Amorim prega paciência no conflito com Argentina

O mininistro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse ontem que “o impasse envolvendo as exportações de eletrodomésticos brasileiros para a Argentina serão resolvidos com paciência e inteligência”. Para o chanceler, a recente disputa é ?normal? entre dois países que têm um volume intenso de comércio bilateral.

Amorim citou como exemplo os EUA e o Canadá que freqüentemente estão na OMC (Organização Mundial do Comércio) para resolver algum tipo de problema comercial. “Isso é normal. Não existe problema entre o Camboja e o Equador, existe? Não, porque não tem relação comercial. Quando se tem uma relação intensa os problemas aparecerem.”

Para o ministro, um encontro entre o setor empresarial de ambos os lados já está marcado. Houve ainda reuniões entre ministros da área econômica de Brasil e Argentina, além das conversas entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner (Argentina) durante a reunião de cúpula do Mercosul, encerrada anteontem.

“Nós fomos ouvidos. Com paciência e inteligência, nós vamos resolver todos esses problemas. A disposição política é muito positiva?, afirmou o chanceler. ?Temos de entrar em entendimento e acho que chegaremos a um entendimento”.

O próprio presidente Lula tentou mostrar vontade política para solucionar amigavelmente o impasse durante os encontros que teve com Kirchner em Puerto Iguazú na quinta-feira. Mas a contrapartida argentina não está no mesmo patamar. Ao contrário de Lula, Kirchner disse que continuará protegendo a indústria argentina e não descartou a adoção das mesmas restrições para outros produtos, como os têxteis.

Segundo a Eletros (associação que reúne os fabricantes de eletrodomésticos brasileiros) os prejuízos seriam enormes e poderiam provocar a demissão de cerca de 1.000 trabalhadores. Amorim, no entanto, não acredita que as barreiras argentina chegem a provocar perdas para o Brasil.

“Acho que prejuízo não vai haver”, disse ontem ao hastear a bandeira do Mercosul na frente do Itamaraty. O Brasil assumiu a presidência do bloco comercial, na Argentina. O presidente Lula fica no cargo nos próximos seis meses. “Vamos chegar a um entendimento, não tenho dúvida.”

Competitividade

Amorim, no entanto, fez um crítica indireta ao principal parceiro brasileiro no bloco: “A gente não pode premiar a falta de competitividade”, disse. “O ministro (Roberto) Lavagna (Economia) é um homem imbuído do espírito do Mercosul e tem lá a clientela dele, como nós temos a nossa”, afirmou o chanceler.

Um dos principais problemas enfrentados pela indústria argentina é a falta de investimentos. Nos anos da crise econômica – entre 1999 e 2002 -, o empresários locais praticamente deixaram de investir. O auge da crise foi o ano de 2002, quando a economia retrocedeu quase 11% após a queda do presidente Fernando de la Rúa e da moratória da dívida com credores privados.

Até hoje, a Argentina enfrenta graves problemas para se financiar e, conseqüentemente, ampliar e modernizar o seu parque produtivo. Com a recuperação da economia no ano passado – que cresceu mais de 8% -, as indústrias locais passaram a operar no limite de sua capacidade instalada, sem infra-estrutura para atender a demanda interna, que também aumentou.

A saída foi importar o que faltava do Brasil, que ao contrário do país vizinho, teve retração na demanda interna. Em 2003, o PIB (Produto Interno Bruto, soma das riquezas produzidas pelo país) brasileiro recuou 0,2%. Houve ainda aumento na taxa de desemprego e queda na renda do trabalhador, que retraiu ainda mais o mercado doméstico.

Tribunal para julgar pendências

O Mercosul terá agora um tribunal que vai funcionar como última instância no julgamento das pendências comerciais entre os países membros do bloco (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) o Tribunal Permanente de Revisão. O órgão foi criado durante a 26.ª Reunião de Cúpula do Mercosul, encerrada quinta-feira, em Puerto Iguazú, na Argentina.

Até agora, quando os países membros divergiam sobre assuntos comerciais era acionado o Tribunal Arbitral para analisar o impasse. No entanto, quem estivesse insatisfeito com o resultado do julgamento tinha que apelar a outras instâncias internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). Com o Tribunal Permanente, os países não vão ter de procurar outros órgãos para apresentar seus recursos. O Tribunal ficará sediado em Assunção, no Paraguai, e deve começar a funcionar nos próximos meses, segundo o Ministério das Relações Exteriores.

