Direito da personalidade (final)

Não é diferente nos Estados, Unidos onde se fala em direito à privacidade, o direito de estar só. Na França, o direito à vida privada, o direito à intimidade, o direito secreto da vida. Na Itália, o direito à reserva e o direito à vida privada. Na Espanha, direito à intimidade e o direito à esfera secreta. Na Alemanha, o direito à esfera da própria pessoa. São situações que estão presentes em todos os códigos em todo o mundo e que objetiva, sem dúvida alguma, preservar o que nós temos da mais sagrado e mais secreto, que é a nossa vida privada. Evidentemente são ilícitas e abrem espaço para ações indenizatórias de foro patrimonial e extra patrimonial, até mesmo o nosso sossego, se a nossa intimidade é perturbada pelo vizinho. Cabe não só uma ação penal, tanto quanto uma ação de indenização o artigo 554 do Código Civil estabelece que se pode utilizar a propriedade como bem aprouver o proprietário desde que não afete a segurança, a saúde e o sossego do vizinho. A lei sobre condomínios, que estabelece as obrigações dos condôminos nas relações condominiais. Já existem vários institutos que prescrevem o direito a essa privacidade e essa reserva de lida que todos nós temos e devemos ter. Na verdade a Constituição pretende isolar o indivíduo. Recebemos mensagens indevidas em nosso computador, quando os hackers invadem os nossos computadores inserindo vírus ou então mensagens indiscretas não desejadas, quando temos filmagens invasivas, quando ocorrem escutas indevidas, aquelas provas que hoje o Supremo já estabeleceu como provas ilícitas … aquelas que estão … através de procedimentos inadequados, não compatíveis com a realidade jurídica porque isso afeta sobretudo essa invasão que é uma defesa constitucional que nós todos observamos. Agora fica uma indagação! Por quê o legislador não disse nada a respeito, o que responder, qual será a nossa posição se porventura, como aconteceu há um tempo atrás, um determinado repórter perguntou ao presidente da República. “O senhor fuma maconha?”, ou então perguntaram ao primeiro ministro “o senhor é homossexual?”. São situações que implicam a invasão à privacidade. Há pouco tempo o governo israelense concedeu uma pensão alimentícia a um diplomata israelense que era casado com outro homem. Havia uma união estável homossexual e o companheiro comprovou que vivia numa relação estável, de convivência e companheirismo e concedeu pensão alimentícia. O Ministério das Relações Exteriores foi interpelado e o ministro falou que o governo israelense não tem nada a ver com a vida privada dos seus diplomatas, isso é uma coisa pessoal dele. Houve a demonstração de uma relação de convivência, está comprovada, há direito, a legislação israelense reconhece, como a nossa também, muito embora a nossa legislação fala em união estável entre homem e mulher, por sua vez as leis sobre união estável também fazem referência a união entre homem e mulher, o que vale dizer que o Brasil não consagrou a união estável de homossexuais, é uma questão de alta indagação que fica realmente em aberto no Código Civil de 2002. De qualquer maneira são situações que ocorrem no cotidiano em nossa vida, mas que agora vão ter uma tutela ampla e irrestrita como estamos observando através desta disposição. E finalmente as indenizações que advirão desses fatos, não tenho dúvida alguma, são indenizações de perdas e danos … por danos morais, nós sabemos que a súmula 37 do STJ permite a cumulação de danos morais por danos materiais, são dois danos separados que não se interligam e não guardam conexão, dano moral é uma coisa e dano material é outra totalmente diferente, mas que certamente serão objetos de indenizações.

A questão da privacidade dos homens públicos, como proclamado no artigo 79 do código Civil português não foi abordado no nosso Código e o poeta Fernando Pessoa falou o seguinte, a esse propósito: “Às vezes, quando penso nos homens sérios, sinto por eles toda tristeza da celebridade. O homem que se torna célebre fica sem vida íntima, tornam-se de vidro as paredes de sua vida doméstica. É sempre como se fosse excessivo o seu traje e aquelas suas mínimas ações, ridiculamente humanas às vezes, com cuja a evidência a sua alma se estraga ou se enfastia. É preciso ser muito grosseiro para se ser célebre à vontade. Essa proclamação do grande poeta Fernando Pessoa nos traz a evidência de que o homem célebre tem suas paredes de vidro, ele não pode reclamar das exposições feitas pela imprensa cotidiana, mas nós podemos porque não somos homens públicos, não nos expomos continuamente e mesmo ele pode exigir que a sua identidade, que o seu nome, que a sua pessoa seja resguardada pela colocação de fatores que possam denegri-lo e depreciá-lo.

Eu concluo dizendo que toda conquista existencial, humana, tem por finalidade a conquista da individualização. Que ainda, do ponto de vista filosófico, pode ser considerada como processo através de cujo princípio pode se diferenciar o indivíduo universal, conseguindo esse uma identidade própria graças a essa conquista, é possível separar a personalidade individual da coletiva, ao tempo em que se adquire consciência da responsabilidade social e humana pelo coletivo.

Clayton Reis

é magistrado e professor da Faculdade de Direito de Curitiba e da Universidade Estadual de Maringá.

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