As diferenças entre Lula e Kirchner

Buenos Aires e Brasília – Embora pouco se esperasse do novo presidente da Argentina, Néstor Kirchner – ao contrário do que ocorreu no Brasil, onde o presidente Luiz Inácio Lula da Silva despertou grandes esperanças – Kirchner surpreendeu em seu primeiro mês e meio de governo, adotando medidas altamente populares, como o reajuste do salário-mínimo, após dez anos de congelamento, e duras, como a revisão de todas as privatizações e a rejeição das metas do Fundo Monetário Internacional (FMI). 

Lula, pelo contrário, está implementando medidas nada populares, como a elevação da meta de superávit fiscal, a manutenção de juros altos e o fim dos privilégios da aposentadoria do funcionalismo público. Para os analistas, Kirchner acabou fazendo tudo aquilo que se esperava de Lula.

De acordo com analistas, o rumo seguido por ambos deve ser entendido a partir do cenário político e econômico que cada um teve de enfrentar.

– Kirchner e Lula tiveram de encarar realidades diferentes. Do ponto de vista político, a prioridade de Lula é conquistar a confiança externa, pois foi eleito com uma maioria esmagadora de votos. Já Kirchner dedicou o começo de sua gestão a ganhar legitimidade interna, pois assumiu o governo com apenas 22% dos votos – explicou a socióloga Graciela Romer, diretora da Romer e Associados.

Para Christopher Garden, da consultoria Tendências, internamente Kirchner tem mais pontos positivos do que Lula, mas diante dos investidores internacionais o presidente brasileiro sai disparado na frente.

– Toda a conduta da política econômica de Lula tem surpreendido positivamente. As reformas constitucionais e a volta por cima diante de uma crise de confiança que abalou o Brasil contam e muito – disse ele.

Segundo Garden, o dilema de Lula perante a opinião pública é não provocar frustrações. Mas, frente à comunidade internacional, o presidente brasileiro vai bem, enquanto a Argentina ainda tem problemas de credibilidade.

A popularidade de Kirchner, que segundo as pesquisas chega a mais de 80%, pode não ser duradoura, dizem analistas brasileiros, como Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário de Pesquisas.

– Além do desgaste natural que acontece sempre e em todos os casos, Lula está enfrentando a pauleira em torno das reformas, principalmente a previdenciária. Daqui a um ano, possivelmente a curva de popularidade de Lula e Kirchner vão se encontrar – assegurou Figueiredo.

Um dos aspectos que mais diferencia Kirchner de Lula é o relacionamento com o FMI. Enquanto o governo brasileiro encarou um rígido controle de gastos para cumprir uma meta de superávit fiscal que é quase o dobro da argentina, Kirchner já disse que não vai ajustar o orçamento para alcançar o equilíbrio desejado pelo Fundo. Atitude aplaudida por sua base de apoio, mas que despertou desconfiança no exterior.

– O presidente não fez nada do que o FMI esperava. Não reajustou tarifas nem privatizou bancos estatais. Os bancos continuam perdendo muito dinheiro na Argentina (2,4 bilhões de pesos nos primeiros quatro meses deste ano) -afirmou o economista Claudio Lozano, candidato a deputado aliado a Kirchner.

Em sua recente visita à Europa, o presidente argentino acusou o FMI de ser um dos responsáveis pela crise econômica que assola o país há cinco anos. Kirchner deixou claro que não pretende seguir as diretrizes do Fundo.

– Durante os anos 90, representantes do Fundo passearam pelo mundo ao lado de Menem – afirmou Kirchner, que até setembro quer selar novo acordo com o órgão.

Segundo fontes do governo, Kirchner observa com preocupação algumas atitudes de Lula. O presidente argentino criticou a “excessiva aproximação entre Lula e Bush” na última visita do presidente brasileiro a Washington. Esta semana Kirchner terá um encontro com o presidente dos EUA e deverá mostrar até que ponto está disposto a ter um bom relacionamento com a Casa Branca.

A política de defesa dos direitos humanos também foi destaque. Pela primeira vez, desde o retorno da democracia, em 1983, o Poder Executivo mostrou-se disposto a apoiar os pedidos de extradição de militares envolvidos em crimes cometidos durante a ditadura (1976-1983). O juiz espanhol Baltazar Garzón solicitou a extradição de 46 militares e a intenção de Kirchner é revogar um decreto que impede as extradições.

Meu governo não protege delinqüente – disse.

País começa ganhar confiança

Um ano e meio após ter decretado a moratória de parte de sua dívida pública em mãos de credores externos, a Argentina parece estar começando a recuperar não só a confiança dos investidores estrangeiros mas, sobretudo, a dos próprios argentinos. De acordo com dados do Centro de Estudos Bonaerenses (CEB), nos primeiros cinco meses deste ano, US$ 3,6 bilhões foram repatriados por argentinos que durante o auge da crise no sistema financeiro transferiram suas economias para contas no exterior.

Os investimentos externos destinados ao setor produtivo ainda estão arredios. No primeiro trimestre, o total de investimentos estrangeiros diretos atingiu US$ 223 milhões, segundo o Ministério da Economia. Já a entrada de capitais de curto prazo alcançou US$ 1,5 bilhão.

No ano passado, o total de investimentos estrangeiros diretos foi de apenas US$ 775 milhões, resultado que deveria ser superado este ano, afirmam analistas argentinos.

A decisão do governo Kirchner de impor limitações à entrada de capitais especulativos (os chamados capitais golondrinas, ou andorinhas, na gíria local) não teve impacto negativo. No mês passado, o Ministério da Economia aprovou um decreto que exige que todos os capitais que entrem na Argentina permaneçam, no mínimo, seis meses no país. No Brasil, onde o governo não quer adotar medidas de controle do fluxo de capitais, o ingresso de divisas, até junho, foi de apenas US$ 4,2 bilhões, o pior semestre dos últimos oito anos, de acordo com dados da Sobeet (entidade que reúne empresas transnacionais).

Populares e controversas

O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, tomou algumas medidas bastante populares e controversas no seu mês e meio de mandato:

DEPOIS DE dez anos congelado, o salário-mínimo foi aumentado de 200 para 250 pesos.

A APOSENTADORIA mínima será elevada em 10%, medida que beneficia 1,5 milhão de argentinos.

O GOVERNO impôs limites à entrada de capital especulativo. O dinheiro tem que ficar no mínimo 180 dias no país.

KIRCHNER ESTÁ disposto a extraditar 46 militares argentinos nas próximas semanas para a Espanha, onde seriam julgados por crimes cometidos durante a ditadura (1976-1983).

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