Diferenças não devem afetar o Mercosul

Foto: Agência Brasil

Lula discursa no encontro de presidentes: bem-vindos, bolivianos.

A máxima do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que ?nunca houve na história do Mercosul? um momento tão favorável para a integração foi testada pelos resultados e pelas divergências entre líderes durante a 32.ª Reunião de Cúpula do bloco. Os cinco sócios plenos (Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina e Venezuela), adiaram soluções para problemas de fundo e polêmicas mais recentes, como o pedido de adesão plena da Bolívia e o alívio nas regras de comércio para o Uruguai e o Paraguai.

 Os negociadores deixaram a praia de Copacabana sem nenhuma orientação para que negociem as normas que dariam maior consistência à união aduaneira – uma carência que deu margem aos conflitos entre os seus sócios, como a guerra da celulose, entre Uruguai e Argentina, e a recente queixa da Argentina contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC).

A política de ?generosidade? do Brasil para com as economias menores da região foi desmontada com o apelo do presidente uruguaio, Tabaré Vásquez, por mais justiça e direitos que beneficência. O bate-boca entre os presidentes Álvaro Uribe, da Colômbia, Evo Morales, da Bolívia, e o próprio Hugo Chávez, durante o encontro de cúpula, estampou a animosidade na vizinhança.

Contagiado pelo ?Socialismo do século 21?, de Chávez, o Mercosul acabou vinculado à bandeira da reforma social – alardeada pelos seus cinco líderes.

Os resultados, entretanto, poderiam ter sido ainda mais preocupantes. O encontro de cúpula começou, na quinta-feira, sob uma forte pressão do governo brasileiro para que a admissão da Bolívia fosse tratada como um objetivo geopolítico e que, portanto, as concessões exigidas por Morales fossem atendidas como ?facilidades temporárias?. Os desejos do Brasil de expandir sua generosidade – com a proposta de adoção unilateral de medidas para favorecer o ingresso em seu mercado de produtos uruguaios e paraguaios com mais componentes importados – acabaram abortados. Em ambos os tópicos, prevaleceram os argumentos da Argentina.

Chile quer menos palavras e mais ação

Rio (AE) – A presidente do Chile, Michelle Bachelet, afirmou no segundo dia da Cúpula do Mercosul que a integração sul-americana, para ser sustentável, ?tem de passar da palavra para a ação?. Segundo ela, a aliança de países da região não deve ser apenas uma forma de combater a pobreza, mas um instrumento para fortalecer a democracia e promover uma sociedade mais justa.

Durante discurso na reunião da Cúpula do Mercosul, a presidente chilena indicou que um acordo comercial deve ter quatro objetivos globais: estabelecer um marco normativo para contribuir com um espaço econômico comum, uma zona de livre comércio no período de 10 anos, facilitar o desenvolvimento de uma infra-estrutura física para interconexões bioceânicas e criar condições para se iniciar a liberalização de comércio e bens.

Além disso, Bachelet afirmou que o desafio da integração da América do Sul é promover o desenvolvimento social junto com o desenvolvimento político e econômico. Ela também defendeu reformas sociais, ?para que o nosso povo possa viver da melhor maneira?.

Uruguai faz críticas ao bloco e pede justiça na integração

Rio (AE) – O presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, fez ontem um duro discurso de crítica ao Mercosul, contrastando com as intervenções comemorativas realizadas antes pelos presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Néstor Kirchner. ?O Uruguai pede justiça no tratamento no processo de integração?, disse.

Vásquez citou o Brasil nas suas críticas, ao dizer que o seu país exportou US$ 5 milhões em autopeças para cá no ano passado, enquanto recebeu o equivalente a US$ 150 milhões em autopeças brasileiras. Referindo-se nominalmente ao presidente Lula e seu discurso de abertura da Cúpula do Mercosul, no hotel Copacabana Palace, no Rio, o presidente uruguaio disse que é verdade que há êxito no bloco, ?mas para alguns países menores como o Uruguai o intercâmbio comercial no Mercosul é muito deficitário?. E acrescentou: ?Nossa realidade (do bloco) deve ser contemplada por uma flexibilização que o Uruguai pleiteou em outubro de 2006 em que fizemos um diagnóstico sério dessa situação?.

Vásquez citou como exemplo da situação difícil dos pequenos no bloco uma garrafa de água mineral do Uruguai que está sendo consumida na cúpula. Segundo ele, o Puma, que é a marca do produto, foi extinto pela civilização em seu país e pode ser um símbolo do que acontecerá com os países pequenos no Mercosul. ?Temos medo que os nomes dos pequenos países sejam apenas um nome impresso numa etiqueta nessas reuniões de cúpula.?

