Competição na fixa ficou muito aquém do esperado

Em cada esquina, um telefone público. E a oferta de linhas residenciais já supera a demanda dos usuários. Se, por um lado, esses foram os grandes avanços obtidos com a privatização na telefonia fixa local, a esperada competição no setor não aconteceu. Ao contrário do mercado de telefonia celular, em que a competição é acirrada, dos 39 milhões de telefones fixos locais em serviço, 95% estão nas mãos de Telemar, Brasil Telecom (BrT) e Telefônica.

Metas rígidas a serem cumpridas e falhas na estratégia de negócios das novas empresas dificultaram a competição, segundo especialistas. Além disso, segundo eles, o Brasil não fugiu à regra do que acontece no resto do mundo na telefonia fixa. A GVT e a Vésper, chamadas empresas-espelho, encontraram dificuldades para entrar num mercado dominado por concessionárias, que já têm base sólida de clientes e rede instalada.

No geral, os principais objetivos da privatização foram cumpridos. Há cinco anos, havia fila para ter um telefone fixo, e a linha custava até US$ 4 mil. Hoje, há cerca de dez milhões de linhas sobrando. Mas, quando se fala em competição na telefonia fixa local, não há concorrência. A legislação foi bem criada, mas mal gerenciada – afirma o diretor-geral do IDG Brasil, Dário Dal Piaz.

Criadas para concorrer com as concessionárias, a GVT e a Vésper, tiveram trajetórias diferentes. Ambas escolheram a tecnologia WLL (Wireless Local Loop), sem fio, que funciona via rádio. A primeira, concorrente da BrT, investiu no segmento corporativo e de pequenas empresas, além de oferecer serviços como transmissão de dados. A GVT tem hoje cerca de 4% do mercado onde atua (com 500 mil linhas instaladas), o que não deixa de ser uma pequena vitória.

Operadoras vivem em pé-de-guerra

Já a Vésper – que disputa o mercado de São Paulo com a Telefônica, e de 16 estados brasileiros, incluindo Rio, com a Telemar – escolheu como alvo os clientes residenciais. Com novidades como planos pré-pagos na fixa local, a operadora esbarrou em problemas de cobertura e tecnologia, que não permitia o uso de internet e fax. Pior: os preços eram poucos competitivos no início da operação. O resultado é que hoje ela tem apenas 1,3% do mercado de São Paulo e 4,5% na área da Telemar.

Para o vice-presidente de Estratégia e Regulamentação da Telemar, Ivan Ribeiro, a presença maciça da empresa se deve ao investimento de R$ 20 bilhões em expansão de rede, que cresceu mais de 100% depois da privatização, somando 17 milhões de linhas instaladas.

Investimos pesado. Além disso, centralizamos a operação e enxugamos a estrutura. Os outros não fizeram o dever de casa – diz, alfinetando a Embratel, que acusa a empresa de ter o monopólio na região.

A grande briga entre as operadoras de longa distância e as locais envolve o compartilhamento da rede já existente (uso de estrutura de outra operadora para oferecer serviços aos usuários) e os custos de interconexão (tarifa de utilização da rede alheia para realizar uma chamada). A Embratel, que tem autorização para oferecer serviços locais, alega que as condições são desleais.

Não adianta ter leis se as regras de compartilhamento não são cumpridas. Temos interesse em chegar ao consumidor residencial (local), o que não podemos é duplicar uma infraestrutura que já existe e é mal-utilizada – diz a vice-presidente da Embratel, Purificación Carpinteyro.

Um escândalo que permanece no ar

São Paulo  (AG) – Dos vários integrantes de alto escalão do governo Fernando Henrique Cardoso envolvidos em supostas manipulações e favorecimentos revelados pelos grampos telefônicos na sede do BNDES, às vésperas dos leilões de privatização das estatais de telecomunicações, há cinco anos, nenhum deles sequer foi convocado a depor na Justiça até agora. Apenas o araponga Temilson Resende, o Telmo, foi processado e condenado como autor da escuta ilegal. Ele recorreu, e o processo agora tramita na 5 Turma do Tribunal Regional Federal (TRF-RJ).

