É este o bode

De repente, o País parou de discutir coisas importantes. Não discute a segurança ou a falta dela. Não discute a situação das escolas, nem das estradas, nem da saúde pública, nem dos que moram debaixo da ponte, nem a fome. Deixou-se de discutir também grandes invasões de terras, que transformam em pó de traque o direito à propriedade. Esqueceu-se de falar sobre crescimento, desenvolvimento, promoção do bem-estar – obrigação do Estado. Relegou-se às calendas gregas o calendário de reformas, faltando ainda a do Trabalho, a Política, a Fiscal, que ficou no meio da estrada, a do Judiciário e por aí à frente. O País deixou também de discutir o que já vinha sendo discutido com alguma dificuldade: as evasões de divisas, a corrupção e a mistura das instituições com partidos políticos. O crime organizado. De repente, o País passou a discutir os meios que estavam sendo utilizados para discutir aquelas questões.

De norte a sul, fala-se apenas na necessidade de instalar o conselho – mais um! – nacional ou federal de jornalismo. Coisa antiga, que vem de mais de cinqüenta anos, matéria requentada inclusive nos encontros promovidos cá e lá pela categoria. Os que ontem eram contra, hoje são a favor. O governo inclusive, já que viu existirem mais jornalistas atuando em suas assessorias que nas redações de jornais e veículos de comunicação. Aproveitando a onda do pedágio para ir e vir, querem pedagiar também o fazer e o como fazer, do jeito que já existe em outras áreas. Não seria de recomendar que o governo apelasse para o manual interno em lugar de derramar sua vontade regulatória pelo resto da sociedade?

Lembrou muito bem dia desses um diretor de redação: o debate – se fosse para fazê-lo – deveria ser precedido de outro: sobre a necessidade de se distinguir as funções de jornalista das de assessor de imprensa. De fato, estão confundindo alhos com bugalhos. Aquele preocupa-se, como quer o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken, com as boas notícias de pessoas e corporações. Estes, não têm escolha. Devem se preocupar apenas com as notícias. Mesmo aquelas que dão motivos a um presidente da República de tentar expulsar um jornalista estrangeiro somente porque ele se esforçou na análise comportamental não muito ortodoxa de um chefe de governo…

Os que defendem, no atropelo, a instituição do tal conselho se esquecem, por exemplo, de apagar de nossa memória (e uso) a Lei de Imprensa, de número 5.250, outorga da falecida ditadura. Ela está aí, inteirinha e só não é mais usada porque o Judiciário prefere outros estatutos legais, como o Código Penal e o Código Civil, que também se ocupam da matéria. “Eu não li o projeto. Portanto, não posso dizer se sou contra. Mas o que está escrito na Constituição é o que vale, o que se impõe” – sentenciou o presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, para quem, como Thomas Jefferson, prefere um governo cuja imprensa censure, critique, ataque a um governo sem nenhuma imprensa.

Cinicamente, o governo que apresentou o projeto diz que o faz atendendo a pedido dos próprios (alguns) jornalistas. Confunde as coisas, logo agora que os demais conselhos perderam força e status, e só não foram completamente desmantelados devido a pressões corporativistas. Alguns deles, como o de arquitetura, perderam até ação na Justiça por iniciativa dos próprios arquitetos que, através de sindicatos da classe, se rebelaram contra o altíssimo pedágio cobrado para dar a licença anual ao exercício do ofício. Arquiteto inadimplente, desempregado e cassado…

Há, sim, como já se disse alhures, uma recaída obscurantista no seio de um governo que tem fachada democrática. Controlar a informação é tarefa que sempre seduziu déspotas e ditadores. A “onda denuncista” estava andando longe demais. Flagrou pessoas importantes na fila dos sonegadores, como os presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil. Outros poderiam vir depois na também abafada (curioso, não é?) CPI do Banestado. No mínimo, parodiando outra vez aquela história atribuída a Stálin, é este o bode na sala. Tirem o bode e verão o que fica!

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