Dívida pública “acende” preocupação no governo

A luz amarela reacendeu nas últimas semanas, quando o Fundo Monetário Internacional (FMI) chamou a atenção para a vulnerabilidade fiscal brasileira em seu relatório “Perspectivas para a economia mundial”. A preocupação vem da constatação óbvia de que, apesar de o Brasil estar cumprindo as metas de superávit primário desde o quarto trimestre de 1998, a relação entre a dívida líquida do setor público e o Produto Interno Bruto (PIB) não parou de crescer. Pior: já beira R$ 1 trilhão. De dezembro de 1994 a março deste ano, saltou de 30,01% para 57,4% do PIB – não sem antes bater 58,7% no fim de 2003.

Rio (AG) – À equipe do ministro da Fazenda, Antônio Palocci, cabe provar, neste 2004, que o governo é capaz de inverter a curva ascendente e livrar o Brasil de apuros em caso de um novo choque externo.

“Todo ano o Banco Central (BC) projeta a queda da relação dívida-PIB, mas ela sempre sobe. Aí vem o BC e diz, de novo, que no ano seguinte ela vai cair. Por isso, 2004 será um ano-chave para o governo provar que consegue reduzí-la”, diz Joaquim Elói Cirne de Toledo, professor da USP.

A trajetória crescente da dívida pública ficou explícita a partir de 1994, ano de implantação do Plano Real, quando o fim da hiperinflação permitiu análises mais transparentes das contas do governo. Vale lembrar que a dívida líquida do setor público inclui não só as obrigações em títulos (dívida mobiliária), mas todos os passivos internos e externos dos governos federal, estaduais e municipais, bem como de suas estatais e do BC.

O endividamento galopante destes dez anos pode ser dividido em duas fases. A primeira, que vai de 1994 a 1998, foi marcada quase exclusivamente pelo aumento dos gastos ou reconhecimento de velhos passivos, os esqueletos. Dali em diante, ajuste fiscal em curso, a dívida inflou em razão de seu perfil: volume excessivo de títulos indexados ao câmbio e aos juros pós-fixados (Selic).

No penúltimo suplemento do boletim “Política Econômica em Foco”, do Instituto de Economia da Unicamp, o professor Geraldo Biasoto Júnior afirma que “a evolução da dívida segue uma rotina que desconhece os esforços da política fiscal”. Ele explica que, em 2001 e 2002, os efeitos da desvalorização cambial sobre o endividamento foram avassaladores: fizeram-na crescer 12,28% do PIB. Em 2003, a apreciação do real a reduziu em 4,1% do PIB. Em contrapartida, os juros a elevaram em 6,88%, 7,18% e 9,25% do PIB, respectivamente, no triênio 2001-2003.

O governo vem implementando um bem-sucedido plano para diminuir a parcela de títulos indexados ao dólar. Em 2002, pico da explosão cambial, o volume de papéis corrigidos pela moeda chegou a representar 40% da dívida. Hoje, o ministro Palocci não cansa de alardear a redução para níveis próximos de 17%.

“Não rolar boa parte da dívida cambial foi muito bom. Hoje, crises de liquidez que desvalorizassem o câmbio teriam impacto muito menor na dívida pública. A dinâmica é bem menos perigosa”, diz Alexandre Maia, economista da GAP Asset Management.

Cenário para este ano é otimista

Economistas e analistas de mercado listam três fatores essenciais para diminuição da relação dívida-PIB. Um deles é a obtenção continuada de superávits primários (no caso brasileiro, da ordem de 4% ao ano). O segundo, tendência declinante dos juros reais. O terceiro, crescimento econômico sustentável. A tarefa é dura. Alexandre Maia, da GAP, diz que só em 2000 o Brasil conseguiu combinar os três elementos num ano. Ainda assim, a dívida cresceu, por causa da mudança de patamar do dólar.

Para este ano, o cenário é otimista. Na última edição do “Boletim de Conjuntura”, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) prevê que, em dezembro de 2004, a relação dívida-PIB cairá para 57,4% (mais de um ponto percentual abaixo do resultado observado no fim de 2003) e chegará a 52,7% em 2006. Diz o texto:

“A perspectiva atual de crescimento do PIB, queda dos juros reais e estabilidade do câmbio tendem a permitir uma efetiva queda da dívida como proporção do PIB. Assim, a partir de 2004, a trajetória da dívida será descendente. A expectativa de queda da dívida líquida do setor público baseia-se na manutenção do superávit primário e na queda dos juros reais, que contribuem respectivamente para a redução efetiva do passivo do setor público e para o arrefecimento da velocidade de crescimento da dívida”.

Joaquim Toledo engrossa o coro dos que defendem uma política mais ousada de redução dos juros. Para ele, o fator determinante para a explosão da dívida pública é a taxa de juro real da economia, que tem permanecido insistentemente alta. Os sucessivos choques de juros feitos pelo governo para conter a inflação depois da adoção do câmbio flutuante acentuaram a curva ascendente da dívida.

– A forma mais fácil de reduzir a dívida é cortar os juros – diz ele, que é totalmente contrário a soluções radicais, como renegociação ou calote. – Idéias desse tipo têm que ser esquecidas, porque não fazem sentido. É como se alguém que quisesse se livrar das unhas longas resolvesse amputar as mãos – compara Toledo. Flávia Oliveira

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