Aperto monetário vai aumentar o juro

São Paulo

e Rio – Os juros vão ficar mais salgados e os prazos do crediário vão encolher para o menor patamar desde 2000, o que pode adiar ou impedir a realização do sonho de consumo de muitos brasileiros. Este é o resultado do aperto monetário imposto semana passada pelo governo, que vai enxugar R$ 8 bilhões do mercado com a alta na taxa básica de juros (de 25,5% para 26,5% ao ano) e o aumento no recolhimento compulsório sobre os depósitos nos bancos.

Quem depende de crédito terá de se adequar a empréstimos mais escassos. E a prazos menores. De acordo com a Partner, uma consultoria especializada em crédito no varejo, o número médio de prestações deve cair dos atuais 9,3 meses para 6,6 meses – o menor em três anos.

Estudo da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac) mostra que as taxas mensais ao consumidor vão subir até 2,91%. Os juros nas operações de CDC dos bancos, hoje de 4,8%, devem aumentar para 4,94%.

– Não dá para o governo manter essa situação por muito tempo. A economia ficaria sufocada – resume Álvaro Musa, sócio da Partner.

Depois do CDC, a operação mais afetada será a do empréstimo pessoal liberado pelos bancos. As taxas mensais vão subir 2,42%, passando de 5,77% para 5,91%. Já os juros no varejo devem crescer de 6,66% para 6,80%, numa elevação de 2,1%. Parecem números pequenos porque são valores mensais, mas no acumulado estes índices acabam superando 100% de juros.

O vice-presidente da entidade, Miguel de Oliveira, explica que o impacto vai variar conforme o tipo de financiamento. Os juros vão subir mais depressa nas linhas de crédito direto ao consumidor e de financiamento de veículos, em que as taxas nominais são menores. Já no cheque especial e no cartão de crédito, que embutem custos superiores a 10% ao mês, a gordura acumulada pode compensar um repasse gradual.

– No frigir dos ovos, ninguém escapará da nova mordida – diz ele.

Para minimizar o risco de calotes, os bancos devem restringir ainda mais a concessão de empréstimos. Há consenso entre os especialistas de que esse aperto, além de afetar as linhas de crédito destinadas a pessoa física, vai comprometer as operações com pequenas e médias empresas. Em tese, essas empresas devem ficar mais suscetíveis à retração da economia e ao aumento dos encargos com os juros, o que dobraria as dificuldades para manter seu capital de giro.

Depois de projetar um crescimento de 5% no saldo dos empréstimos este ano, a Partner reviu seus cálculos. A consultoria não descarta a possibilidade de o segmento de pessoas físicas repetir o desempenho negativo do ano passado. De acordo com dados do Banco Central, em 2002 o saldo de empréstimos para pessoas físicas foi de R$ 84,196 bilhões, com queda de 3,2% sobre o ano anterior.

– A diferença é que no ano passado o consumidor pôde contar com o pagamento da correção do FGTS, que injetou quase R$ 10 bilhões na economia e compensou a retração do crédito tradicional – afirma Musa.

O analista de sistemas Eduardo Cidade desistiu de comprar uma geladeira para a casa nova. Depois de pesquisar em diversas lojas de eletrodomésticos, verificou que é melhor esperar e juntar o dinheiro para pagar à vista do que optar pelo financiamento.

– As taxas de juros já estão altas e depois do aumento da Selic, certamente o peso no crediário será ainda maior. Não dá para fazer um financiamento levando em conta apenas se a prestação cabe no bolso. A geladeira que procurava custa cerca de R$ 890, mas se tivesse feito o financiamento sairia por R$ 1.140. Melhor então juntar dinheiro e comprar à vista – diz.

Críticas de todos os lados

A segunda alta consecutiva de juros em dois meses de governo Lula acirrou as críticas dos que vêem outras opções, além do já tradicional aperto monetário, para o combate à inflação. Os economistas são unânimes em apontar o aumento de preços nos últimos meses como uma ameaça à estabilidade. Mas enquanto muitos dizem que a alta de juros é um mal necessário, vozes dissidentes, cada vez mais numerosas, sugerem medidas que vão desde um maior controle sobre o fluxo de capitais até o freio na atividade econômica por meio de impostos, e não de juros.

O economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, vice-presidente financeiro do Nossa Caixa, apoiou a decisão do governo de aumentar de 45% para 60% o recolhimento compulsório sobre depósitos à vista, medida anunciada junto com a elevação da taxa básica de juros Selic para 26,5% na semana passada. No início do Plano Real, lembra, o compulsório era de 100% dos depósitos à vista. Mas critica a alta dos juros devido a seu peso sobre a dívida pública. Um ponto percentual a mais na Selic representa mais R$ 3 bilhões em dívida ao longo de 12 meses.

Toledo explica que o compulsório, por outro lado, diminui o custo da dívida. Os R$ 8 bilhões que serão recolhidos dos bancos deixarão de ser remunerados pelo Banco Central em suas operações diárias de retirada de recursos do mercado, aliviando o pagamento de juros sobre a dívida. Para conter a inflação, diz o economista, a solução é mesmo pôr um freio na economia. Mas ele acredita que a estratégia adequada não é o uso de instrumentos fiscais.

O contágio dos juros na economia é via crédito. É melhor aumentar o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) dos empréstimos do que subir os juros, que pesam na dívida pública – diz Toledo, acrescentando que um IOF maior aumentaria a arrecadação.

Paulo Nogueira Batista Júnior, pesquisador visitante do Instituto de Estudos Avançados da USP, acredita que só uma maior regulação sobre o fluxo de capitais do país pode evitar a volatilidade do dólar, que contamina a inflação.

– Há um excesso de continuísmo na política econômica. A impressão é de que o governo Lula está caindo no mesmo erro de abordagem do governo anterior – afirma.

Para o economista, o erro é acreditar que as reformas, da Previdência e tributária, vão criar condições para a queda dos juros no país. O problema a ser atacado, explica, é a vulnerabilidade externa do Brasil.

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