Direito Tributário e Esporte: Breves comentários sobre a Lei 10.451/2002 (II-III)

Grosso modo, o Imposto de Importação (II), previsto nos artigos 153, I da Constituição Federal e 19 do Código Tributário Nacional, é regulado pelo Decreto-Lei n.$ 37 de 1.966, e sua hipótese de incidência consuma-se com a entrada de produto estrangeiro no território nacional.

Por sua vez, o Imposto sobre Produtos Industrializados, previsto pela Carta Magna no artigo 153, IV e pelo diploma tributário no artigo 46, é regulado pela Lei n.º 4.502/64 e regulamentado pelo Decreto 2.637/1998, sendo que sua hipótese de incidência consuma-se, na importação de produtos estrangeiros, com o desembaraço aduaneiro desses produtos (inciso I) e/ou na saída de produto industrializado do estabelecimento industrial, ou equiparado a industrial (inciso II). As alíquotas aplicáveis aos produtos estão relacionadas na Tabela de Incidência do Imposto sobre Produtos Industrializados – TIPI em vigor, aprovada pelo Decreto 4.070/2001, de acordo com suas respectivas especificações.

Superadas estas considerações e demonstrada a relação inequívoca entre o direito e o desporto, passamos a comentar alguns artigos da Lei 10.451/2002 que se aplicam ao tema.

Art. 8.º É concedida isenção do Imposto de Importação (II) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) incidentes na importação de equipamentos e materiais destinados, exclusivamente, ao treinamento de atletas e às competições desportivas relacionados com a preparação das equipes brasileiras para jogos olímpicos, paraolímpicos e parapanamericanos.

§ 1.º A isenção aplica-se a equipamento ou material sem similar nacional, assim considerado aquele homologado para as competições a que se refere o caput pela entidade federativa internacional da respectiva modalidade esportiva.

Art. 9.º São beneficiários da isenção de que trata o art. 8.º os órgãos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e suas respectivas autarquias e fundações, os atletas das modalidades olímpicas e paraolímpicas, o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e o Comitê Paraolímpico Brasileiro (CPB), bem como as entidades nacionais de administração do desporto que lhes sejam filiadas ou vinculadas.

De início, já se percebem restrições à percepção dos benefícios.

A primeira delas diz respeito à limitação do incentivo para as importações de equipamentos e materiais destinados ao treinamento de atletas e às competições desportivas relacionados com a preparação das equipes brasileiras para jogos olímpicos, paraolímpicos e panamericanos.

A segunda restrição imposta pela Lei é a de que o benefício somente poderá ser concedido ao equipamento que não tiver qualquer similar nacional e que seja aprovado para as competições pela entidade de administração da modalidade.

No entanto, se esquece o legislador de que o desporto nacional não se movimenta somente em função da preparação de atletas para competições internacionais. Aliás, muito pelo contrário. Com raras exceções, a grande maioria das modalidades não possuem competições internacionais, limitando-se à prática no âmbito nacional.

Em respeito ao princípio constitucional da isonomia e como forma de desenvolver o desporto nacional de modo uniforme, nos parece que o ideal seria estender o incentivo a todas as modalidades, sem exceção, priorizando o repasse a clubes formadores de atletas (nos termos do art. 29, § 2.º da Lei 9.615/98). Ademais, poderia ser estendido a modalidades menos prestigiadas, assim entendidas aquelas que não fazem parte do rol de esportes olímpicos (como o futsal, por exemplo).

No artigo 9.º reside, a meu ver, a maior impropriedade desta lei. O referido dispositivo prestigia tão somente entidades estatais, jamais mencionando a iniciativa privada. Ora, se é notório que o maior aporte de investimentos no desporto vêm de investidores privados, qual a vantagem de se conceder um benefício aos órgãos públicos? Nos parece que, mascaradamente, a lei apresenta certo caráter oportunista.

Para que se tenha uma idéia do desvio de finalidade da lei, observemos o que dispõe o artigo 56, VI da Lei 9.615/98, cuja redação foi dada pela retro mencionada Lei 10.264/2001:

Art. 56. (…)

VI – dois por cento da arrecadação bruta dos concursos de prognósticos e loterias federais e similares cuja realização estiver sujeita a autorização federal, deduzindo-se este valor do montante destinado aos prêmios.

§ 1.º Do total de recursos financeiros resultantes do percentual de que trata o inciso vi do caput, 85% (oitenta e cinco por cento) serão destinados ao Comitê Olímpico Brasileiro e 15% ao Comitê Paraolímpico Brasileiro, devendo ser observado, em ambos os casos, o conjunto de normas aplicáveis à celebração de convênios pela União.

Pela análise do dispositivo legal acima transcrito, percebemos uma incoerência. Os Comitês Olímpico e Paraolímpico Brasileiros – beneficiários da isenção tributária – já reúnem receitas suficientes para o custeio de seus gastos. Indubitável que o percentual a eles conferido (2% do total da renda de todos os concursos de prognósticos) re-presenta vultosa soma em dinheiro. Desta forma, não haveria motivo para a concessão de novo benefício, desta vez de forma direta. A real intenção do legislador deveria ser no sentido de estender a possibilidade de arrecadação – ou, no caso, diminuição de gastos pela isenção tributária – a outros órgãos e modalidades.

Luiz Antônio Grisard

é advogado, aluno dos cursos de Especialização em Administração Esportiva pela Universidade do Esporte e Direito do Trabalho pelas Faculdades Integradas Curitiba, procurador do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paranaense de Futebol, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paranaense de Futsal e membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD).

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