.

– Não vejo como reduzir significativamente os juros no curto prazo – diz Leal, do Coppead. – Estamos sujeitos a choques externos, precisamos passar por reformas complexas, como a tributária. Essa situação é uma armadilha armada para o próximo governo, qualquer que seja ele. Para Oliveira, da Anefac, o crédito só vai aumentar quando a estabilidade econômica for sustentada e quando as taxas caírem substancialmente.

– Os juros teriam que cair abaixo dos 15% para que deixe de ser atraente emprestar apenas para o governo.

Enquanto isso, para quem vive na economia real, o jeito é tentar fugir da armadilha ou conviver com ela. Para o lojista Natan Schiper, dono de uma loja de móveis no Catete, o problema não é tanto obter crédito, mas ter condições de repassá-lo ao consumidor.

– Se eu repassar o custo de um empréstimo para o cliente, ele se assusta e não compra.

Schiper diz que acaba usando, eventualmente, o crédito do cheque especial da empresa, com juros que chegam a 9% ao mês. Além disso, o banco cobra 6% para descontar antecipadamente os cheques pré-datados dos clientes.

– Desse jeito, se a gente não toma cuidado, acaba comprometendo o capital de giro e operando no vermelho – diz.

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