Brasil navega em ritmo mais acelerado

Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Mantega: ?Tenho me empenhado numa luta para que os juros sejam cada vez mais baixos?.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, pretende, ainda neste ano, dar início a uma nova fase da reforma tributária. A idéia é reduzir os 37,37% do Produto Interno Bruto (PIB) da carga que pesa sobre os ombros de cidadãos e empresários. Com isso, espera aquecer a economia, estimular o consumo e arrecadar mais. ?O transatlântico já foi colocado na rota correta?, disse Mantega, em entrevista exclusiva à Radiobrás, ao afirmar que o Brasil está pronto para crescer entre 5% e 6% a partir de 2007. Eis alguns trechos da entrevista:

A três meses de terminar o ano, o senhor mantém a sua previsão de 4% para o crescimento do PIB, enquanto o mercado e até o Banco Central já reduziram as projeções para algo em torno de 3%. O que justifica o seu otimismo?

Guido Mantega – Está havendo, no país, uma reativação do crédito, as empresas estão se preparando para o final de ano que será muito melhor que o ano passado. É esperado um aumento das vendas da ordem de 10%. As empresas estão esperando este aumento de consumo que vai ativar a economia brasileira neste último trimestre. Já no penúltimo, crescemos a taxas muito maiores que as do segundo trimestre.

Mas isso é suficiente para recuperar o discreto desempenho do primeiro semestre e alcançar os 4% no ano?

manteiga2131006.jpgMantega – Vários fatores positivos estão acontecendo no país. Mais importante que crescer 4% é que nós passemos para 2007 com uma economia em crescimento. Não há nenhuma razão para você interromper esse crescimento no Natal deste ano. A festa continua. A queda da inflação para patamares inéditos no Brasil, abaixo de 3%, permite o financiamento em várias parcelas e elas ficam pequenininhas. Tem gente vendendo automóveis com um real de entrada. O cidadão hoje não precisa ter alta renda para adquirir um bem de consumo durável. Ele já pode adquirir porque as prestações estão ficando menores. Como hoje o país é confiável, seguro, tem as contas públicas equilibradas, as contas externas equilibradas, você começa a ter crédito de longo prazo. Então, é mais fácil comprar automóvel, eletroeletrônico e até casa. O crédito habitacional está crescendo e a indústria de construção civil está crescendo como não crescia nos últimos 20 anos. É um cenário todo positivo. Vamos ter dois trimestres com crescimento bastante bom, e nós já temos os sinais concretos dessa evolução do mercado. A massa salarial cresceu bastante.  

Esse ineditismo na inflação tem o seu lado ruim. É possível que ela seja abaixo do mínimo estabelecido como meta para 2006 (4,5% com tolerância de dois pontos para mais ou para menos). E há quem diga que o BC errou a mão no controle da inflação porque não praticou uma redução mais ousada dos juros, o que acabou prejudicando o desempenho da economia.

Mantega – Não acredito que o BC tenha errado a mão nos juros porque eles modelaram uma queda de juros consecutiva que vem desde setembro do ano passado, mais de 12 meses. A ocorrência de uma inflação tão baixa como essa garante que a redução de juros vai continuar e nós não podemos esquecer que a redução não é só da Selic. É de todas as taxas de juros do país. Todo mundo olha só para a Selic. Mas temos também a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) que o cidadão consegue no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para fazer investimento. Ela está em 6,87% ao ano. É a menor da história do BNDES. O resultado disso é que quando você vai adquirir um automóvel, também tem as menores taxas da história. O fenômeno que nós tivemos nos últimos anos no Brasil foi um aumento expressivo do crédito e a diminuição da taxa de juros. O crédito ao consumidor cresceu 100% nos últimos quatro anos. E não é só o médio e o pequeno. O trabalhador, através do crédito consignado que nós criamos, pode desfrutar de taxas de juros mais baratas e ter acesso aos bens de consumo. O crédito barateou. Os juros estão baixos. Dá para baixar mais e eu tenho me empenhado numa luta para que os juros sejam cada vez mais baixos no Brasil.  

