Alca: um longo caminho a percorrer

As relações diplomáticas entre Brasil e EUA na negociação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) ganharam novos contornos nas últimas semanas, evidenciando as diferenças ideológicas, políticas, sociais e econômicas entre ambos. Mas baixada a poeira do “fracasso” da reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Cancún, atribuído à posição radical do Brasil, os dois países voltaram a se reunir na semana passada, em busca de uma reaproximação. Apesar das vantagens esperadas com a abertura do comércio continental, Brasil e EUA tem interesses divergentes que, até o momento, constituem o principal empecilho para o avanço no processo que, ao que tudo indica, parece não ter volta.

Em Washington, as autoridades envolvidas nas negociações estão com um discurso afinadíssimo, batem todos na mesma tecla: “Queremos uma Alca ambiciosa e abrangente”. Para o Brasil, um dos principais obstáculos à concretização do acordo reside nos subsídios agrícolas concedidos pelos EUA a seus agricultores. Com o agronegócio puxando o PIB, o Brasil entende que a eliminação desse mecanismo de proteção é fundamental para o sucesso do projeto de livre comércio. O governo dos EUA concorda, diz que está disposto a reduzir a ajuda aos agricultores, porém afirma categoricamente que só fará isso depois que a União Européia adotar a mesma postura.

“A Alca é um projeto de alta prioridade para os EUA e de grande importância para os governantes e povos da América Latina”, enfatizou Ross Wilson, negociador-chefe dos EUA na Alca, ao receber um grupo de jornalistas do PR e MT em seu gabinete na capital americana. Ele aponta duas razões para a relevância da negociação: a criação de novas oportunidades de mercado (“Achamos que o comércio ajuda aumentar a prosperidade, pois cria empregos onde não existem”) e a criação de um mercado integrado único na América Latina (“Todos os acordos comerciais concluídos na América Latina nos últimos 30 anos produziram algum tipo de benefício. Ao acordar a redução de tarifas, aumenta o volume de comércio entre os países”).

Wilson deixa claro a insatisfação do governo norte-americano com a posição adotada pelo governo brasileiro nas últimas conversas. “Em 94, 34 líderes de países democráticos da América Latina decidiram algo ambicioso, que é a criação de um único mercado integrado, para permitir que um empresário do Brasil saiba com precisão quais serão as regras de regulação do mercado que terá que enfrentar nos EUA, Guatemala e Canadá, por exemplo, da mesma forma que o empresário americano poderia planejar empreendimentos”, ilustra o negociador dos EUA.

Na reunião recente da comissão de negociação da Alca em Port of Spain, diz ele, “32 países muito claramente expressaram seu compromisso à visão da Alca que integre o mercado não só em relação à tarifas, mas em regras e disciplinas comuns. Disseram que querem negociar uma linguagem de acordo em onze áreas onde os líderes pudessem concordar. Dois países não compartilham essa visão: Brasil e Argentina”.

De acordo com Wilson, entre essas 32 nações houve pontos divergentes em Trinidad e Tobago, “mas todos deixaram claro que estão dispostos a mudar posições para chegar ao acordo negociado”. “O Brasil infelizmente não abordou a negociação da mesma maneira e não se encaixou na pauta”, avalia. Porém o representante americano nas negociações reconhece a necessidade de se trabalhar mais arduamente para encontrar formas de lidar com as economias menores.

Na área agrícola, Wilson destaca que os EUA estão preparados para negociar tarifas aduaneiras, dispositivos que possam eliminar o uso de subsídios nas exportações e salvaguardas para ajudar os países a lidarem com os preços baixos da produção, mas ele considera inadequado incluir apoios domésticos internos (como garantia de preços e programas de alimentação). “Tratar isso num contexto bilateral pode solapar os objetivos tanto dos EUA quanto do Brasil”. Para o governo americano, o padrão agrícola deve ser discutido na OMC. “A agricultura não entrou nos acordos com Chile e Nafta”, cita Wilson.

*No próximo domingo, reportagem sobre a agricultura nos EUA.

Acordo deve ser fechado em 2005

O negociador-chefe dos EUA na Alca, Ross Wilson, não acredita em adiamento do prazo de conclusão do acordo. “Trabalhamos com esse prazo e acredito que a política de Lula é concluir o acordo em 2005. Ele reiterou isso quando esteve aqui em julho. Existe muito trabalho a ser feito, mas esperamos que a reunião de Miami dê novo fôlego à consecução do acordo até janeiro de 2005”, pondera. O negociador salienta também a mudança da postura de Lula em relação à Alca: “na campanha para a Presidência, Lula falava da Alca como anexação da América Latina, agora não fala mais. Quando o presidente esteve aqui, falou sobre a Alca de uma maneira positiva”.

Wilson cita o México (após o Nafta) como exemplo da importância do acordo de livre comércio das Américas. “Acredito que milhões de empregos serão criados, não da noite para o dia, com as oportunidades de negócios e diminuição de barreiras na Alca”, fala. Para o consumidor, prossegue o negociador americano, “um dos benefícios auferidos por qualquer acordo comercial é o aumento de opções de compra, com preços mais baixos por causa da concorrência”.

Apesar de todos os desencontros, a expectativa é de que as relações entre Brasil e EUA tomem um novo caminho daqui para frente. Na última semana, os co-presidentes da Alca estiveram reunidos em Washington. Amanhã, eles voltam a se encontrar em Brasília, onde participam de uma conferência no Congresso. “Esperamos conseguir convencer o Brasil a negociar a mesma base que os outros países aceitaram. Os EUA e outros países da região estão empenhados na liberalização do comércio”, acentua Wilson. Para ele, a conclusão do acordo da Alca é possível, mas os EUA está preparado para buscar outra alternativa caso o cronograma da Alca não seja cumprido. “Somos a favor de um acordo abrangente, incluindo todas as áreas de forma ambiciosa. Isso faz bem para o desenvolvimento da América Latina”, reforça Wilson.

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