Os crimes socio-econômicos (crimes tributários, previdenciários, financeiros etc.) acham-se, cada vez mais, na ordem do dia. Talvez nunca na nossa história tenha havido tanto empenho na sua persecução penal.
Sublinhe-se, de outro lado, que crimes que anteriormente não possuíam uma nítida natureza socio-econômica, hoje, passaram a se caracterizar por um complexo processo de mimetização entre negócios lícitos e ilícitos. É o caso do tráfico de drogas, de armas e de seres humanos. Tais condutas, além de serem as mais rentáveis, dentre os negócios ilícitos, têm parte de suas atividades encoberta por transações comerciais legais. Nesse cenário é que ganhou importância ímpar algumas medidas tendentes ao combate da lavagem de capitais.
A lei que trata do assunto, que é do final da década de 90, adotou o modelo de segunda geração. Por meio dele são tipificados como delitos antecedentes, que geram o “dinheiro sujo”, o tráfico de drogas assim como outros delitos graves (tráfico de armas, extorsão mediante seqüestro, crimes contra o sistema financeiro nacional etc.).
Os crimes de lavagem de capitais, pela letra da lei, são de competência, em regra, da Justiça estadual. Mas três situações conduzem o processo para o âmbito da Justiça federal: (a) se o crime for cometido contra a ordem econômico-financeira, (b) contra a União ou seus serviços ou seus interesses e (c) quando o crime precedente for da competência da Justiça federal. São tantas as exceções que, em regra, naturalmente quase todos os crimes de lavagem de capitais estão sendo processados nesta última esfera jurisdicional. Daí a pertinência da criação, em todas as regiões do País, de Varas Especializadas.
Mas quando se trata de especificar quais são as medidas mais eficazes no combate aos crimes socio-econômicos, vê-se que é bastante comum o uso de um Direito penal mais repressivo, tendencialmente restritivo dos direitos e garantias fundamentais. É o caso, por exemplo, da proibição da liberdade provisória e do direito de apelar em liberdade. Na verdade, não podemos “combater” nenhum delito (seja dos pobres, seja dos ricos), com medidas inconstitucionais, típicas do Direito penal do “inimigo”.
Muitos crêem que seriam as únicas capazes de arrefecer tais crimes. Há, no entanto, que se ponderar acerca dos abusos que se têm cometido em nome da (suposta) eficiência desse modelo de Direito penal. O Supremo Tribunal Federal, atento a tal questão, e manifestando-se acerca da proibição de apelar em liberdade, está sinalizando no sentido da sua inconstitucionalidade. É o que se nota na Reclamação 2.391/03, cujo julgamento ainda não foi concluído, mas cinco votos já foram proferidos no sentido de se declarar a inconstitucionalidade do art. 9.º da Lei 9.034/95 assim como de dar interpretação conforme à Constituição ao art. 3.º da Lei 9.613/98 (o primeiro proíbe o direito de apelar em liberdade).
A maior parte das normas pertinentes aos crimes socio-econômicos foi elaborada a partir da perspectiva do movimento conhecido por Lei e Ordem. Tal movimento apregoa a maximização do Direito penal, como forma de melhor (e maior) controle da criminalidade. Ocorre que a eficácia prática dessas medidas punitivistas não resultou comprovada. As normas penais, sobretudo nos últimos anos, vêm sendo editadas para cumprir funções que não se coadunam com as que legitimamente são esperadas de um Estado Constitucional e Democrático de Direito (proteção de bens jurídicos relevantes frente a ofensas graves, redução da violência particular e estatal – informal e formal).
Nenhum criminoso pode ser punido sem o devido processo legal. Sobretudo quando as mais drásticas sanções do Direito penal (privação da liberdade, privação de direitos fundamentais etc.) devam ter incidência, o estrito respeito a todas as garantias é de fundamental relevância. Do contrário a punição torna-se ilegítima (tanto quanto o crime cometido). O Estado não pode se igualar ao criminoso nos seus métodos. Sancionar os delitos sim, mas não pode ultrapassar a barreira do legítimo (sob pena de se tornar também um criminoso).
Luiz Flávio Gomes
é doutor em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito penal pela USP, Secretário-Geral do IPAN (Instituto Panamericano de Política Criminal), Consultor e Parecerista e Diretor-Presidente da TV Educativa IELF (1.ª TV Jurídica da América Latina com cursos ao vivo em SP e transmissão em tempo real para todo país – www.ielf.com.br) e Alice Bianchini é doutora em Direito Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000), mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1994) e especialista em Teoria e Análise Econômica pela Universidade do Sul de Santa Catarina (1993). Professora de Direito Penal do Mestrado em Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina.