Uruguai e Argentina estão travando uma briga tarifária dentro do Mercosul, que acabou trazendo tensão à cúpula do Rio. Os presidentes dos dois países não fizeram referência diretamente ao problema em seus discursos.

Paraguai

O presidente do Paraguai, Nicanor Duarte – que assumiu ontem a presidência temporária do Mercosul – defendeu, em sua apresentação na reunião entre chefes de Estado no Rio, que o programa de trabalho do grupo já não deveria mais ?consumir tempo? com travas que impedem a livre comercialização de mercadorias entre os países. ?É importante que todos os países deixem de lado a competitividade e garantam co-operação entre si. Por isso é conveniente entrar em uma outra etapa de discussões.?

Para o presidente do Paraguai, a integração energética entre os países é uma das principais estratégias para a união e tem que priorizar a distribuição das riquezas do subsolo de forma a promover o desenvolvimento dos países. ?A integração energética é central para o sucesso do bloco?, afirmou. A exploração de petróleo e gás não deverá favorecer os países maiores em detrimento dos menores. Quando se produzir excedentes, não se pode pensar em outra coisa que não aplicar os ganhos com este excedente no desenvolvimento do próprio país dono das reservas?, disse. Ainda para ele, é ?ético? que os países paguem o que for ?justo? por estas riquezas ?retiradas de seus vizinhos? e que os ?tratados entre ambos sejam equânimes?.

Sócios do bloco mantêm tradição de adiar decisões

Rio (AE) – Os chanceleres dos cinco países do Mercosul adotaram uma tradicional fórmula do governo Luiz Inácio Lula da Silva para resolver as duas questões mais polêmicas para o bloco: a postergação de qualquer decisão e a criação de grupos de trabalho para estudá-las.

Reunidos no Conselho do Mercado Comum (CMC) anteontem no Rio, instância decisiva do Mercosul, os ministros adiaram para abril a decisão sobre as medidas sugeridas pelo Brasil para impulsionar setores produtivos do Uruguai e Paraguai e suas exportações para os grandes do bloco.

Os chanceleres fixaram um prazo de 180 dias – prorrogável por mais 180 – para que outro grupo de trabalho decida se a Bolívia poderá ser o sexto membro pleno do Mercosul. No caso da Venezuela, preferiram atrasar até o fim de abril a conclusão das negociações sobre o cumprimento das normas de livre comércio e da união aduaneira.

De efetivo, restou para os chanceleres aprovarem 11 projetos de desenvolvimento das economias menores – três do Uruguai, cinco do Paraguai e mais três para o bloco, dentre eles um de combate à aftosa – que serão financiados pelo Fundo de Convergência do Mercosul (Focem). O fundo terá só US$ 125 milhões em caixa até o fim deste ano, dos quais US$ 87,5 milhões aportados pelo Brasil.

Evo defende ?preço justo? na negociação com Petrobras

Rio (AE) – O presidente da Bolívia, Evo Morales, disse que discutiu com o presidente Lula, entre outros assuntos, a questão relativa ao preço do gás natural vendido ao Brasil. Morales evitou citar o preço ideal pleiteado pela Bolívia para o gás natural vendido ao Brasil. Ele disse apenas que espera um ?preço justo? e que a Petrobras será tratada com ?muito respeito? na negociação.

O presidente usou como exemplo para justificar a necessidade de um reajuste no preço do gás o valor pago hoje pela Argentina, de US$ 5 por milhão de BTU (unidade térmica britânica, que mede o poder calorífico do combustível). ?Hoje a Argentina paga US$ 5, mas vendemos gás para a térmica de Cuiabá por US$ 1,90. O Brasil é muito compreensivo e muito sensível ao nosso pleito diante de uma diferença como esta. O diálogo está aberto e tecnicamente é provado que subsidiamos o gás para o Brasil?, afirmou Evo Morales.

O presidente boliviano comentou que o projeto entre Brasil e Venezuela para construir um gasoduto ligando os dois países, possibilidade anunciada ontem, não afeta a Bolívia. ?Há mercado para todo esse gás e trabalhamos em clima de bastante companheirismo com Chávez e Lula.?

À saída do encontro Lula disse que dará uma resposta a Morales em fevereiro (dia 14, quando o presidente boliviano faz nova visita ao Brasil).

Chávez fala em ?alternativas ao capitalismo?

