A Eletrobras conseguiu uma vitória administrativa em um processo que questionava o repasse de custos embutidos nas contas de luz aos consumidores de todo o País nos últimos anos. Em vez de devolver R$ 2,4 bilhões, a Eletrobras vai receber R$ 1,591 bilhão em recursos do fundo setorial Conta de Consumo de Combustíveis (CCC). Além disso, a Eletrobras terá direito a receber R$ 1,367 bilhão do Tesouro Nacional. Os valores dizem respeito a um processo da Amazonas Energia, privatizada no ano passado, e se referem a créditos decorrentes da Medida Provisória 855/2018, editada em novembro do ano passado para facilitar a venda dessa e de outras cinco distribuidoras da Eletrobras.

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As distribuidoras de Alagoas, Piauí, Amazonas, Acre, Roraima e Rondônia pertenciam aos governos estaduais e foram assumidas pela Eletrobras, uma estatal controlada pelo governo federal, entre 1998 e 2001, em um processo de renegociação de dívidas entre os Estados e a União.

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Desde que assumiu a gestão dessas distribuidoras, a Eletrobras acumulou um prejuízo de mais de R$ 20 bilhões. Em 2016, a Eletrobras decidiu não renovar as concessões das distribuidoras, mas aceitou permanecer à frente da gestão das companhias até que elas fossem privatizadas, o que ocorreu apenas dois anos depois, ao longo de 2018.

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Antes dessa decisão de privatização, fiscalizações realizadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) apontaram irregularidades nos gastos das distribuidoras com a compra de combustíveis para abastecer termelétricas da região e com o gás do gasoduto Coari-Urucu-Manaus, entre 2009 e 2016. Segundo a Aneel, a Amazonas Energia comprou mais combustível do que o recomendado para as usinas e pagou valores mais altos do que os praticados por postos do varejo. Além disso, a agência encontrou outras ineficiências e perdas com furtos de energia além dos níveis aceitáveis.

Nessa fiscalização, o órgão regulador mandou a Amazonas Energia devolver R$ 2,4 bilhões para o fundo setorial CCC, abastecido com recursos arrecadados na conta de luz de todos os consumidores do País. O tamanho da dívida contribuiu para que a Amazonas Energia tivesse um valor negativo e dificultava sua privatização.

Para ajudar no processo da venda e atrair investidores, o governo decidiu flexibilizar as normas para permitir o reembolso das despesas, uma parte por meio das tarifas e outra parte por meio do Tesouro Nacional. Nos dois casos, a holding Eletrobras aceitou “subir” essas dívidas, com a promessa de que elas seriam transformadas em créditos pelo governo. Uma parte dos deputados e senadores, no entanto, resistia a esse arranjo, para mantê-las estatais dentro da Eletrobras.

As tentativas do governo para resolver o imbróglio se deram por meio da Medida Provisória 814/2017 – que perdeu validade sem ser votada no Congresso – e por um projeto de lei enviado no ano passado – aprovado na Câmara e rejeitado pelo Senado. Por fim, em 14 de novembro do ano passado, o governo publicou uma nova Medida Provisória 855, para flexibilizar as perdas dessas distribuidoras e reconhecê-las nas tarifas, além de permitir um pagamento, pela União, de até R$ 3,5 bilhões para cobrir gastos dessas empresas, caso elas fossem efetivamente privatizadas. Se isso não ocorresse, as distribuidoras seriam liquidadas, e as dívidas teriam que ser assumidas pela Eletrobras.

Conforme as mudanças previstas na MP 855, a Eletrobras, em vez de devolver R$ 2,4 bilhões, terá direito a um crédito de R$ 1,591 bilhão do fundo setorial CCC. Esses recursos, que foram atualizados a valores de setembro de 2018, poderão ser devolvidos de forma parcelada, conforme a disponibilidade de recursos da CCC.

A Aneel decidiu, porém, que o reembolso só será feito após a conclusão dos processos de fiscalização semelhantes de outras distribuidoras que pertenciam à companhia – Ceron, Boa Vista Energia e Eletroacre. Segundo o relator, diretor Rodrigo Limp, isso pode alterar esse valor para mais ou para menos.

Além disso, a Aneel calculou que o Tesouro Nacional deverá repassar R$ 1,357 bilhão para a Eletrobras em razão de ineficiências da Amazonas Energia. Nesse caso, o valor é histórico e, atualizado pela Selic, chegaria a R$ 2,2 bilhões. O índice de correção, no entanto, será tema de discussão entre Eletrobras e o Ministério da Economia. Esse pagamento poderá ser feito até 2021 e também de forma parcelada.

Nos dois casos, mais importante do que o prazo de pagamento era o reconhecimento dos créditos pela Aneel. Agora, esses recursos podem se tornar ativos da Eletrobras, e não dívidas da companhia.

A MP 855 está em tramitação no Congresso, mas os atos editados durante sua vigência não perdem validade, mesmo que ela eventualmente não seja aprovada. A MP tem validade até 23 de abril.