Uma ação cível de improbidade administrativa foi apresentada em 1999 pela Procuradoria Geral da República (PGR) à Justiça, mas continua parada nas mãos do juiz da 16 Vara Federal do Rio. Nessa ação são citados como réus os ex-ministros Luiz Carlos Mendonça de Barros (Comunicações) e Pedro Parente (Casa Civil), além do ex-presidente do BNDES André Lara Resende; seu vice, Pio Borges; e o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira. Eles foram denunciados pelo procurador Flávio Paixão de Moura Júnior, acusados de tentar favorecer o grupo Opportunity no leilão de privatização da Tele Norte Leste, que acabou arrematada pelo consórcio Telemar.

A ação lista em detalhes as diversas manobras conduzidas por Mendonça de Barros, Lara Resende e Pio Borges para que a Previ, o fundo de pensão dos empregados do Banco do Brasil, integrasse o consórcio que tinha o Opportunity e a Italia Telecom na disputa da Tele Norte Leste. Tudo, segundo os réus, em nome de aumentar a concorrência e elevar os preços pagos nos leilões. Parente, que na época presidia o Conselho de Administração do BB, é acusado de ter violado normas da instituição ao autorizar um aval bancário para que o consórcio do Opportunity pudesse participar do leilão. Ricardo Sérgio, então diretor da área de corporate do BB, segundo a ação da PGR, teria usado sua influência para que a Previ desistisse de participar do consórcio Telemar e aderisse ao grupo do Opportunity.

– As evidências de favorecimento são fortíssimas. Mas os acusados sequer foram intimados a depor e o caso está parado da 16 Vara Federal -queixa-se o procurador Moura Júnior.

Já na Polícia Federal do Rio, cinco inquéritos investigam a conduta dos fundos de pensão de estatais no processo de privatização. O principal deles refere-se à Previ e já tem quatro ex-diretores indiciados. Segundo o procurador Eduardo André Lopes Pinto, da PGR-RJ, os inquéritos partem de evidências de que esses fundos (Telos e Funcef, além da Previ) teriam atuado como instituições financeiras nas privatizações, caracterizando crime contra o sistema financeiro.

Já temos provas de que os fundos atuaram fora de suas atribuições. Também são fortes os indícios de gestão temerária por parte dos dirigentes dessas entidades -diz Lopes Pinto, que espera apresentar denúncia contra os envolvidos até o fim do ano.

Antes faltava linha, hoje sobra cobrança

Antes da privatização, consumidores compravam suas linhas telefônicas e esperavam até seis anos para recebê-las. Mas quem tinha telefone não se livrava dos aborrecimentos: linhas cruzadas, demora para o sinal de discar, transferência de endereço quase impossível, telefones mudos. Hoje, o maior problema nos Procons e juizados especiais cíveis de Rio e São Paulo está nas contestações da cobrança excessiva de pulsos.

Para tentar diminuir as reclamações sobre pulsos excedentes, a Telemar vai implantar em quatro estados, agora em agosto, um projeto-piloto que vai durar três meses: duas vezes por semana, o consumidor poderá ligar para um 0800 para saber quantos já foram gastos dos cem pulsos da franquia. Outra forma de solucionar o problema será o cadastramento de um e-mail do consumidor. Por ele, o usuário receberá a informação de que sua conta atingiu um determinado valor.

Para Mônica Sardas, subsecretária de Defesa do Consumidor, o que mais falta hoje são informações.

“O setor de telefonia representava 41% das reclamações em 2001. Em 2002, caiu para 38% e, em 2003, para 33%. As empresas mesmo estão melhorando tecnologicamente”.

Segundo a Telemar, foram trocadas dez mil toneladas de cabos e investidos R$ 20 bilhões nos 16 estados da área de atuação da empresa, sendo R$ 8 bilhões somente no Rio. A empresa admite que recebeu multas da Anatel por demora na melhoria da qualidade das linhas, pois ao trocá-las acabou interferindo nas que funcionavam razoavelmente bem. Hoje, 98% da rede está digitalizada.