Rio (AE) – O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, voltou a criticar o imperialismo dos Estados Unidos e defender uma maior participação dos governos na economia da região. Em um discurso, ontem, que durou cerca de 30 minutos (o triplo do tempo usado pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva), Chávez pediu a criação de um grupo de trabalho no Mercosul para debater alternativas ao capitalismo dos Estados Unidos, imposto a ?ponta de canhão, golpe de Estado, invasão na América Latina no século XX?.

Ele lembrou que das 300 maiores empresas que negociam no Mercosul, 40% são transnacionais e outras 36% são dependentes dessas grandes companhias. ?Essas empresas não têm interesse na integração. Acho que têm é grande interesse na desintegração?, afirmou.

Segundo ele, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial são ?armas do imperialismo? e precisam ser neutralizadas. Enfático, Chávez acusou o FMI de defender a autonomia dos bancos centrais como forma de ter mais interferência nas economias da região. ?O capitalismo é o caminho da perdição do planeta. Se continuarmos assim vamos acabar com o planeta?, previu.

Ao se declarar um socialismo novo, Chávez afirmou que o Mercosul não precisa temer ser prejudicado pelo contágio do socialismo adotado pela Venezuela.

Ditadura

?Terminou a época neoliberal na América Latina? e ?acabou a época da ditadura?, disse Chávez. O presidente venezuelano, que propôs a criação de um grupo de trabalho para refletir sobre o imperialismo, defendeu que personalidades como o prêmio Nobel de Economia Joseph Stiglitz, crítico do Fundo Monetário Internacional, sejam convidadas a falar. Ele também citou a obra do secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, como uma referência, fazendo o chanceler brasileiro, Celso Amorim, sorrir.

Chávez defendeu-se de críticas ao seu regime. ?A Igreja Católica diz que estamos violando a liberdade de expressão, que estamos em ditadura. Que ditadura? Jamais fechei canal de televisão?, disse, argumentando que o que houve foi a não-renovação da concessão de uma empresa de televisão.

Ele voltou a defender que os países se integrem ao projeto de uma televisão para a região, a Telesur, já posta no ar pela Venezuela. Também insistiu na idéia de se criar um Banco do Sul, dizendo acreditar que não se deve ?perder mais tempo nisso?. O Brasil prefere usar as instituições financeiras já existentes no financiamento da região, mas, para Chávez, ?o Banco do Sul é um grito, um alarido de necessidade? para investimentos sociais, incluindo microcrédito.

Chávez afirmou também que as sociedades entre a Petrobras e a estatal venezuelana de petróleo PDVSA em projetos nos dois países é o início do projeto Petrosur, na área de petróleo. No gás, além do projeto do Gasoduto do Sul que iria da Venezuela à Argentina, falou também da possibilidade de construir dutos para levar o gás venezuelano também para a Nicarágua, passando por países como Panamá e Colômbia.

Sócios do Mercosul não divergem no essencial

Rio (AE) – O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, fez um balanço entusiasmado da Cúpula do Mercosul encerrada ontem no Rio, apesar das manifestas divergências entre alguns chefes de Estado nos seus discursos. ?Não há divergência no essencial, todos estão comprometidos com a integração sul-americana na base da justiça social e desenvolvimento econômico?, disse Amorim, acrescentando que ?a homogeneidade só existe nos cemitérios; onde há vida, há diferença?. Nos discursos da reunião de cúpula encerrada no início da tarde, os presidentes do Uruguai, Tabaré Vásquez, e da Bolívia, Evo Morales, criticaram as assimetrias no bloco. Vázquez chegou a dizer que é preciso ?justiça? para fazer valer os direitos dos países menores no bloco. ?O diálogo foi produtivo e respeitoso, estamos criando a base para uma integração que tem que respeitar a pluralidade e a diversidade?, disse Amorim, que informou que o presidente Lula ficou ?muito satisfeito? com os resultados da reunião do Mercosul no Rio.

O ministro foi questionado por repórteres sobre uma ?perda de identidade? que estaria ocorrendo no Mercosul, hoje um bloco mais político que econômico. Também neste caso, se concentrou no lado positivo. ?O Mercosul não está perdendo sua identidade, mas realizando sua identidade. O comércio sempre foi visto como um instrumento para a integração, durante algum tempo pode ter predominado na visão (do bloco), mas o objetivo sempre foi a busca da integração para os povos.? O ministro apressou-se em esclarecer que ?não digo que o comércio não é importante e é preciso continuar avançando?.

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