EUA avançam no Iraque, mas o dólar perde terreno

Rio

  – Enquanto as tropas dos Estados Unidos avançam sobre o Iraque, o dólar perde terreno na economia mundial. A moeda americana já se desvalorizou 17% frente ao euro e 11% em relação ao iene japonês nos últimos 12 meses. Na semana passada, em meio à inusitada euforia do mercado financeiro com os rumos da guerra, a moeda americana teve ligeira recuperação, de 2%. Mas os economistas acreditam que os gastos com a campanha militar e a falta de consenso entre as potências mundiais sobre a guerra podem derrubar o dólar.

Paulo Tenani, estrategista do Citigroup Asset Management no Brasil, afirma que uma queda brusca do dólar poderia fazer mais estragos à economia americana do que a guerra. Tenani argumenta que o déficit em conta corrente (transações de bens, serviços e investimentos com o exterior) dos Estados Unidos não é sustentável no longo prazo. Em 2002, os EUA tiveram um rombo recorde em suas contas externas, de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país). Como os EUA enviam mais dólares do que recebem do exterior, a tendência é a moeda se desvalorizar.

? Em 2001, quando se discutia se haveria um pouso forçado da economia americana, o FMI (Fundo Monetário Internacional) traçou cenários muito ruins para essa hipótese, no qual considerava uma queda brusca de 20% no valor do dólar. Isso pode já estar acontecendo ? diz Tenani, referindo-se ao recente recuo do dólar.

Nas estimativas do FMI, um súbito recuo do dólar faria a economia americana crescer menos 5,2 pontos percentuais ao longo de cinco anos. O PIB global teria um desempenho 3,3 pontos percentuais inferior nesse mesmo período.

? Os efeitos seriam piores do que o da guerra. E há um agravante: o contexto em que se deu o conflito pode dificultar uma ação coordenada para evitar a queda brusca do dólar ? argumenta Tenani.

O economista lembra que as relações diplomáticas entre o governo americano e alguns dos principais países da União Européia (França e Alemanha, principalmente) ficaram arranhadas com a campanha militar no Iraque. Nesse contexto, seria difícil para os EUA obterem apoio do Banco Central Europeu se precisar de uma ação coordenada de política monetária ? um corte mais intenso de juros na Europa, por exemplo ? para evitar um recuo forte do dólar.

Luiz Carlos Prado, professor de Economia Internacional da UFRJ, acrescenta que a diferença entre os juros da União Européia e as taxa praticadas nos EUA ajudam a explicar a desvalorização da moeda americana frente ao euro nos últimos meses. A taxa básica de juros na zona do euro está em 2,50% ao ano. Nos EUA, os juros são metade disso: 1,25% ao ano.

? Com os juros mais altos, a Europa atrai mais investidores e a sua moeda sobe frente ao dólar ? diz.

Para o professor da UFRJ, o aumento dos gastos públicos dos EUA com a campanha militar pode enfraquecer ainda mais o dólar. Mais gastos significa uma ampliação da oferta de dólares no mundo e, conseqüentemente, uma perda de valor da moeda.

Entre os analistas internacionais, o fortalecimento do euro trouxe à tona especulações sobre a possibilidade de a moeda substituir o dólar como referência de valor para o mundo. A idéia ganha força quando leva-se em conta o fato de alguns países do Oriente Médio já terem levantado a hipótese de usar o euro nas negociações do petróleo, a exemplo do que faz o Iraque (que recebe o pagamento de suas vendas na moeda européia, porém em cotação denominada em dólar).

Mas Prado afirma que ainda levará muito tempo para que o euro possa disputar efetivamente espaço no mundo com o dólar:

? Isso dependerá de fatores históricos e políticos. Uma moeda forte não é produto apenas do poderio econômico que representa. A ascensão do dólar como moeda de reserva mundial levou mais de 30 anos, entre 1913 e 1945 ? conta Prado.

O economista argumenta que embora a União Européia tenha unidade econômica, o bloco está longe de ter coesão política. Isso ficou claro com a decisão dos EUA de ir à guerra contra o Iraque, que rachou o bloco europeu ? algumas potências, como Inglaterra e Espanha, apoiaram a ofensiva militar; enquanto outras, como França e Alemanha, criticaram a postura dos Estados Unidos.

