Desvios

Com o intuito de evitar o acúmulo de processos judiciais, por sugestões de juristas e magistrados, o legislador tem inserido alguns dispositivos no Código e Processo Civil e em outras normas, determinado que, antes do procedimento contencioso ou em qualquer fase deste, seja tentada a conciliação entre as partes.

Os resultados não têm sido satisfatórios na área cível, porque se tem atribuído ao juiz uma tarefa que é incompatível com a sua missão.

Com a mesma intenção o legislador regulamentou a mediação nas negociações de natureza trabalhista – Decreto n.º 1.572, de 28 de julho de 1995 – e autorizou a criação de Comissões de Conciliação Prévia para tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho – Lei n.º 9.959, de 12 de janeiro de 2000.

Era de se recear que as Comissões de Conciliação Prévia não correspondessem ao desejo do legislador por culpa da própria lei. O órgão não é apropriado à função. A conciliação que se pretende não é objetivo para comissões. A conciliação é ato das partes. Estas é que por sua vontade devem decidir em que termos se podem conciliar. Para poderem chegar até aí devem ser conduzidas a um diálogo esclarecedor e, com fundamento em seus reais direitos e interesses, fazerem a composição conveniente para ambas as partes.

Esse trabalho de facilitação do diálogo esclarecedor e da percepção de uma alternativa aceitável de solução não pode ser feita por comissões. Isso é tarefa para um mediador singular da confiança das partes. Este, sistematicamente formado e treinado, sabe desempenhar seu papel sob os princípios da imparcialidade e discrição. E por uma remuneração de custo/hora no valor de cem reais, repartido pelas partes e não por um percentual de 10% sobre o valor afinal acordado, como se está fazendo.

As partes podem ser assistidas, opcionalmente, por seus advogados, que, embora não participem diretamente da negociação, têm a função importante de responderem, particularmente, as dúvidas de seus clientes e redigirem, conjuntamente, o acordo a que as partes chegarem. Serão inclusive testemunhas da imparcialidade do mediador.

A lei está errada. É preciso substituí-la. Ela ensejou os desvios de sua aplicação e que estão vindo a público. E não adianta querer regulamentá-la. Há um defeito de matriz que nenhum regulamento pode consertar.

Deu-se um bom passo, substituindo-se as Juntas de Conciliação e Julgamento na Justiça do Trabalho pelas Varas – Emenda Constitucional n.º 24 – ainda que tarde, mas explicável por condições sociológicas, mas caiu-se no erro de se autorizar a criação das Comissões de Conciliação Prévia.

Para aumentar o desvio do objetivo das comissões, algumas iniciativas particulares forjaram uns “tribunais de arbitragem” e deles fazem publicidade pelos jornais propondo resolver os conflitos que, inicialmente, caberia às comissões. Por isso mesmo, para desfazer o engodo, os desembargadores, reunidos em Curitiba, resolveram tornar pública a definição de tribunal arbitral conforme a lei n.º 9.307, de 23 de setembro de 1996.

O projeto de lei n.º 3.384/00, em curso na Câmara dos Deputados, por iniciativa do Superior Tribunal do Trabalho, está propondo a criação de novas 269 Varas do Trabalho, que se somariam às 1.109 existentes. É uma proposta para minorar o excesso de processos nas Varas atuais, porque, pelo volume crescente de processos a cada ano, a solicitação feita já se torna insuficiente para soluções menos demoradas. No ano de 2000 as Varas do Trabalho receberam 2.272.760 processos. É por isso que as formas alternativas de resolução dos conflitos são necessárias. Mas não na forma das Comissões de Conciliação Prévia.

J. Ribamar G. Ferreira

é advogado e professor aposentado da UFPR.

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