Dois dígitos

 Não há por que o mercado duvidar de Lula, diz o presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas o mercado duvida. E duvida tanto que faz o risco-Brasil subir, o real despencar, a inflação se agravar. Esta é uma verdade e não há por que sobre ela tergiversar. Dizem que este último surto altista do dólar e seus desdobramentos aconteceram por causa da demora na divulgação dos nomes do ministério do novo governo. Pode ser. Mas antes era por causa da incerteza nos resultados da eleição ou devido ao silêncio do presidente eleito sobre alguns temas. Amanhã será pela já alegada pouca autonomia do Banco Central. E depois de amanhã será por quais motivos?

A verdade é que, com a inflação na casa dos 10,22%, já rompemos a barreira dos dois dígitos ? fato que nos remete aos melhores tempos de Delfim Neto, quando ele era um poderoso ministro de governos militares sobre os quais ninguém ousava duvidar. Mas esse recomeço da inflação galopante é mais trágico: não há evidências de controle, nem de ânimo político para o ato de controlar. E ? pior de tudo – a remarcação dos preços é capitaneada por itens cuja decisão está, teoricamente, nas mãos do governo: tarifas, serviços, impostos e… remédios.

No corre-corre causado pelo desarranjo interno de uma economia cheia de dúvidas e perguntas, o presidente FHC, já em ritmo de despedida, busca motivos externos. É mais fácil. É preciso ? diz ele ? reformular organismos financeiros internacionais como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Fundo Monetário Internacional. Eles ainda operam, segundo observação sua, nos moldes de 1946. Por isso não encontram respostas para os desafios do mundo moderno. Nem conseguem colocar breque à rapidez com que a especulação financeira internacional circula entre povos e países. Governos soberanos, de nações também soberanas, são, assim, governados. Tenham credibilidade ou não.

Quando candidato, Lula da Silva dizia que era preciso falar menos em finanças e mercados e mais em obras sociais e fontes de emprego. Em lugar da especulação, no café da manhã de cada brasileiro deveria entrar o tema produção. Agora que está chegando perto do comando supremo da nação, tem como dilema principal o comando do Banco Central. Verá, mais adiante, que ali reside a espinha dorsal do comando, também em seu governo. Não foi por outro motivo que o “companheiro” presidente George Bush demitiu da Casa Branca, sem prévio aviso, o secretário do Tesouro americano, Paul O?Neill ? já uma vez desafeto do Brasil por meter-se em assuntos que pensávamos fossem de nossa exclusiva economia. O eleito Lula, não o único, mas também responsável pela alta do dólar nesses últimos meses, terá que encontrar uma saída. E não será distribuindo autógrafos que haverá de acalmar os mercados pelos quais nunca nutriu muita simpatia.

Em matéria de inflação, a experiência passada nos diz que entre dez e vinte há menor distância que entre cinco e dez. De vinte a quarenta, idem. E essa falta de lógica matemática não é apenas uma questão de acreditar ou não acreditar no presidente. Fernando Collor, cheio de razão, pegou o bonde andando com mais de oitenta por cento de inflação ao mês (é preciso pensar no fantasma para exorcizar sua imagem). Por isso, aconselha-se Lula a agir com decisão e urgência. Não há programa de combate à fome melhor que manter a inflação sob controle. É esta a prioridade.

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