O setor produtivo também se queixa da carga tributária brasileira e o senhor tem falado de uma segunda fase da reforma tributária, iniciada em 2003. O que é possível fazer ainda este ano?

manteiga3131006.jpgMantega – A carga tributária realmente é muito alta no Brasil. E isso vem de muitos anos. Estamos empenhados em reduzi-la. No nosso governo, o que fizemos foi reduzir a alíquota de impostos. O imposto de renda diminuiu, imposto sobre informática, cesta básica. Reduzimos material de construção civil, bens de capital, máquinas. Só que como o Brasil está crescendo e a renda das pessoas está aumentando, o lucro dos empresários está aumentando, acabamos arrecadando mais. Isso acontece também porque nós estamos combatendo a sonegação. A carga sobre cada cidadão diminuiu, porém a arrecadação do governo aumentou e isso é bom para o país. Agora nós queremos continuar reduzindo a carga tributária. Queremos estimular a produção, baratear o custo da produção para que o empresário e o cidadão paguem menos impostos.

O senhor fala que a carga sobre o cidadão diminuiu, mas a arrecadação aumentou. Dos 37,37% do PIB que temos hoje de impostos, o senhor poderia decompor, ou seja, dizer quanto corresponde ao peso dos impostos e quanto corresponde ao excesso de arrecadação?

Mantega – Hoje você tem um fenômeno em que o cidadão vai ao supermercado comprar um produto e encontra a um preço menor que há quatro anos. Isso acontece porque a cesta básica barateou. Em 2002, a cesta básica custava mais de R$ 220,00. Hoje você paga R$ 201,00. Um aparelho de DVD custa dois terços do que custava há três anos. Praticamente todos os produtos alimentícios estão mais baratos. O que temos é redução de tributos e aumento de produtividade. Isto é a evolução do país. O cidadão, principalmente o de baixa renda, está tendo acesso a muita coisa. A situação da maioria dos brasileiros melhorou porque há acesso à comida e, além disso, aumento da renda, porque o cidadão passou a ter ou o Bolsa Família ou um emprego melhor. A massa salarial aumentou também.

O governo vive hoje o dilema de ter que reduzir a carga para estimular a produção e o consumo e, ao mesmo tempo, precisa garantir arrecadação para responder pelos gastos públicos que são altos.

Mantega – Isso pode ser compatibilizado se você garantir o crescimento econômico. Você tem que arrecadar mais pelo crescimento, pelo faturamento, pelo volume e não porque você vai taxar mais o cidadão. A nossa estratégia é essa. Se você crescer a 5% ou 6% – e nós podemos fazer isso a partir de 2007 – a arrecadação cresce pelo volume e individualmente ela vai ser melhor. O investimento do empresário vai custar menos, em determinados bens vai custar menos e assim por diante. Você reduz a carga, o peso fiscal vai diminuindo e você mantém a arrecadação pelo crescimento que a própria redução da carga vai promover.

O senhor tem falado em incluir no orçamento um dispositivo que seria redutor de gastos, daria mais qualidade aos gastos públicos e assim garantiria verbas para investimentos. Como pretende fazer?

Mantega – Em primeiro lugar, preciso deixar claro que nunca na história desse país se fez superávit primário (diferença entre receitas e despesas, sem considerar os gastos com a dívida) acima de 4% vários anos seguidos. A responsabilidade fiscal está implantada. Economizamos mais de R$ 50 bilhões por ano. Isso já é uma atitude responsável. Temos que ter a preocupação de sempre estar diminuindo gastos menos prioritários para viabilizar investimentos, gastos sociais, etc. Essa é uma preocupação permanente nossa. A gestão de compras públicas melhorou muito, porque informatizamos todas as compras, diminuímos custos com terceirização. É claro que sempre temos que diminuir gastos e melhorar a qualidade. E eu gostaria de ver implantado um redutor modesto. Nada de choques como sugerem alguns. Sem choques. Seria um redutor gradual. A cada ano, reduz 0,1% ou 0,2% e deixa uma margem maior para investimentos. Esse redutor poderia ser praticado já a partir do próximo ano. Do jeito que estamos indo, com superávit primário de 4,25% nos próximos anos e PIB crescendo a 5% e os juros caindo, nós estaremos diminuindo o déficit nominal. A despesa total está diminuindo e vai continuar diminuindo, de modo que nós poderemos até adotar essa idéia do déficit nominal (diferença entre receitas e despesas, incluindo gastos com a dívida) zero.  

