BC surpreende mercado baixando a taxa de juros

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu ontem em meio ponto a taxa básica de juros (Selic), passando de 18,5% para 18% ao ano. A decisão foi surpreendente, pois com as turbulências que afetam os mercados financeiros e que estão repercutindo em alguns indicadores, como a inflação para este ano, os analistas esperavam que o BC mantivesse a taxa de juros básicos no mesmo nível. “Confiante na manutenção, no futuro, de uma estrutura macroeconômica responsável e levando em consideração que a previsão da inflação para 2003 está muito abaixo da meta, o Copom decidiu, por cinco votos a favor e dois contra, reduzir as taxas de juros a 18%”, afirma uma nota do BC que explica a decisão.

Os dois votos contrários defendiam a manutenção da taxa com tendência de baixa, segundo a nota. Esta é a primeira vez desde março que a instituição reduz a taxa de juros básicos. Em junho, quando contra as expectativas o BC decidiu manter a taxa em 18,50%, já havia informado que a tendência era de baixa, o que finalmente se concretizou agora.

O mercado financeiro interpretou o corte da Selic como indicativo do início de uma trajetória de queda nas próximas reuniões do Copom. Analistas consultados por O Estado foram unânimes em dizer que a redução visa a retomada do crescimento econômico brasileiro. Porém, para o consumidor, o reflexo da nova taxa em curto prazo é mínimo.

“É uma medida que toda sociedade já vinha esperando e exigindo do governo. Esperamos que isso seja o início de um processo de queda das taxas de juros, e não uma tentativa errante de política stop-and- go”, diz José Moraes Neto, presidente do Corecon/PR (Conselho Regional de Economia do Paraná). Na avaliação dele, o recuo na Selic não terá nenhum impacto em curto prazo na economia do País. “É um sinalizador de intenção. O que precisa é o governo confirmar nas próximas reuniões do Copom que isso seja tendência e não uma decisão pontual, para estimular a produção e o crescimento da economia”, enfatiza.

O presidente do Corecon/PR ressaltou que 18% ainda é uma taxa “extremamente elevada para qualquer economia com níveis baixos de inflação”. “É uma política monetária que leva à recessão, diminuição da atividade econômica e, conseqüentemente, ao desemprego. A médio prazo tende a reduzir a arrecadação de tributos”, frisa.

Para o economista Cid Cordeiro, supervisor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), o corte foi motivado por razão política, devido à desaceleração da economia no primeiro semestre. “O quadro conjuntural que vivemos está pior do que no início do ano. Teve deterioração cambial e a inflação está fugindo da meta – são os parâmetros que o BC normalmente utiliza”, considera. “Passaram a apostar nas boas perspectivas futuras, mas sabemos que o cenário para o Brasil é muito incerto e não temos controle sobre essas variáveis por causa da vulnerabilidade”.

Sinalização

Na opinião de Cordeiro, o aspecto positivo da redução dos juros é a sinalização de queda. “Esse é o sinal mais importante, porque diminui as dúvidas do mercado sobre a capacidade do País pagar sua dívida e, a médio prazo, melhora os indicadores do risco-Brasil, reduz o custo do crédito externo para empresas e cria um ambiente mais favorável a investimentos”, cita.

O analista de mercado Fernando Fricks, da Spirit Corretora de Valores, classifica o corte dos juros como “um divisor de águas”. “O BC sinalizou que não olha só as metas de inflação daqui para frente, mas está preocupado com a recuperação da indústria, que estava entrando em estagnação”, comenta.

Até então, lembra, o Copom atribuía a não redução da Selic aos choques temporários da economia. “Isso gerou um ciclo virtuoso e prejudicou a economia real. Agora o Copom abriu espaço para tentar reverter esse quadro, sinalizando uma política mais frouxa até o final do ano, assim como já afrouxou as metas de inflação. Essa revisão permitiu a Selic cair mesmo com o dólar nesse patamar”, observa. Para manter os juros em baixa, o governo conta com queda do dólar e da inflação no segundo semestre – considerando que os preços administrados não terão reajustes tão fortes como na primeira metade do ano, finaliza.

Pequeno benefício ao consumidor

A redução da Selic de 18,50% para 18% ao ano terá um efeito muito pequeno nas operações de crédito, conforme projeções da Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade). Com o corte de 0,50 ponto percentual, a taxa Selic mensal passa de 1,42% para 1,39%. A entidade destaca que a diferença entre a Selic e as taxas ao consumidor chega a 1.450,00% ao ano. Em alguns bancos e financeiras, os juros de cheque pessoal e empréstimo pessoal passam de 550,00% ao ano.

Uma geladeira que custa R$ 800,00 à vista, tinha taxas médias de 6,62% ao mês no crediário. Em doze prestações de R$ 89,11, o consumidor pagaria R$ 1.069,32 antes da redução da Selic. Com a taxa passando para 6,59%, a parcela cai para R$ 88,93 e o total, para R$ 1.067,16. Ou seja, houve redução de R$ 0,18 na prestação e R$ 2,16 no total, pelos cálculos da Anefac.

Segundo o vice-presidente da Anefac, Miguel Ribeiro de Oliveira, “um dos fatores positivos da queda é seu efeito psicológico, que sinaliza para os consumidores (pessoas física e jurídica) melhores dias pela frente (crescimento econômico) o que faz o empresário investir mais e o consumidor consumir mais com menor medo do desemprego”. O Brasil tem a terceira maior taxa de juros real do mundo, só perdendo para a Argentina (21,2%) e Polônia (19,9%).

A Anefac aponta que o maior beneficiado pela diminuição da Selic foi o governo, já que o custo da rolagem da dívida pública também caiu. A queda de 0,50 ponto percentual produz uma economia anual nos cofres do governo de R$ 1 bilhão. (OP)

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