Especialistas divergem sobre benefícios da Alca

Os possíveis benefícios e prejuízos para o Brasil com a criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) dividem opiniões. Especialistas convidados para debater sob o tema “O Impacto da Alca”, divergem sobre os efeitos do acordo, que está sendo negociado por ministros de 34 países, a partir de hoje, em Miami. Eles também estão céticos em relação a um entendimento mais amplo a curto prazo.

Rio (AG) – Para Fernando Lopes, da CUT, contrário à Alca, o país deveria abandonar as negociações. O secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Otaviano Canuto, rebate. Ele vê oportunidades. Diz que, apesar dos obstáculos impostos pelos EUA, ampliar o comércio pode ser favorável ao país “do ponto de vista da distribuição de renda” e para reduzir o risco-Brasil, o que pode atrair mais investimentos estrangeiros.

Já o presidente da Câmara de Comércio Americana, Joel Korn, diz que Brasil e EUA devem perseguir um acordo na Alca, mas vê dificuldade de conciliar interesses até 2005. Para o vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Gilman Rodrigues, é preciso abertura para as exportações, e a Alca pode facilitar o equilíbrio das contas externas do país.

O economista Edson Peterli Guimarães, coordenador da UFRJ, afirma que, na Alca, não basta só garantir o acesso ao mercado americano. Ele alerta que o Brasil precisa controlar “o canal de comercialização externa”, ou seja, deve buscar manter e expandir as suas exportações para os EUA.

Dificuldade em conciliar interesses

Para o presidente da Câmara de Comércio Americana, Joel Korn, Brasil e EUA devem perseguir de forma pragmática um acordo para criar a Alca. Mas ele vê dificuldades de conciliar interesses tão diversos num prazo tão curto, até janeiro de 2005.

? Mas não podemos contemplar mais crescimento, empregos, distribuição de renda, fortalecimento da competitividade do Brasil, sem uma posição comprometida com o mercado internacional. Esse deve ser um compromisso de longo prazo.

Para Korn, as eleições americanas em 2004 vão prejudicar a abertura dos EUA a produtos brasileiros, como os agrícolas. Mas acha que o caminho para o Brasil competir no exterior está sob seu controle. Ele cita a necessidade de implementar medidas para desonerar a produção e facilitar o comércio exterior, além da reforma trabalhista, “reduzindo o custo de contratar um trabalhador”.

? Temos que trabalhar a capacidade de sermos uma economia mais aberta, não para entregar o mercado, mas para disputar os mercados lá fora com competitividade.

O executivo diz ainda que, com a Alca, alguns setores brasileiros seriam beneficiados a curto prazo. Entre eles, têxtil, carros e autopeças.

Mas não acho que o progresso da Alca é função de resultados práticos de entrada nos EUA a curto prazo. A importância da Alca é emblemática, por ser um acordo dentro das diversidades.

União dos países é inevitável

O vice-presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Gilman Viana Rodrigues, é favorável à Alca e diz que acordos de livre comércio são inevitáveis num mundo globalizado.

? Não aceito que se confunda isso com uma proposta entreguista. O mundo caminha para acentuar a ausência de fronteiras comerciais ? diz ele, lembrando, no entanto, que o Brasil deve negociar temas como investimentos.

Gilman frisa ainda a necessidade de o país lutar contra os subsídios agrícolas e lamenta que os Estados Unidos tenham empurrado essa discussão para a Organização Mundial do Comércio (OMC):

? A preservação do subsídio agrícola é uma bela trombada na vontade de negociar ? resume.

Na sua opinião, o Brasil precisa cada vez mais exportar produtos com valor agregado, mas lembra que eles sofrem taxação mais pesada. A soja é exportada com tarifa zero, mas o farelo paga 7,5% e o óleo paga 15%, diz Gilman, acrescentando que processos semelhantes ocorrem com suco de laranja, frango e couro. Ele afirma que essas questões devem ser discutidas no âmbito da Alca.

O empresário defende ainda que o país melhore a capacitação educacional de seus trabalhadores:

– A sociedade brasileira padece muito porque o ser humano não foi qualificado na base. O Brasil não investiu na educação do seu povo.

Eleição presidencial prejudica

O secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, Otaviano Canuto, vê mais benefícios do que prejuízo na criação da Alca. Em sua opinião, a coincidência de datas para a negociação da área de livre comércio com o calendário eleitoral dos Estados Unidos é um entrave ao fechamento do acordo, assim como a heterogeneidade dos países negociadores. Mas ele não vê a distância entre as economias americana e brasileira como obstáculo à criação da Alca:

? A negociação assimétrica envolve riscos e oportunidades. Se formos evitar negociações por causa de assimetria, qualquer dia teremos barreiras no comércio entre o Nordeste e São Paulo ? disse Canuto, que participa da reunião ministerial para a criação da Alca que começa hoje em Miami.

O secretário do Ministério da Fazenda reconhece a importância da integração na América do Sul, mas faz questão de ressaltar que é ingenuidade acreditar que o Brasil convenceria os demais países a desistirem da Alca e, conseqüentemente, do imenso mercado americano. Para ele, é preciso abandonar a idéia de que é possível, no mundo atual, aumentar exportações e reduzir importações. E lembra que é a sociedade quem paga quando um país decide sustentar uma produção ineficiente.

CUT considera que acordo será ruim para o País

O presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos (da CUT), Fernando Lopes, diz que três razões levam a central a lutar contra a Alca e a pregar a saída do Brasil das negociações. Para Lopes, que acompanha em Miami a reunião de ministros, os “resultados sociais nefastos” do Nafta (acordo de livre comércio entre México, EUA e Canadá) mostram que a Alca é ruim para os brasileiros. Ele ressalta que as vagas abertas no México foram de “péssima qualidade, com salários baixos, e agora estão fugindo para a China”.

A CUT vê também problemas na assimetria entre as economias dos 34 países da região, além da falta de “transparência e controle social” na Alca.

? É complicado. Não há na Alca um fundo de compensação, nada como na União Européia, onde saiu dinheiro de países ricos para os mais pobres. Sem fundo público e transferência de tecnologia, o comércio maior não traz ganho qualitativo. Diferenças estruturais podem até se aprofundar.

Lopes diz que mesmo com a criatividade do governo Lula nas negociações, o poderio dos EUA é maior, e a negociação levará a um beco sem saída e a concessões.

Mas caso haja um acordo na Alca, Lopes diz que a CUT defenderá que o governo Lula o submeta a um plebiscito.

Voltar ao topo