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BNDES testa ‘Waze do dinheiro público’ em áreas polêmicas

Frequentemente tachado de “caixa-preta”, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) vem fazendo, desde o ano passado, as primeiras experiências com uso da tecnologia “blockchain” – registro de dados introduzido pelo bitcoin que usa criptografia (ler mais abaixo)- , com o objetivo de ampliar a transparência nas operações financeiras.

Uma das iniciativas, o BNDESToken, parte de uma espécie de moeda própria e já teve duas provas de conceito – teste simulado numa operação já realizada. Em paralelo, o BNDES já fez três testes, em projetos financiados pelo Fundo Amazônia, com o TruBudget, uma ferramenta de blockchain desenvolvida pelo KfW, o banco de fomento da Alemanha.

As experiências envolvem algumas das mais questionadas áreas de atuação do BNDES e de outros órgãos públicos, como patrocínio do cinema via renúncia fiscal, apoio financeiro a ONGs ambientais e financiamento a governos estaduais.

A Agência Nacional do Cinema (Ancine), que cuida dos patrocínios com renúncia fiscal, está na mira do Tribunal de Contas da União (TCU), enquanto o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou, no dia 17 de maio, ter identificado “fragilidades” na governança do Fundo Amazônia – resultando no afastamento da chefe do Departamento de Meio Ambiente do BNDES, Daniela Baccas, o que levou o superintendente da Área de Gestão Pública e Socioambiental, Gabriel Rangel Visconti, a entregar o cargo.

O piloto do BNDESToken, desenvolvido pela iniciativa de funcionários de tecnologia da informação (TI) do banco, está previsto para junho, com a produtora de cinema Elo Company, que fez a animação O menino e o mundo, de Alê Abreu, indicada ao Oscar. A Elo participou de uma prova de conceito. Para fazer o piloto, que acompanha o sistema em paralelo a uma operação real, o software da equipe de TI do banco está passando por ajustes.

“Justamente no momento em que se questionam as prestações de contas e se pede mais transparência, o blockchain vem responder a essa demanda (da sociedade)”, diz Sabrina Nudeliman, presidente da Elo Company.

Como funciona

Em linhas gerais, o token substitui o dinheiro nas transações, como um voucher – cada unidade do BNDESToken equivale a R$ 1,00. Em vez de transferir dinheiro para o cliente, o BNDES transfere tokens. O cliente, por sua vez, paga seus fornecedores com esses tokens. A transação é completada quando o fornecedor vai ao BNDES e troca os tokens por reais, recebendo o pagamento do banco e não da empresa contratante.

Com todos os envolvidos (banco, cliente, fornecedores, órgãos de controle) dentro do sistema de blockchain, cada transação fica registrada e é possível criar regras para as transferências – por exemplo, se a verba de patrocínio de uma produção de cinema tem um limite de gastos com alimentação, apenas a quantidade de tokens equivalente a esse teto poderá ser usada para pagar empresas do setor, evitando desvios de finalidade.

Na prova de conceito, a Elo Company simulou o pagamento de quatro roteiristas na fase inicial do desenvolvimento de um documentário. A produtora entrou na experiência por causa da Ancine. Uma equipe da agência procurou o banco no ano passado, quando soube das experiências com a tecnologia.

“É um Waze do dinheiro público, no qual conseguimos acompanhar para onde vai, onde engargala, qual sua velocidade”, diz Daniel Tonacci, assessor da diretoria da Ancine, comparando o sistema ao aplicativo de navegação.

Além de, às vezes, ser questionada pelo TCU, a prestação de contas costuma dar dor de cabeça para os produtores, que têm de juntar notas fiscais para comprovar cada gasto feito. Já a Ancine fica responsável por checar – cerca de 25 funcionários se dedicam à prestação de contas no órgão federal. Na Elo Company, dois funcionários de um total de 30 ficam inteiramente dedicados a isso e, para cada produção, é contratada uma pessoa responsável pela controladoria.

“Com a plataforma blockchain, meu fornecedor faz a prestação de contas em tempo real”, afirma Sabrina.

Meio ambiente

Fato semelhante ocorre nos projetos apoiados pelo Fundo Amazônia, criado em 2008 pelo governo federal e formado com doação de R$ 3,2 bilhões da Noruega e R$ 200 milhões do KfW alemão. O fundo faz financiamentos não reembolsáveis em projetos de prevenção e combate ao desmatamento na Amazônia. Eles são propostos por ONGs, governos – inclusive o Ibama – e universidades.

Nesse caso, o BNDES está adaptando o sistema TruBudget, criado pelo KfW, para controlar suas operações em países africanos. O sistema é diferente do BNDESToken porque não inclui transferências de recursos – cada agente registrado no software informa suas operações de pagamento e transferências, apenas para prestar contas. A meta é incluir no TruBudget todos os 103 projetos apoiados pelo Fundo Amazônia.

“Vai ser mais difícil para as entidades que trabalham errado fazerem gestões irregulares”, diz Luiz Cruz Villares, superintendente administrativo-financeiro da ONG Fundação Amazonas Sustentável (FAS), criada pelo Bradesco e pelo governo estadual do Amazonas, beneficiária de um projeto que testou a versão adaptada do TruBudget. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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