Ipea: apreciação cambial anula tarifas de importação

Os altos níveis de “desalinhamentos cambiais” promovidos por vários países com forte peso no comércio mundial acabam provocando efeitos mais relevantes sobre o comércio internacional do que a cobrança de tarifas de importação, aponta estudo divulgado hoje pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), intitulado “Impactos do câmbio nos instrumentos de comércio internacional: o caso das tarifas”. “Diante da realidade da prática de desvalorizações cambiais, é fundamental que se negocie a criação de um mecanismo para neutralizar os efeitos do câmbio nas tarifas, ou algo como tarifas ajustadas ou compensatórias, que, quando efetivamente aplicadas, possibilitariam a manutenção do acesso a mercados originalmente negociados”, avalia o estudo.

O Ipea fez uma análise, em conjunto com a Escola de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), na qual aponta que a moeda brasileira em 2010 estava 30% valorizado em termos reais ante o dólar. Com este nível de apreciação do câmbio, as tarifas comerciais médias consolidadas, que oscilam de 12% a 50%, na prática passam a variar de -22% a 5%, e a grande maioria é de valores negativos. No caso das tarifas médias aplicadas, que vão de 0% a 22%, elas caem e passam para um intervalo negativo de -14% a -30%.

“A valorização cambial do Brasil, nos níveis considerados de 30%, significa não só a anulação das tarifas consolidadas na Organização Mundial do Comércio (OMC) como incentivo às importações do País porque reduzem as tarifas aplicadas a níveis negativos”, ressalta o documento. “Diante desse quadro, exigir cortes mais significativos nas tarifas consolidadas, no âmbito da Rodada Doha, seria impor maiores distorções aos níveis tarifários já negociados. A mesma consideração pode ser feita quando forem analisadas as opções de negociação de novos acordos preferenciais de comércio.”

De acordo com o trabalho do Ipea, os efeitos do desequilíbrio cambial devem ser analisados não só sobre tarifas, mas também em vários outros instrumentos de defesa comercial, como ações antidumping, salvaguardas e medidas compensatórias. “Muitos dos direitos impostos ao longo dos últimos anos podem ter sido anulados pelo efeito câmbio”, afirma o texto.

O documento salienta que o câmbio atinge o mecanismo de solução de controvérsias, quando retaliações são autorizadas sob forma de elevações dos níveis das tarifas. “Uma alternativa possível seria examinar o instrumento do dumping cambial e ajustar o Acordo de Antidumping não só para o conceito de dumping como o de dano, de modo a serem introduzidos os efeitos do câmbio de forma explícita no instrumento”, diz o comunicado.

O estudo afirma que, com a adoção do conceito de “tarifas ajustadas para os efeitos cambiais”, os membros da OMC poderiam avaliar os níveis reais de abertura comercial dos países membros. “Por outro lado, somente com a introdução de tarifas compensatórias é que tais (países) membros teriam respeitado o nível de acesso ao mercado negociado nas rodadas (comerciais)”, ressalva.

Segundo o estudo, a OMC precisa enfrentar a questão dos efeitos do câmbio sobre o sistema de regras desenvolvido nas últimas décadas. “Frente à atual situação da Rodada Doha, pode-se perguntar se a questão cambial não estaria por trás do impasse enfrentado”, questiona o trabalho. “O grande avanço representado pela OMC sempre foi o de garantir que as relações entre Estados sejam orientadas pelas regras e não pela força. O fortalecimento do sistema regulatório da OMC é fundamental para que guerras comerciais não se transformem em conflitos internacionais.”

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