O analista Fernando Ferreira, diretor da consultoria Global Invest, acrescenta que além da guerra e dos juros baixos dos EUA, a baixa confiança do consumidor americano na economia de seu país, as fortes perdas das bolsas americanas nos últimos anos e a redução nos investimentos do setor produtivo dos Estados Unidos reduziram a demanda por dólar, o que ajudou na sua desvalorização.

Mas Ferreira acredita que esse movimento tem efeitos positivos, porque ajudará os EUA a equilibrar suas contas externas num momento em que a alta do petróleo prejudica a balança comercial do país.

Prado, da UFRJ, acrescenta que como os EUA emitem dólares, uma perda no valor de sua moeda não leva o país a uma crise cambial, como ocorreria em outras economias. Quem mais sofre os efeitos da oscilação da moeda americana, diz o economista, são os outros países: um dólar fraco pode levar os EUA a subirem suas taxas de juros, atraindo volumosos investimentos para o país e provocando efeitos recessivos no resto do mundo.

Capital especulativo percorre o mundo

Rio

(AG) – Os trilhões de dólares em aplicações financeiras que vagam diariamente pelos mercados mundiais tomaram caminhos inesperados para tempos de guerra. Enquanto os Estados Unidos se preparavam para invadir o Iraque, os fundos de investimento dedicados a países emergentes receberam US$ 864,7 milhões desde o começo do ano. É uma quantia superior ao total captado em todo o ano passado: US$ 647,7 milhões.

As estatísticas são da Global Investor Publishing e consideram os dados até o dia 12. Na semana passada, com o começo da guerra, esse inusitado otimismo se acentuou. Analistas estimam que o fluxo de investimentos para países emergentes esteja no maior nível desde 1994, ou seja, desde o período pré-crises dos anos 90.

Os especialistas explicam que, em momentos de incerteza, a regra é os investidores buscarem aplicações seguras ? qualificação que não se aplica a países emergentes. Dessa vez, o jogo foi diferente: com as taxas de juros de Estados Unidos e Europa nos patamares mais baixos dos últimos 40 anos e a guerra piorando as perspectivas de crescimento global, os investidores decidiram apostar em rendimentos mais altos fora do centro da economia mundial.

? Os investidores desistiram de esperar bom retorno nos países desenvolvidos. Surpreende que isso tenha ocorrido num período pré-guerra ? diz Alexandre Póvoa, economista e estrategista do Banco Modal.

O Brasil foi um dos países que mais se beneficiou: graças à forte procura por títulos da dívida externa brasileira, a taxa de risco-país (calculada com base na cotação desses papéis e que é um termômetro do interesse dos investidores estrangeiros) caiu 23% este ano.

Entre os 18 principais mercados emergentes do mundo, apenas quatro não tiveram queda no risco-país: a Venezuela, devido à sua crise política; a Colômbia, por causa da escalada da violência ligada ao narcotráfico; a Argentina, que ainda está em moratória, e a Turquia, país que faz fronteira com o Iraque.

O analista Carlos Carvalho, diretor da Questus Asset Management, acrescenta que, no ano passado, tão logo surgiram os primeiros sinais de que a guerra seria inevitável, houve forte procura por ativos como ouro e petróleo, considerados defensivos. Em seguida, os investidores compraram títulos do governo americano, aplicação conservadora mas que oferece rendimentos muito baixos: os papéis para dez anos estão pagando juros de apenas 3,97% anuais.

? Na falta de opções de bons ganhos e com as bolsas de EUA e Europa sofrendo fortes perdas, o terceiro movimento foi por títulos de empresas americanas e da dívida de países emergentes ? conta Carvalho.

Sandra Utsumi, economista do BES Investimentos, lembra que, para o aplicador, os títulos de dívidas de países emergentes oferecem, além da variação na cotação do papel, rendimentos extras, com o pagamento de juros semestrais ao credor.

Com o início da guerra, o otimismo extrapolou o mercado de títulos da dívida e alcançou também as bolsas de valores. Os fundos de ações internacionais captaram US$ 1,75 bilhão só na semana passada. Mas ninguém sabe até quando esses bons ventos vão soprar.

? O mercado está apostando numa guerra rápida. Se isso não se confirmar, os títulos de países emergentes podem se desvalorizar ? diz Alexandre Póvoa.

 

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