Estoque desmente descompasso entre oferta e demanda

Os últimos dados da indústria mostram que os investimentos realizados no ano passado começam a maturar e que os estoques estão em níveis suficientes para atender aos níveis atuais de demanda. As informações dos últimos indicadores que captam o comportamento dos estoques e a opinião de alguns economistas contradizem uma afirmação inserida na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, divulgada na última quinta-feira, sobre "a persistência de eventuais descompassos entre o ritmo de expansão da demanda e da oferta agregada", que tenderia a "aumentar o risco para a inflação".

Segundo economistas da indústria, com a visível maturação dos investimentos realizados no ano passado para ampliar a capacidade produtiva, tanto o nível de utilização da capacidade instalada quanto o de estoques tendem a se acomodar. O indicador de uso da capacidade instalada da Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, recuou para 82,9% em fevereiro, depois de 83,1% em janeiro.

Ao mesmo tempo, a expectativa é de que a alta nos preços dos alimentos afete a demanda por produtos industriais, já que tende a diminuir o apetite por financiamentos. "Esperamos uma acomodação do crescimento da atividade industrial nos próximos meses", afirmou o gerente do Departamento de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), André Rebelo.

Equilíbrio

Na pesquisa Sensor Fiesp de março, o indicador de estoques ficou em 50,5 pontos, o melhor nível desde o início da pesquisa, em junho de 2006. Em fevereiro, eram 48,6 pontos, indicando um patamar mais apertado de estoques. A Sondagem da Indústria de Transformação da FGV também mostrou que os estoques não estão pressionados. Em outubro do ano passado, o nível estava em 104 pontos, o que indicava estoques insuficientes. Em março, caiu para 100 pontos, mostrando aumento dos estoques – trata-se de um recuo considerável, tendo em vista que o indicador é um dos que menos oscilam em toda a Sondagem. O componente estoques do Índice de Gerentes de Compras (PMI, na sigla em inglês) do Banco Real também recuou, de 49,5 pontos em fevereiro para 48,5 em março, nível semelhante ao de dezembro, quando os estoques normalmente são mais baixos.

"Os dados mostram que não há qualquer ameaça à inflação e que a atividade responde à demanda", disse Rebelo. "Apenas se os estoques estivessem menores é que se poderia pensar em escassez de produtos", completou.

Na avaliação do coordenador da Sondagem da FGV, Aloísio Campelo, os empresários aproveitaram o fim do ano para fazer ajustes. "Isso é algo virtuoso e reflete a maturação dos investimentos. É um sinal de equilíbrio", ressaltou.

Acomodação

De fato, afirmam os economistas, o Nível de Utilização da Capacidade Instalada (Nuci) tende a se acomodar, ainda que em níveis altos. Ao mesmo tempo, a indústria continua a investir, conforme mostram os dados de consumo aparente de máquinas e equipamentos (produção nacional mais importações e menos exportações). Na comparação com o mesmo período do ano anterior, o indicador cresceu 15,6% no primeiro semestre de 2004; 20% no segundo semestre; e 27% no primeiro bimestre de 2008.

"A análise dos indicadores de estoques e de investimentos sinaliza que a oferta acompanha a demanda", disse o gerente de Pesquisas e Desenvolvimento da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca. Ele ressaltou que uma pesquisa da CNI de outubro do ano passado já mostrava investimento industrial em ritmo adequado para atender a oferta. "Um investimento que está maturando", completou.

Ainda assim, o economista destacou que um descompasso entre oferta e demanda só aconteceria caso houvesse uma aceleração muito acentuada da demanda. "Mas não vemos sinais de queda nos estoques abaixo do planejado. O ritmo da demanda e da oferta cresce de forma estável", afirmou. A CNI deve divulgar amanhã a Sondagem Industrial referente ao primeiro trimestre de 2008, que inclui o nível de estoques.

O cenário de estoques traçado pela CNI mostra que as médias e grandes empresas, responsáveis por 87% do PIB industrial brasileiro, conseguiram ajustar seus estoques a níveis adequados apenas no final do ano passado, depois de um período de estoques altos iniciado em 2005. A categoria de empresas menos estocadas é a de pequenas, de 20 a 99 funcionários, que foram surpreendidas pelo aumento da demanda no ano passado. Como tradicionalmente elas não operam com estoques altos, houve descompasso no atendimento à demanda.

No entanto, os investimentos estão agora se espalhando por todas as áreas da indústria, o que sugere que o uso da capacidade instalada esteja crescendo de forma mais uniforme entre os diversos segmentos industriais. "É claro que há setores mais aquecidos, como o automobilístico, mas ainda assim a demanda está sendo atendida", afirmou Fonseca.

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