O senhor pretende trabalhar para que os parlamentares insiram o redutor no projeto de lei orçamentária que está em votação no Congresso ou espera que ele aconteça voluntariamente?

Mantega – O projeto que está na Câmara já está sendo discutido lá. O governo vai fazer as contas e esperar o orçamento. Dependendo do orçamento que vier, se houver espaço já poderemos fazer esse redutor, desde que isso não comprometa investimentos nem os programas sociais do governo, que tiveram uma eficácia muito grande. Não podemos comprometer as conquistas que já tivermos. Então, é responsabilidade fiscal com responsabilidade social, é isso que foi implantado e isso que queremos manter.

Qual será o destino da CPMF nesta segunda fase de reforma tributária, já que a validade dela encerra em dezembro de 2007?

Mantega – Nosso plano inicial é mantê-la do jeito que ela se encontra. Porém, temos que fazer uma programação de redução tributária que tenha uma visão geral e que priorize setores que tenham impacto econômico, como bens de capital, investimentos. Precisamos elevar o nível de investimento. Hoje, o crescimento do investimento está em 8% do PIB e é uma boa margem. Porém, nós queremos que cresça ainda mais. Você tem, então, que baratear o custo do investimento com redução do custo financeiro, que já está sendo feito, e também do custo tributário. Você tem que escolher. Não dá para reduzir todos os tributos do país. Neste momento queremos reduzir tributos para micro e pequena empresa. É por isso que estamos apoiando o projeto de Lei Geral da Micro e Pequena Empresa.  

A votação do projeto vem sendo adiada no Senado. O senhor espera vê-lo aprovado ainda neste ano?

Mantega – Isso é por causa do período eleitoral. Conversei com o presidente do Senado, Renan Calheiros. Combinamos uma reunião com todos os partidos. Não haverá dificuldade de aprová-la neste ano.  

O seu antecessor, Antônio Palocci, quando cobrado para que adotasse uma política econômica mais agressiva e menos ortodoxa, costumava comparar o Brasil a um Titanic, porque precisa de manobras lentas. O senhor acha que a manobra já foi feita? Estamos na rota de uma política mais desenvolvimentista?

Mantega – Não compararia com o Titanic, porque é um transatlântico que foi para o fundo. O governo federal é um transatlântico que, de fato, tem dificuldade para fazer movimentos. Não pode dar cavalo de pau, não pode fazer movimentos bruscos. Porém, esse transatlântico já foi colocado na rota correta. Não estava. No passado, estava meio à deriva. Agora não, está navegando em águas calmas e em ritmo cada vez maior. No ano que vem, esse transatlântico poderá navegar mais rapidamente, ou seja, crescer mais de 5%. Todas as variáveis hoje estão melhores do que estavam há quatro anos.  

Além da reforma tributária, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) sugere que para promover esse desenvolvimento que o senhor pretende seria necessário também implementar as reformas trabalhista e previdenciária. O senhor concorda?

Mantega – A estrutura sindical brasileira é muito antiga, precisa mesmo ser mudada. A reforma trabalhista tem que ser feita, mas não dentro desse espírito liberal e ortodoxo que chegaram a cogitar, tirando todos os direitos do trabalhador, como não pagar o 13.º, acabar com as férias, etc. Acho que o que se pode fazer é simplificar e modernizar.

E a reforma previdenciária?

Mantega – Neste momento, não vejo a necessidade de uma nova reforma. Como está aumentando o emprego no país, como está aumentando a formalização da mão-de-obra, temos mais trabalhadores pagando FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), pagando INSS, isso significa que a arrecadação está crescendo e, por enquanto, não vejo a necessidade de alguma medida mais drástica na área da previdência.

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