Acordo com a China é político, sem valor jurídico

Brasília (AE) – A polêmica decisão do Brasil de reconhecer a China como economia de mercado foi uma manifestação política sem valor jurídico, afirmou ontem o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. "O reconhecimento faz parte de um Memorando de Entendimentos, que é um documento político, não jurídico", disse o ministro, em depoimento às comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado. "Não quer dizer que não queiramos reconhecer (a China como economia de mercado), mas para isso é preciso que outros elementos do Memorando também sejam cumpridos", explicou o ministro.

Entre essas condições, estão a possibilidade de o Brasil vender carne para a China e vice-versa, apoio à associação da Embraer na China com a compra de, pelo menos, dez aeronaves por empresas chinesas neste ano e cooperação dos dois países na área de automação bancária, entre outros.

Ele reconheceu, por outro lado, que a decisão não é totalmente inofensiva para o Brasil. "O principal efeito é na imposição de direitos antidumping", reconheceu. "Eu não vou ignorar que haja necessidade de cuidados especiais, mas essa foi uma decisão de governo e se houver qualquer problema grave em algum setor, vamos proteger de uma maneira ou de outra."

Essa foi a primeira vez que uma autoridade do governo expôs com clareza o real alcance do acordo entre Brasil e China. Da forma como havia sido anunciado, no dia 12 passado, ele deu a impressão que o Brasil fazia uma concessão concreta – o reconhecimento da China como economia de mercado – em troca de promessas de importação de carne que poderiam ir por água abaixo diante do primeiro problema sanitário que surgisse.

Essa leitura chegou a ser feita por funcionários de alto escalão do governo e rendeu manifestações de preocupação por parte da indústria, especialmente da Federação da Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp). No entanto, pelo que disse o ministro Amorim, o dragão não era tão feito quanto se pintou.

O principal ponto de preocupação da Fiesp, a proteção contra o dumping chinês, continua sendo um ponto delicado segundo admitiu Amorim. Ele explicou aos deputados e senadores que hoje, para provar que um produto chinês se beneficia de dumping (fixação de preço artificialmente baixo, com o intuito de anular a concorrência), o Brasil usa como referência o preço desse mesmo produto num terceiro país. O simples reconhecimento político da China como economia de mercado torna esse processo mais complicado. É preciso considerar o preço no mercado chinês, o que tornará mais difícil caracterizar o dumping.

No entanto, disse Amorim, é preciso qualificar esse problema. A própria legislação internacional sobre dumping prevê que, havendo distorções no mercado, é possível "construir" um preço mais próximo do real. Amorim disse ainda que existem mecanismos de salvaguardas econômicas capazes de barrar eventuais "inundações" de produtos chineses no Brasil.

"Quando se diz que o Brasil perdeu a possibilidade de ter defesa comercial, isso não é absolutamente verdade", insistiu o ministro. "Temos o compromisso político, que pretendemos honrar dentro do quadro do nosso memorando." Segundo Amorim, os negociadores brasileiros ficaram reunidos com os chineses até duas e meia da manhã do dia 12 de novembro, quando foi assinado o memorando, apenas para garantir que fosse escrito no preâmbulo do documento, que o acordo seria implementado "de maneira equilibrada."

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