Problemas com longa distância

Em 98, o número de reclamações de telefonia chegou a 15.150 no Procon-SP. No ano seguinte, o números dispararam e chegaram a 25.544 reclamações, principalmente por pedidos de linha não atendidos. Lúcia Helena Magalhães, assistente de direção do Procon-SP, lembra de problemas com a entrada em operação dos serviços das operadoras de longa distância:

“Transtornos como a cobrança de ligações para o tele-sexo e cobranças atrasadas de ligações DDD e DDI só foram solucionados com a assinatura de termos de ajustamento de conduta firmados com as empresas.”

Com relação ao serviço de celulares, Lúcia Helena ressalta que o principal problema enfrentado na privatização dizia respeito à cobertura, e hoje é a falta de informação sobre tarifas e serviços.

A coordenadora dos Juizados Especiais Cíveis, Cristina Gáulia, lembra que, quando os juizados surgiram, em 1996, foram a eles que os consumidores recorreram, pois havia uma sede de Justiça contra o setor:

“Os juízes condenavam a Telemar por danos morais e instituíam multas diárias para que os planos de expansão fossem entregues. Hoje, os consumidores recorrem aos juizados para conseguir parcelar as contas.”

Para Marcela de Castro, gerente de defesa de obrigações legais da Anatel, a prestação dos serviços evoluiu e hoje os problemas são eventuais:

“Em 2000 as empresas não cumpriam a meta de transferir uma linha em três dias; hoje, 96% a cumprem.”

Lucia Helena reclama que não existe uma representação para o consumidor na Anatel, conforme previso na própria resolução:

“Como os pleitos dos consumidores não são ouvidos pela Anatel, isso gera uma série de ações na Justiça.”

Comprar telefone é fácil, difícil é pagar a conta

A importância do telefone se divide entre antes e depois da privatização do setor. O que era considerado um bem, por ter um preço alto, tornou-se um produto de acesso relativamente fácil, um serviço. Mas paga-se muito por isso. Os preços da telefonia fixa subiram 53,66% de 1999 até junho deste ano, contra 49,17% do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE. No Plano Real, a diferença é ainda maior no período, com alta de 450,44% nas tarifas, comparada a uma inflação de 153,73%.

Antes da privatização, os preços estavam defasados, em torno de R$ 0,60 a assinatura, incluindo impostos. O custo do telefone era pago pelas ligações interurbanas. Neste ponto de vista, era barato ter telefone. Mas não existiam linhas para vender. Muitos pagaram pelo plano de expansão e não receberam as linhas. Por isso, o mercado paralelo era sólido. Mas cobrava caro. Uma linha para venda no paralelo custava em torno de US$ 5 mil – destaca o economista do Ipea, Armando Castelar.

O setor passou por dois realinhamentos de tarifas, em 1995 e 1997. Com a mudança, a assinatura residencial que custava US$ 0,63 em julho de 1994, passou para US$ 3,86 em novembro de 1995 e para US$ 11,91 em maio de 1997. A assinatura comercial passou de US$ 7,45 em 94 para US$ 13,45 em 95 e US$ 17,97 em 97.

O pulso local de três minutos em horário de pico, que em julho de 1994 era de US$ 0,03, subiu para US$ 0,05 em 95 e US$ 0,07 em 97. Também foram feitas alterações no minuto de longa distância nacional. O minuto, que custava US$ 0,26 em 94, passou para US$ 0,31 em 95 e US$ 0,21 em 97. Já o minuto da longa distância internacional, de US$ 2,61 em 94, passou para US$ 1,78 em 95 e caiu para US$ 0,93 em 97.

“O realinhamento ajudou no processo de privatização por despertar o interesse de investidores. Se comparado com outros setores, foi um modelo bem-sucedido”, diz Castelar.

“Foi por causa do realinhamento que as empresas perceberam que havia espaço para crescimento no Brasil”, diz Luiz Minoru, analista de Telecomunicações do Yankee Group.

