E daí, como fica?

Ainda às voltas com o processo de expulsão do partido, a senadora Heloísa Helena entende que o governo de Lula está sofrendo “mutação genética”. Ela alude, assim, a uma série de fatos que tornam o PT irreconhecível, a partir da permissão de plantio da soja transgênica, passando pelo “balcão de negócios” instalado no Congresso para a mais numerosa revoada de políticos para ninhos próximos ao governo e – para encurtar a conversa – terminando nesse sofrimento insuportável de ver o governo “acariciar delinqüentes políticos” antes combatidos por ela e pela cúpula palaciana de hoje.

A senadora espera que Duda, o marqueteiro do Planalto, não seja “a nossa Monsanto” e “não faça uma transgenia em nossa estrela”. Explica-se: Monsanto é o nome da multinacional que detém domínio sobre sementes de soja transgênica; a estrela ameaçada é o símbolo do partido do presidente da República.

Perdoe-nos a senadora, mas a transgenia – não resta a menor dúvida – já está consagrada. É só analisar o caso que envolve a ministra Benedita da Silva, da Assistência e Promoção Social, flagrada recentemente viajando para Buenos Aires para rezar em hotel de luxo às expensas do erário público. Já comentamos o assunto aqui e ele estaria para nós encerrado, não fosse um pequeno equívoco cometido, nada menos, pelo “companheiro” (o termo aqui é usado apenas como referência ao tratamento que os integrantes do PT se dispensam), presidente da República. Disse Lula, ao absolver a ministra, que ninguém iria demitir ministro baseado em notícias de jornais… e que ele estava convencido, pelas explicações fornecidas pela própria Benedita, que ela agiu corretamente, tendo incorrido (não ela, mas não se sabe quem) apenas em “erro administrativo”.

Mal o presidente terminava de falar, e quatro procuradores da República no Distrito Federal anunciavam a abertura de procedimento administrativo para investigar a viagem de Benedita a Buenos Aires. O Ministério Público Federal quer saber se a ministra fez, como parece, uma viagem de caráter particular paga com dinheiro público. Se isso ficar comprovado, a falta pode ter “conseqüências drásticas”, segundo avaliam os procuradores, chegando à suspensão dos direitos políticos. Por ter foro privilegiado, a ministra será julgada pelo Supremo Tribunal Federal.

O que se busca agora não é apenas o ressarcimento do dinheiro do contribuinte, sugerido inicialmente até pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu (que, na seqüência, acabou sendo desautorizado). Mais grave é a mentira. Quem é pilhado mentindo não tem condições de continuar no governo. Mesmo por coisa pequena, como alguém poderia alegar em defesa da ministra Benedita.

O que se estranha no caso é a defesa prévia de uma colaboradora sua por parte do presidente Lula. Ele disse que ninguém demitiria ministro baseado em notícias de jornais, deixando subjacente a sugestão de que o que diz a imprensa carece de responsabilidade, não é sério ou beira à fofoca. Mas poderia muito bem ter esperado primeiro para conceder à “companheira” a indulgência final. Em que situação ficará o próprio Lula caso o Ministério Público conclua pela apuração de que houve, de fato, abuso por parte da ministra que, além de tudo, mentiu à nação, fez-se passar por vítima de preconceitos e – para cumular – induziu o presidente a erro?

Quem tem pressa come cru, dizia o próprio presidente Lula nos primeiros meses de seu governo. Nós preferimos aguardar o resultado das investigações, que queremos sejam fundas e cabais.

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