Democracia em risco

Um dos países de maior população da América Latina, mas que ainda convive com um profundo desequilíbrio social a despeito das inúmeras fontes de riqueza natural que possui, o México vive o extraordinário dilema de contemplar a estrita divisão ideológica do eleitorado. Depois da contagem e recontagem dos votos atribuídos no domingo passado aos dois principais candidatos a presidente da República – Felipe Calderón e Lopez Obrador – foi proclamada a vitória do primeiro pela escassa margem de meio ponto percentual.

Calderón correu pelo conservador Partido de Ação Nacional (PAN), ao qual pertence o atual presidente Vicente Fox, sendo, portanto, o concorrente situacionista. Como se sabe, o México foi governado durante 71 anos pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), extravagante herdeiro dos ideais da Revolução Mexicana, mas nessa eleição seu candidato Roberto Madrazo não foi além do terceiro lugar, expondo claramente os sinais do repúdio eleitoral a suas idéias anacrônicas. Obrador, ex-prefeito da Cidade do México, um socialista ligado ao Partido Revolucionário Democrático (PRD), cujo compromisso evidente é dar continuidade à revolução social apropriada e interrompida pelos donatários do PRI, ainda contestando o resultado da eleição que chegou a favorecê-lo em alguns momentos, avisou que vai recorrer ao Tribunal Federal Eleitoral alegando manipulação dos números. Assim, o resultado definitivo pode demorar meses até ser anunciado.

Como todas as coisas no México são carregadas duma aura de paixões irrefreadas, diante do rigoroso empate entre conservadores e socialistas, o país foi colocado numa situação delicada do ponto de vista das idéias políticas, cenário susceptível de sofrer perigosos solavancos, dependendo, a partir de agora, da movimentação das peças fundamentais para a preservação do avanço democrático conquistado a duras penas, em especial do candidato derrotado, Lopez Obrador.

Numa decisão subordinada ao inesperado da derrota, Obrador havia convocado seus partidários para um protesto gigantesco no Zocalo, a maior praça pública da capital. Coisas que podem mexer com o quentíssimo temperamento latino, o mexicano em particular, abrindo arriscado precedente para a perda do controle sobre os atos de uma multidão guiada pela paixão.

Uma percuciente observação que torna menos tenso o panorama imediato partiu do escritor Carlos Fuentes, para quem a vitória do direitista Calderón ?foi um triunfo da Virgem de Guadalupe, a santa padroeira do México?. Ele argumentou que a Virgem é a ?única realidade verdadeira no país, é tudo em que o povo acredita?, além de ter lugar privilegiado em todas as camadas sociais, incluindo os mais miseráveis eleitores do próprio Obrador. Assim, tem razões para crer que o culto nacional à padroeira será o fator limitante a quaisquer arreganhos de revolta indiscriminada. Fuentes revelou ainda que algumas pessoas próximas do candidato socialista lhe garantiram não caber em sua formação política um grama de inclinação para a desordem.

Aliás, descambar para o terreno do confronto e da violência fratricida traria nesse momento um prejuízo irreparável à grande nação mexicana e, num raciocínio paralelo, a alguns de seus vizinhos mais próximos. Esta é uma perspectiva contra a qual devem se unir os defensores da fraternidade dos semelhantes. Apesar de todos os sinais contrários.

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