Desilusão antes da posse

No clima de euforia que envolve o anúncio dos nomes que comporão o ministério do novo governo, uma nota triste: a aprovação, pela Câmara dos Deputados, da Medida Provisória número 66, que indevidamente foi batizada de minirreforma tributária. Com as emendas e retoques que recebeu, a MP é um descarado aumento na carga tributária às vésperas da instalação de um governo que se elegeu combatendo o excesso de tributação sobre o lombo do brasileiro.

Entre outras coisas, a MP aprovada prorroga por mais um ano a alíquota máxima de 27,5% do Imposto de Renda. Essa alíquota deveria baixar para 25% a partir de primeiro de janeiro. O plenário da Câmara aprovou também a prorrogação da alíquota de 9% da Contribuição Social sobre Lucro Líquido. Essas duas alíquotas, juntas, garantirão recursos extras da ordem de R$ 2,6 bilhões para a União e R$ 900 milhões para os estados no ano que vem. Com o fim da cumulatividade, a alíquota do PIS/Pasep subiu de 0,65% para 1,65%, favorecendo exportações, sim, mas penalizando alguns setores onde o chamado efeito cascata pouco peso tinha.

No comando da nova ordem tributária, naturalmente, está o partido do novo governo, até pouco tempo ferrenho opositor de aumentos, excetuando-se os de salários. O próprio Lula, em agosto de 1999, dizia que todo brasileiro devia ter vergonha na cara e lutar contra a sanha tributária do governo… Referia-se especificamente à mordida cada vez maior do leão da Receita Federal. Nos debates parlamentares de agora, líderes do PT justificam a mudança de posição afirmando que a prorrogação das alíquotas é necessária “para garantir a viabilidade de transição” a uma nova política econômica. Cinismo puro. Qual é exatamente a nova política, ninguém sabe.

O PT das esperanças, mais cedo do que se podia supor, está fazendo o discurso que antes contestava observam alguns políticos cuja memória não foi obnubilada pelas novas sereias do poder. E além de concordar com a alta das contribuições, ao que consta está também concordando com a alta da gastança fato que também entristece a todos. A sinalização de abertura dada para esse socorro aos caixas de governos estaduais, capitaneados por Minas Gerais, é outra afronta a contribuintes exauridos. Vejamos no que vai dar essa violação sem precedentes ao princípio da responsabilidade fiscal.

Em Nova York, o futuro ministro da Fazenda, Antônio Palocci, disse que o programa de governo de Lula é bom, pois tem começo, meio e fim. Se o começo é esse (e isso faz parte do começo), poderá ir bem o governo sob o comando de tanta gente ilustre amealhada à luz da estrela, mas não se pode dizer o mesmo dos cidadãos chamados, sempre, a pagar as contas. O que se esperava, seguindo a promessa, era o início imediato de uma reforma tributária, não a seqüência do ritual até aqui seguido, segundo o qual a cada dificuldade criada (pelo governo ou pelos mercados cada dia mais voláteis) correspondeu novo golpe no bolso dos contribuintes.

O chamado “fator Everardo” consegue recordes sobre recordes de arrecadação em tempo de vacas magras. Estão aí os números de novembro a dizer que nunca pagamos tanto. O normal seria esse aumento ser decorrente do crescimento econômico, não da carga tributária que mata a galinha dos ovos de ouro e aniquila o sonho de crescer. A fórmula encontrada no Congresso para reforçar ainda mais o caixa da era Lula pode funcionar, mas não há dúvidas que constituiu a primeira grande desilusão, ainda antes da posse.

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