Na reunião, o Brasil assumiu a presidência temporária (seis meses) do Mercosul, que estava nas mãos da Argentina. Os chefes de Estado do bloco se encontram novamente em dezembro deste ano em Ouro Preto, Minas Gerais. Na ocasião, o governo brasileiro vai transferir o comando do bloco para o Paraguai.

Metalúrgicos vão parar fábrica em SP

Os metalúrgicos de São Paulo vão fazer paralisações parciais na próxima segunda-feira em empresas que fabricam eletrodomésticos – BSH Continental, Multibrás e CCE.

O protesto será contra a ameaça de demissão provocada pelas restrições à importação de produtos brasileiros impostas pela Argentina e tem como objetivo pressionar o governo a encontrar uma saída para a questão.

Parte das empresas da Grande São Paulo tem fôlego de, no máximo, 90 dias para manter os empregos dos funcionários que trabalham em linhas de produção voltadas ao mercado externo, caso as restrições sejam mantidas. O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo (filiado à Força Sindical) teme a demissão de 300 a 500 trabalhadores de empresas da capital.

Na Multibrás – unidade da zona sul -, 100 dos 758 empregados da fábrica estão envolvidos na produção mensal de 15 mil fogões para exportação. “Se essa produção não for absorvida pelo mercado interno, serão demitidos”, disse Eleno José Bezerra, presidente do sindicato. A empresa não comenta oficialmente o assunto.

O prejuízo mensal na CCE é de R$ 5 milhões, segundo o sindicato. Na unidade da zona norte, cerca de 350 funcionários trabalham na produção de placas para televisores e na montagem de aparelhos. Na estimativa do sindicato, 20% da produção é exportada para a Argentina.

“Só na BSH Continental quase 100% das máquinas de lavar são exportadas para a Argentina. Como cerca de cem trabalhadores estão envolvidos nessa linha de produção, estão com os empregos ameaçados”, diz Bezerra.

Requião defende moeda única no Mercosul

O governador Roberto Requião defendeu a criação de uma moeda única do Mercosul como um dos instrumentos para encerrar o episódio da ameaça das barreiras comerciais ao Brasil por parte da Argentina. Durante entrevista ao programa “Jogo do Poder”, exibido na última quinta-feira à noite pela CNT, Requião disse que a Argentina também enfrenta barreiras em relação ao Brasil e a solução para o impasse, passa pelo entendimento entre os governos, “cujo interesse é muito maior que o interesse de grupos empresariais que apenas visam lucros”.

Requião analisou o recente episódio em que a Argentina ameaçou taxar a importação de produtos brasileiros. Ele não acredita que essa disputa possa gerar uma crise entre países e que “não tem cabimento um ambiente de tensão entre Brasil e Argentina”.

Para Requião, “o Mercosul deve ser encarado como um espaço de seriedade latino-americana”, lembrando que a Argentina também enfrenta barreiras do Brasil para colocação de seus produtos no mercado interno. Ele defendeu a abertura total das fronteiras entre os países do Mercosul, “até para liberar a Argentina da dependência dos Estados Unidos e, por conseqüência, da Alca (Acordo do Livre Comércio para as Américas).”

O governador disse que essa abertura total das fronteiras só vai acontecer quando o Mercosul tiver uma moeda única, situação que vai livrar definitivamente os países do continente latino-americano de quaisquer conflitos. “Acredito que o governo argentino está sendo pressionado por grupos econômicos que estão tendo prejuízo”, disse. “Eles precisam entender que o Brasil é amigo da Argentina e interessa a nós o desenvolvimento do país”, afirmou.

Ao responder perguntas sobre política externa, Requião defendeu o governo Lula em relação às negociações com a Alca. Segundo ele, o governo federal acertou em atrasar as negociações com o bloco das Américas. “O governo Lula apenas não cedeu à pressão do bloco, ao exigir que as negociações fossem colocadas com mais clareza.”

Requião defende que o Mercosul seja consolidado antes de o País participar dos grandes blocos internacionais de comércio. “Hoje, a Alca faria com o Brasil o que alguns setores da economia argentina imaginam que o Brasil está fazendo com ela. Ou seja, eles arrasaram literalmente, a economia brasileira”, comparou. (AEN)

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