Empresas já “desengavetam” projetos

Rio – As empresas estrangeiras começaram a tirar das gavetas os projetos de investimento direto no Brasil para os próximos anos. A informação é das consultorias brasileiras especializadas em fusões e aquisições de grandes companhias. As consultas a esses escritórios cresceram até 40% neste segundo semestre, depois da escassez dos últimos 12 meses, conseqüência da incerteza sobre a administração Lula e a instabilidade econômica. Com o País nos trilhos, americanos, latinos, europeus e asiáticos voltaram seus olhos para setores como de infra-estrutura, logística, tecnologia, alimentos e petróleo e gás. Com base nesse e em outros indicadores, a Sobeet (instituição de estudos sobre globalização e investimentos estrangeiros) estima investimentos diretos de US$ 15 bilhões para 2004, um crescimento de 66% em relação ao fechamento projetado pela entidade para este ano.

O período áureo de fusões e aquisições por estrangeiros foi de 1995 a 2000, com as privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso. O investimento direto é aquele que economistas e políticos definem como essenciais para o desenvolvimento do País. Diferente do dinheiro que vem para especulação no mercado financeiro ? e que pode fugir a qualquer momento ? a compra ou implantação de empresas geram riquezas e empregos no longo prazo.

“As consultas se intensificaram a partir de julho e cresceram cerca de 40% na comparação com o segundo semestre de 2002. Os maiores interessados são os EUA e os países da Ásia, que buscam informação sobre a instalação do pólo de circuito integrado em parceria com o BNDES”, diz Ricardo Azevedo Sette, sócio do Azevedo Sette Advogados.

“Há procura também pelas áreas de energia e saneamento, e empresas francesas já contam com crédito liberado para investir nesse setor.”

No caso das empresas interessadas no pólo de tecnologia, Sette explica que os grupos escolhidos são os de transformação e junção de circuitos (back end), uma indústria mais sofisticada do que as que atuam apenas na montagem de circuitos (front end), como as da China.

“Para esse tipo de indústria, o investimento de cada uma seria de US$ 1,5 bilhão. Se a Intel resolvesse se instalar no Brasil a partir deste projeto, e estamos conversando com ela, demandaria energia elétrica igual a uma cidade como Mogi das Cruzes (SP). Seriam gerados aproximadamente 1.200 empregos diretos por indústria, grande parte de nível médio e superior”, explica Sette.

Responsável pela área de Finanças Corporativas da PricewaterhouseCoopers, Raul Beer verificou aumento de 30% nas consultas e diz que a situação atual é bem diferente da vivida no fim de 2002:

“No ano passado, os estrangeiros desconversavam quando o assunto era negociar a vinda para o Brasil. Hoje, estão receptivos quando oferecemos negócios no País, principalmente os americanos.”

Em julho, a Price negociou a venda da Unidock?s ? maior empresa brasileira de logística para o setor farmacêutico ? para a inglesa Exel, líder mundial em gestão de cadeias de abastecimento. O negócio, iniciado em 2002, foi concluído somente agora, após a estabilização da economia. A Price, que não revela o valor da operação, recebe consultas ainda para os setores de alimentos, energia e transporte, entre outros.

“O movimento dos novos investidores não chega a ser como na época das privatizações, mas a demanda é crescente. Já a procura dos clientes estabelecidos no Brasil voltou ao normal. Posso assegurar que o escritório não tem mais tempo ocioso”, comemora Julian Chediak, sócio do Motta Fernandes Advogados.

Em setembro passado, foram fechados 23 negócios entre fusões e aquisições, ainda uma queda de 28% em relação ao mesmo mês de 2002. Segundo a Price, nos nove primeiros meses do ano, ocorreram 236 transações, 40% das 396 operações fechadas no mesmo período de 2002. Quem olha os números fechados deste ano pode imaginar que 2003 vem sendo pior do que 2002. Mas é bom lembrar que os negócios de fusão e aquisição levam vários meses para ser fechados. Ou seja, este ano reflete os negócios iniciados em 2002, daí a queda.

Os investidores nacionais participaram em 66% dos casos fechados no ano, o que mostra que os estrangeiros estavam à espera de um melhor momento para entrar no jogo.

“As oportunidades de negócios este ano justificam-se porque os ativos estão desvalorizados; sendo que a justificativa para essa desvalorização seriam os prejuízos dos investidores internacionais no passado”, diz Ricardo Siqueira, sócio do escritório Ulhôa Canto.

Para um aumento sustentável dos investimentos diretos no País, Siqueira diz que seria primordial que se estabelecesse um marco regulatório adequado, sobretudo para os investimentos nas atividades de energia.

“No ano passado, os estrangeiros estavam muito preocupados com os negócios na área de infra-estrutura no Brasil, principalmente com decisões sobre cobrança de tarifas. As empresas que já estão instaladas no País não queriam trazer mais dólares porque estavam preocupadas com a cotação da moeda. Agora, vão tirar os projetos de investimento direto das gavetas. A política austera do governo deu grande tranqüilidade”, diz Antônio Alberto Gouvêa Vieira, sócio do escritório com seu nome.

Para o presidente da Sobeet, Antônio Corrêa de Lacerda, há uma conjunção de fatores que justificam o interesse maior dos estrangeiros:

“Estamos num momento em que a economia interna está se consolidando e o ambiente internacional, mais favorável.”

Lacerda acredita que a economia brasileira poderá receber investimentos de US$ 25 bilhões a US$ 30 bilhões por ano até 2007. No entanto, o governo precisa resolver de uma vez os problemas dos setores regulados, como reajustes de tarifas. Principalmente, porque infra-estrutura continua sendo uma das áreas de maior interesse.

No escritório Lobo & Ibeas também cresceu o volume de consulta para fusões e aquisições. Mas nem sempre as empresas concretizam o investimento, explica a advogada Renata Novotsny.

“Metade das consultas terminam em investimento. Existem pedidos da França, da Espanha e da Argentina, principalmente para o setor de serviços”, afirma Renata.

“Com a nova cobrança do Cofins, a tendência é de redução no fechamento de negócios.”

A advogada Simone Nhuch, da Zalcberg Advogados Associados, disse que as consultas aumentaram, não somente entre novos investidores, mas também para quem já está no País e pretende ampliar o negócio.

“As empresas americanas, principalmente, têm nos procurado bastante”, disse.

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