Instituições financeiras podem capitalizar juros

Duas opiniões divergentes, de tribunais diferentes, sobre a capitalização mensal de juros em contratos bancários, acabaram por deixar em dúvida instituições financeiras e mutuários, nas duas primeiras semanas do mês de agosto. Isso porque a decisão do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (Porto Alegre), na primeira quinzena de agosto, reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança mensal de juros sobre juros nas operações bancárias. Entretanto, decisão anterior do Superior Tribunal de Justiça, publicada no dia 2 de agosto, no Diário Oficial da União, atestou a legalidade da prática dos bancos capitalizarem juros mês a mês, desde que pactuado, no contrato, com seus mutuários.

“As duas decisões são válidas; no entanto entendo que a decisão do STJ deva prevalecer, sendo possível a capitalização mensal de juros”, afirma o advogado Luciano Anghinoni, do Vanzin & Penteado Advogados, em Curitiba, acrescentando que, “embora pareçam antagônicas, as decisões não se contradizem; isto porque foram proferidas sob diferentes enfoques”. Segundo ele, a decisão do STJ apenas afirmou que a medida provisória, que instituiu a capitalização mensal de juros, continua produzindo efeitos, enquanto o julgado do TRF de Porto Alegre apreciou, além desta questão, também a constitucionalidade de tal medida, daí resultarem os diferentes entendimentos.

“A decisão do STJ foi fundamentada no fato de que a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva publicação da MP 1.693-17, atualmente reeditada sob o n.º 2.170-36/2001, ficou facultado às instituições financeiras capitalizar juros com periodicidade mensal, desde que pactuado com os seus mutuários.”

Segundo o advogado, o STJ entendeu que a perenização da vigência da MP 2.170-36 se deve ao fato de que a Emenda Constitucional (EC) n.º 32, de setembro de 2001, que deu nova disciplina jurídica às MPs, principalmente. quanto à limitação de reedições de uma mesma medida, também previu que todas as MPs editadas até a publicação da EC 32 teriam força de lei, até que nova MP ou deliberação do Congresso as modificasse ou revogasse. “Ou seja, o STJ simplesmente afirmou que, por força da EC 32, a primitiva MP 1.693, atualmente sob n.º 2.170, continua em vigência e, portanto, possibilitando que os bancos capitalizem mensalmente os juros em seus contratos, desde que contratado com os seus clientes”, explica.

“Já a decisão do TRF declarou a inconstitucionalidade da MP 2.170-36, pelo fato de que os desembargadores entenderam que tal medida, quando editada, não se revestiu do caráter de relevância e de urgência indispensáveis à edição de uma medida provisória”, diz Anghinoni.

De acordo com ele, a Constituição Federal, quando prevê a possibilidade de o presidente da República disciplinar alguns tipos de assunto pela edição de MPs, fazendo as vezes do Poder Legislativo responsável pela edição das leis em nosso País, exige que a situação a ser regulada seja relevante e, principalmente, tenha caráter emergencial, a ponto de não poder aguardar o trâmite normal que uma lei enfrenta para ser aprovada no Congresso Nacional. “A relevância e a urgência são requisitos sem os quais uma medida provisória se torna inconstitucional; e foi com base neste entendimento que o TRF tomou a sua decisão”, conclui.

Segundo Anghinoni, o TRF declarou a inconstitucionalidade da MP 2.170-36, porque, no Brasil, existem dois sistemas de controle constitucional: o difuso, que permite a todo e qualquer juiz, ou tribunal, dizer se uma lei é ou não constitucional e, com base no seu entendimento, tomar uma decisão, não vinculando nenhum outro tribunal ou juízo; e o concentrado, que é de competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse caso, a Constituição Federal atribui ao STF a competência para declarar se uma lei é ou não constitucional e, caso o Supremo entenda que ela é inconstitucional, pode solicitar ao Senado Federal que suspenda a sua execução. “Somente em situações como esta, de suspensão da execução de uma lei, após decisão definitiva do Supremo, é que os juízes estariam vinculados ao entendimento do STF, não podendo decidir de maneira diferente”, esclarece.

Com base nestas decisões temos a seguinte situação: o STJ já se pronunciou dizendo que a MP 2.170-36 continua produzindo efeitos, em razão da edição da EC 32, podendo as instituições financeiras capitalizar juros mensalmente, desde que contratado; o TRF, ao contrário, analisando a lei do ponto de vista de sua constitucionalidade, se pronunciou dizendo que ela é inconstitucional, porque não obedece aos requisitos da Constituição para sua edição. “No entanto, tal decisão não vincula nenhum outro juiz ou tribunal, pois é decorrente do poder difuso de controle da constitucionalidade; somente quando a questão for analisada pelo STF – situação esta que pode não acontecer caso não haja a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade – é que teremos uma opinião definitiva, e vinculante, sobre a constitucionalidade da MP”, diz Anghinoni. “Isso significa que as instituições financeiras podem continuar prevendo, nos contratos celebrados após 31 de março de 2000, a cobrança de juros mensalmente capitalizados, e que tal prática, a menos que seja declarada inconstitucional pelo STF, é legal”, finaliza.

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