Discriminação e segregação

O desconhecimento da saga e luta dos negros na conquista pela liberdade, que em nenhum momento histórico foi uma dádiva dos opressores, tem levado alguns analistas políticos, intelectuais e, mesmo, negros cooptados à ideologia do branqueamento a equivocadas posições em relação às medidas compensatórias, às políticas afirmativas no que tange à inserção da população negra na universidade e no mercado de trabalho.

No artigo “Segregação racial em cotas”, publicado em O Estado do Paraná em 11/7/2002, o autor diz que “a criação de cotas(…) supera em muito tudo aquilo que já ocorreu de ruim para os negros neste País”. Não entendo, como um cidadão com as qualificações do autor possa colocar no patamar do pelourinho, do garrote, da chibata, da marcação a ferro quente e outras torturas praticadas contra os escravos, a política de cotas, isto é, a oportunidade dos afrodescendentes ingressarem na universidade pública e gratuita.

A grande aberração nessa história foram as cotas de sacrifícios, de perseguições contra a população negra do País – e que ainda continua – e o tratamento de cotas, aos imigrantes que aqui chegaram, tais como ofertas de terras de ótima qualidade, custeios de lavoura e fornecimentos de objetos e utensílios de trabalho.

Os negros desde que pisaram no solo brasileiro, em 1513, data da chegada dos primeiros africanos, têm lutado por seus direito de cidadão, só os negros desinformados é que desconhecem essa luta. Naturalmente, que aqueles negros e negras que conseguiram liberdade antecipada tiveram que lutar diuturnamente e brigar,com todas as suas armas, para assegurar os direitos que iam adquirindo no dia a dia… Em quase quatro séculos lutando contra a escravidão, os negros brasileiros deram seu suor, inteligência e sangue para demonstrar que não estavam brincando de conquistar cidadania, respeito e dignidade.

Foram diversos os levantes e insurreições; foram incontáveis as batalhas, para construção de suas liberdades. De 1513 até hoje os negros não pararam de se organizar, de lutar. Desconhecer essa história é não ser negro ou, no mínimo, um negro Pai Tomás, cordato e genuflexo.

Todas as etnias, sem exceção, que chegaram ao território brasileiro tiveram medidas protecionistas, além de, até hoje, receberem recursos financeiros de seus países de origem para alavancar investimentos no Brasil. Exemplifico na década de 70 uma fundação alemã, Brot en Welt ,fazia polpudas doações às casas de estudantes evangélicos para manutenção e aquisição de imóveis, enquanto que os estudantes brasileiros enfrentavam – e ainda enfrentam- toda a sorte(?) de dificuldades para encontrar um lugar onde morar.

As desculpas esfarrapadas da inconstitucionalidade na implantação das cotas, bem como a citação do Artigo 5º da Constituição é a prova cabal do desconhecimento da nossa Carta Magna e interpretação elitista, segregacionista e preconceituosa dos preceitos constitucionais que defendem e legitimam tais medidas.

Pois bem: que ninguém invente de pensar ou de entender que a comunidade negra no País está pedindo favores ou concessão (arreglo) para continuar implantando as suas ações afirmativas, buscando seus espaço vitais de cidadania… Se a política de cotas está aí, em discussão, naturalmente é pelo fato de já estarmos lidando com ela desde os primórdios da chegada dos nossos antepassados neste país tropical. Muita pestana a gente queimou, para se chegar até aqui.

É lamentável que o articulista não tenha, ainda, denunciado o ingresso dos filhos das elites, através dos cursinhos que viabilizam, na prática, vagas cativas que representam um verdadeiro mercado de cotas na universidade pública e gratuita. A política de cotas já é (não vai ser) uma realidade nas nossas vidas! Poderá, inclusive, nos colocar em xeque em qualquer momento desses. Já que é assim: melhor parar de se comportar como se ela ainda estivesse lá nos EUA, indo aparecer por aqui, só daqui a uns vinte anos!

Valdir Izidoro Silveira

é presidente do Instituto Afro-Brasileiro do Paraná, engenheiro agrônomo com mais de 300 projetos implantados nos setores da agropecuária e agroindústria em vários Estados brasileiros, especialista em planejamento e desenvolvimento regional – Ilpes -Cepal/ONU, em Biologia do Solo e mestrando em Tecnologia de Alimentos. E-mail:
vis@netpar.com.br

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