Desculpa esfarrapada

A sangria do sistema previdenciário brasileiro é coisa antiga. Estamos carecas de saber. Nem por isso os sucessivos governos ousaram determinar bloqueios e suspensões gerais no pagamento de aposentadorias e pensões. Olhando, assim, pelo retrovisor, mais absurdo se torna o ato que tentou constranger velhinhos e velhinhas a um recadastramento na marra, com a suspensão da única fonte (na maioria dos casos) de subsistência disponível. Foi imperdoável e o episódio precisa servir de lição.

Alega o ministro Ricardo Berzoini, da Previdência, que os objetivos que motivaram o fiasco eram (e são) nobres. Concordamos. É dever do Estado zelar pelo dinheiro público, pelo seu correto emprego, pela lisura e transparência nos procedimentos e por aí afora. Concordamos também que o combate à corrupção precisa ser transformado numa guerra permanente e sem tréguas. Afinal, nos ralos da República é que está um de nossos males capitais.

Sem baixar a guarda na direção desse propósito (que deve ser obrigação permanente, repetimos), o procedimento escolhido para atingir o objetivo desejado foi de uma infelicidade cavalar. E mais cavalar ainda foi a insistência do ministro em permanecer no erro até que… o presidente Lula em pessoa, lá da África, intervindo, mandasse que o soberbo auxiliar pedisse as desculpas que se recusara a pedir horas antes.

Mesmo assim, o pedido de desculpas encerrou uma lamentável visão do problema: quase nenhuma preocupação de caráter social e um grande cuidado com os danos à imagem do governo, com os prejuízos políticos, em outras palavras, com os votos. “Não foi uma decisão tomada de maneira impensada”, disse o ministro, “mas acabou sendo equivocada.” O equívoco, então, estaria no alarido natural das pessoas, decorrente dos transtornos causados de forma pensada e amadurecida?

Disse ainda o ministro que “é impossível fazer um combate à fraude sem qualquer tipo de transtorno para o aposentado”. Conversa. Já afirmamos aqui e repetimos que o Estado tem meios e instrumentos capazes de filtrar o que bem entender sem importunar a vida das pessoas que, constitucionalmente, têm a presunção da inocência até que se prove o contrário. Basta querer. Ou, como diria em outros tempos o Lula candidato: basta vontade política ou vontade de trabalhar sério, complicando, se for o caso, os próprios agentes do sistema.

Um pouco de competência também seria de muita valia nesse caso. Diz o vice-presidente José Alencar (naqueles dias ele estava no exercício da Presidência) existir um grande desvio de recursos na área da Previdência. Novidade? Nenhuma. A novidade seria a generalização de um plano de bloqueios que, a começar pelos velhinhos, fosse estendido para todos os beneficiários do sistema, obrigando-os ao recadastro nas longas filas e, mesmo assim, sem razão alguma para pedir desculpas, pois que em nome da boa causa moralizante. “Incompetente” e “despreparado” é o mínimo que se poderia dizer de um ministro assim, já visto como “sem condições políticas, morais e sociais para continuar na Previdência”.

A única coisa certa que disse Berzoini foi ao assumir a culpa total pelo fiasco. Embora nem todas as decisões, como explicou, tenham sido tomadas em seu gabinete, é dele, e sempre, a responsabilidade política. É ele o ministro enquanto não pedir a conta ou não for substituído, como quer a oposição. E não pode nem deve ser terceirizada. Ainda mais depois que se sabe que as fraudes corresponderiam a apenas 0,7% do total dos beneficiários acima de 90 anos. Um controle maior sobre as informações provenientes dos cartórios, ou sobre o próprio sistema em freqüentes greves e paralisações, talvez fosse o suficiente.

Voltar ao topo