O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que o programa Fome Zero, menina dos olhos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não passa de demagogia. Precisamos, segundo FHC, temeroso que seja desmerecida sua internacionalmente reconhecida obra social, de “políticas sociais mais competentes”. A seguir a estrada iniciada nessa seara cheia de bifurcações, Lula terá problemas políticos e, “mais adiante, quem sabe, até eleitorais”, vaticinou. Não disse, nem consta que lhe tenha sido perguntado, onde reside a demagogia.

O que FHC disse foi publicado na Argentina alguns dias depois que o principal articulador do atual governo, o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, atirou pedras no “passado recente” da história brasileira, pintando com as cores da corrupção os principais negócios de Estado e atribuiu ao governo anterior a culpa pelas dificuldades econômicas atuais. No bate-boca que se inicia com muito jeito de caminho sem volta, FHC repete que a “herança maldita”, da qual Lula amiúde fala, “foi gerada pela incerteza que causavam as ameaças” representadas pelo então candidato da esperança. Ou, para outros, do medo.

Lula, que nesses dias viajava pelo verão europeu em novo périplo de articulações pela sua idéia de combate à fome mundial, não respondeu imediatamente. Coube ao ministro da Educação, Cristóvão Buarque, o esboço de uma reação sem muita consistência, apegada ainda ao argumento do curto tempo no exercício do poder da atual equipe. Nada disse contra a observação de FHC segundo a qual Lula capitulou muito cedo aos encantos norte-americanos, mais afeita a “interesses cosméticos” que, de fato, na integração americana.

Sabe-se que o que mais irrita Lula é dizer que seu governo está sendo uma continuidade do anterior. Citado como o “político mais influente da América Latina” pelo jornal La Nación, Fernando Henrique Cardoso brinca quando afirma enxergar nos discursos de Lula o seu próprio discurso. Mas palavras nada têm a ver com a ação. E em termos de ação, o principal ponto fraco de Lula talvez seja exatamente aquele que, desde a primeira hora, foi eleito como seu principal programa – o Fome Zero. FHC não está sozinho na crítica que faz, mesmo que, criticando, tenha o intuito evidente de preservar a boa memória do que nesta área realizou. Ou de preparar, como já se desconfia, a estrada de seu retorno à política.

O que fica desse confronto que até aqui tinha sido evitado com arte e muita habilidade, é a impressão de que a demagogia atende a caprichos dos dois lados. FHC, que saiu sorrindo e prometendo ajuda, é inteligente o suficiente para saber a hora certa de atirar. Lula, no meio do torvelinho, tem ainda o tom messiânico dos discursos de campanha. A realidade brasileira nada tem a ver com a possível demagogia de ambos. Embora de ambos se esperasse a cooperação ensaiada em benefício dos brasileiros, o que estamos a ver é o embate tardio que deveria ter ocorrido durante a campanha.

Ao Brasil e aos brasileiros interessa agora a ação construtiva de todas as forças existentes para a solução de nossos ingentes problemas. Tanto a crítica ao passado quanto aquela dirigida às ações em curso só fazem sentido se direcionadas para a produção de uma coisa melhor. O resto é produção de espetáculo. E de teatro, tipo coloca e tira boné, do qual já estamos cheios.

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