Carga horária contribui para excesso de acidentes

O dia 1.º de maio não foi escolhido à toa para celebrar o trabalhador. Em 1886, pelo menos 200 mil fizeram uma greve geral em Chicago, nos Estados Unidos, reivindicando a redução da carga horária para oito horas. Eles chegavam a trabalhar até 18 horas por dia. Depois disso, manifestações passaram a ocorrer em diversos países do mundo, inclusive no Brasil, e a data se consolidou. Anos mais tarde, em 28 de abril de 1969, uma explosão em uma mina de Farmington, também nos Estados Unidos, provocou a morte de 78 funcionários. A data foi consolidada como o Dia Mundial em Memória às Vítimas de Acidentes de Trabalho.

A origem do dia 1.º de maio, então, se deu principalmente por conta do excesso de horas de trabalho. Hoje, luta-se para que as 44 horas semanais diminuam para 40, e um dos motivos é o fato do trabalhador ficar muito cansado, ser obrigado a produzir cada dia mais, o que vem causando vários problemas, desde doenças ocupacionais até acidentes de trabalho. Estimativas da Universidade de São Paulo (USP) dão conta de que o Brasil gasta, em média R$ 21 bilhões anuais com o problema. No Paraná, estima-se que o valor chegue a R$ 2 bilhões.

E este valor pode ser ainda maior, pois o dado não considera os trabalhadores informais, que acabam desamparados legalmente quando são afastados do trabalho por conta de um acidente ou uma doença, e são bem mais numerosos do que aqueles que têm carteira assinada. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o Paraná continua ocupando o 4.º lugar no país em acidentes de trabalho, com as estatísticas crescendo a cada ano. Em 2005, ocorreram 36.686 acidentes no estado. Em 2006, último ano em que foi realizada a contagem, foram 36.995 casos, 10% de todos que ocorrem em todo o país. A maior parte dos acidentes, segundo o ministério, acontecem no setor hospitalar. Depois vem a área de fabricação de automóveis e o abate de aves e pequenos animais (este último mais evidente no interior do Paraná).

Na opinião do fisioterapeuta e coordenador do curso de Técnico em Segurança do Trabalho do Colégio Brasileiro de Estudos Sistêmicos (CBES), Ricardo Efing, os acidentes ocorrem principalmente por conta da sobrecarga de trabalho. ?A globalização e a concorrência fazem com que as empresas busquem cada vez mais produção, e quando ocorre uma pressão moral destas o risco de acidentes também aumenta?, afirma.

E o mais preocupante, diz Efing (que atende pacientes acidentados todos os dias), é que as estatísticas não são fiéis. Quando ocorre um acidente de trabalho dentro da empresa, o empregador deve abrir a chamada CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho), o que muitas vezes não ocorre. ?Alguns empregadores não emitem este documento porque sabem que ele vai dar uma série de benefícios ao trabalhador?, afirma.

Para o especialista, o que falta é consciência, tanto do empregador quanto do empregado, de que um precisa do outro, e de que um acidente pode trazer sérias conseqüências para ambas as partes, sejam mutilações e sofrimento para o funcionário, sejam diminuição da produtividade e gastos para o empresário. ?Creio que o empresário é consciente das suas obrigações, mas hoje é tão assoberbado com tributos que muitas vezes não tem condições de implantar programas de prevenção na sua empresa. Mas enquanto existir a mentalidade de que o funcionário é descartável, esta realidade não vai mudar?, afirmou.

Quanto mais empregos, mais acidentes

Além do excesso de produção, que tem exige mais da mão-de-obra, os postos de trabalho no Paraná vêm crescendo. E isto está diretamente ligado ao aumento no número de acidentes, na opinião do auditor fiscal do trabalho da Superintendência do Trabalho e Emprego no Paraná, Sérgio Silveira de Barros.

Segundo ele, ainda que o país tenha crescido economicamente, ainda há trabalhadores atuando em situação irregular. ?Há um desgaste do fator humano por conta do excesso de produtividade?, diz ele. Para Barros, o problema é mais evidente nas empresas menores, cujos empresários podem não ter conhecimento da legislação ou até falta de condições para implementá-las. Já as grandes, segundo ele, começaram a se preocupar com prevenção. ?Muitas começaram a seguir a legislação e também perceberam que os acidentes significam custos, como perda de mão-de-obra e de matéria-prima?, explica. Pode-se ver claramente a ligação entre o aumento do número de acidentes de trabalho com o crescimento da economia quando comparam-se as estatísticas: em 1998 ocorriam cerca de 36 mil acidentes por ano no Paraná. Em 2002, houve uma queda para 24 mil.

Vários avanços na legislação ?empurram? os empresários para seguirem as 34 normas que previnem acidentes (para os diversos tipos de empresas). Um deles é o FAP (Fator Acidentário Previdenciário), que entrará em vigor em janeiro de 2009. Com o FAP, a empresa com maior risco pagará mais em seguro de acidente de trabalho e a com menor incidência de acidentes e doenças terá a alíquota reduzida.

Outro estímulo à prevenção é o Nexo Técnico Epidemiológico Presumido (NTEP), que exclui a necessidade do perito ir até a empresa para comprovar que o acidente (ou a doença) ocorreu no ambiente de trabalho. O CAT é o outro exemplo. Antes apenas o empregador podia abrir o documento. Agora o trabalhador (ou sua família, no caso de óbito) também pode fazê-lo. (MA)

Concessão de auxílio duplicou

Apesar dos especialistas afirmarem que existe um sensível aumento de preocupação das autoridades pela prevenção aos acidentes de trabalho, as estatísticas revelam que o caminho ainda é longo para amenizar a situação. Para se ter uma idéia do ônus que isto traz, não só para o estado, mas também para as vítimas, só em Curitiba o número de auxílios-doença por acidente de trabalho, concedidos pelo INSS, dobraram de um ano para outro.

Em 2006, o INSS na capital concedeu 3.030 auxílios. No ano passado, foram 6.041. Só este ano (até março) 2.099 pessoas já conseguiram o benefício.

Embora o número de mortes em conseqüência de acidentes de trabalho estar diminuindo em todo o Brasil (o número caiu 2,5% de 2005 para 2006), o país ainda ocupa a 4.ª posição neste item, em todo o mundo: todos os anos ocorrem pelo menos 2.500 óbitos em acidentes de trabalho no Brasil.

Na China são 14 mil, e nos Estados Unidos, cinco mil.

Porém, quando o trabalhador não morre pode ficar com seqüelas graves, como traumas, fraturas e até mutilações. A médica do INSS, Tânia de Fátima Fiedler, diz que a maior parte dos acidentes ocorre nos membros superiores (mãos, braços) e, por sorte, grande parte não resulta em mutilações.

?As mortes estão diminuindo, mas muitas vezes uma seqüela é mais preocupante ainda?, comenta a médica.

Os acidentes de trabalho são divididos em acidentes típicos (ocorridos no ambiente em que o funcionário desenvolve suas atividades), e o chamado acidente de trajeto, que como o próprio nome diz  se dá no percurso de casa ao trabalho e vice-versa.

Tânia lembra que este último tem aumentado nos últimos anos, em função da violência no trânsito.

Ao contrário de Germano Efing, a médica do INSS acha que alguns empresários não têm a devida orientação sobre prevenção e legislação, e talvez nem se dêem conta de que um simples ato de prevenção pode significar em redução de custos e de preocupação. (MA)

Voltar ao topo