“As operadoras de telefonia fixa e móvel viram essa carência e apostaram no Brasil. Em 1999 houve a primeira grande desvalorização do real, época em que as empresas fizeram grandes contratações com fornecedores, boa parte dos custos em moeda estrangeira. Elas ainda sofrem os reflexos dessa desvalorização”, ressalta Minoru.

Ele lembra que, apesar da internet, as empresas perceberam que a demanda não foi a imaginada e as estimativas feitas em 1997, superdimensionadas.

Telefonia no horário nobre

– Oi, tudo bem?

– Vai lá no TIM?

– Claro, eu Vivo pensando nesta festa.

O diálogo acima mostra quanto o setor das telecomunicações, após a privatização, tornou-se onipresente na mídia e, por extensão, na vida e no vocabulário dos consumidores. Mesmo quem evita a publicidade tradicional pode esbarrar num show da TIM, numa peça da Embratel, num filme da Brasil Telecom ou num evento esportivo da Oi. A tradução financeira dessa febre está espalhada em três setores. Em 2002, segundo a Editora Meio & Mensagem, o eletroeletrônico investiu em publicidade R$ 153 milhões; o de telecomunicações, R$ 361 milhões; e o de varejo, R$ 2,33 bilhões.

“Esses segmentos são exceções de crescimento nestes cinco anos”, diz o presidente da Associação Brasileira de Propaganda, Armando Strozenberg.

Uma prova de como uma operadora pode fazer a alegria de um publicitário são os R$ 40 milhões investidos no lançamento da Vivo. A próxima a dar oxigênio ao setor será a Telecom Américas, que decide sua nova marca entre Claro, Tess ou ATL. Segundo o presidente da Telecom Americas, Carlos Henrique Moreira, o nome terá que seguir essa linha de fácil identificação.

A escolha do nome Intelig foi a campanha de lançamento da marca. Na eleição, Deborah Secco venceu Adriane Galisteu (Dialog) e Leticia Spiller (Unicom). Mas o posto de garota-propaganda do 23 ficou com Graziela Morreto, que disputa o consumidor com o 21 de Ana Paula Arósio (Embratel), o 31 de Pedro Cardoso (Telemar) e o Super 15 (telefônia).

Sem falar nos Gordinhos 021 (Embratel), que ensinaram a usar o DDD e o DDI, uma campanha que se tornou clássica.

Um pouco de história

1980 – A comunicação por satélite chega ao Brasil na década de 80. A tecnologia foi criada na União Soviética, em 1957, mas seu uso só se difunde no Brasil nos anos 80. Os satélites funcionam como antenas, facilitando as transmissões de TV e de telefone.

1990 – O Rio é pioneiro também na telefonia celular, implantada no estado em 1990. Porém, a expansão do serviço só começa em 1992, devido a seus custos elevados. Os primeiros aparelhos (na foto, um modelo de 1990) mais parecem uma maleta. Hoje, há 38 milhões de linhas de telefone celular no Brasil.

1990 – Paralelamente ao celular, é desenvolvida também a tecnologia de telefone móvel para uso em trânsito, em veículos de passeio ou de trabalho.

1997 – A fibra ótica chega ao usuário final. No Rio de Janeiro, as antigas centrais analógicas são substituídas por centrais digitais, que usam cabos de fibra ótica. A tecnologia foi desenvolvida nos Estados Unidos, na década de 1970. No Brasil, os primeiros 85 quilômetros de fibra ótica são instalados em 1984. Mas só em 1997 os assinantes fluminenses percebem a diferença, com a instalação das centrais digitais.

1996 – As fichas telefônicas deixam de ser fabricadas e são trocadas, paulatinamente, pelo cartão indutivo. Os orelhões por cartão foram inaugurados em 1992, no Rio de Janeiro, durante a conferência Rio-92. As metas de universalização de serviços criadas após a privatização fazem os orelhões se espalharem pelo país. Hoje, somam 1,345 milhão em todo o Brasil.

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