Debate no Congresso da LTr: autonomia ou autoritarismo da reforma sindical

Os Congressos da LTr de Direito do Trabalho, Segurança e Saúde no Trabalho, Previdência Social e Previdência Complementar realizados de 20 a 22 de junho em São Paulo, contaram com a presença de mais de 1.400 participantes e assinalaram a rara oportunidade do amplo debate das questões mais atuais sobre os respectivos temas. O painel do qual participamos sobre as questões dos servidores estatutários, o poder normativo e a reforma sindical foi coordenado pelo juiz aposentado do TRT-15.ª Irany Ferrari, contando com os expositores Jorge Luiz Souto Maior, juiz do trabalho, Domingos Zainaghi, advogado. Nossa exposição versou sobre a ?Autonomia ou autoritarismo da reforma sindical?, respondendo duas questões colocadas pelo coordenador geral do 45.º Congresso de Direito do Trabalho, prof. Amauri Mascaro Nascimento, a saber (1) a reforma sindical projetada pelo Fórum Nacional do Trabalho é autoritária? (2) Justificam-se as críticas apresentadas por expressiva parte das bases sindicais, tanto de trabalhadores como de empregadores, contra a reforma em questão? Nossa análise, em síntese, abordou os seguintes pontos:

1. A reforma sindical pretendida pelo governo federal está definida em dois textos (1) o projeto de emenda constitucional (PEC n.º 369/2005) sobre a alteração dos artigos 8.º, 11, 37 e 114 da Constituição Federal (2) anteprojeto de lei de relações sindicais com 238 artigos, que somente tramitará caso a emenda constitucional venha a ser aprovada pelo Congresso Nacional.

2. O projeto de emenda constitucional (PEC n.º 369/05) ao mesmo tempo que garante a liberdade sindical, embora restringida pelas normas do texto proposto, não se refere à liberdade de organização das associações profissionais. Mantendo a proibição de interferência e intervenção do Estado nas entidades sindicais, ressalvado o registro no órgão competente, especifica que é o Estado que atribuirá personalidade sindical às entidades, através do organismo que no anteprojeto de lei de relações sindicais é denominado de Conselho Nacional de Relações do Trabalho.

3. Essa personalidade sindical seria atribuída às entidades que atenderem a requisitos de (a) representatividade (b) participação democrática dos representados (c) agregação (d) compatibilidade de representação em todos os níveis e âmbitos da negociação coletiva. Em conseqüência, a proposta elimina a unicidade sindical, a representação por categoria econômica e profissional do atual sistema da CF/88, e, portanto, inaugura a possibilidade do sistema do pluralismo sindical e do sindicato por empresa. Ademais, o direito de representação da entidade sindical judicial e administrativamente somente seria possível face aos seus representados, ou seja, associados.

4. Quanto ao Conselho Nacional de Relações de Trabalho constante do anteprojeto de relações sindicais (arts. 120 a 136) seria composto por ato do Ministro do Trabalho e Emprego, sendo 5 membros das centrais sindicais de trabalhadores, 5 membros das confederações de empregadores e 5 membros indicados pelo Ministro do Trabalho e Emprego. No mesmo sentido, os integrantes das duas Câmaras Bipartites, de 10 membros cada, uma dos empregados e outra dos empregadores, sempre com representantes em mesmo número do MTE, todos com indicação do Ministro.

5. São dezenove as atribuições do CNRL, dentre elas a de (a) ?definir os procedimentos e prazos à contestação e confirmação da personalidade sindical?, (b) ?propor disposições estatutárias mínimas?, (c) propor ?a lista de agregação por setores econômicos e ramos de atividade?, (d) ?aprovar o procedimento de recolhimento e da prestação de contas dos valores da contribuição de negociação coletiva?.

6. Está evidenciado que a atribuição de personalidade sindical pelo Estado e através de um organismo sobre controle do Ministro do Trabalho e Emprego, a definição de regras estatutárias obrigatórias às entidades sindicais, a definição de setores e ramos de agregação para a representação sindical, o controle das contas sindicais relativas à contribuição de negociação coletiva, caracterizam a intervenção do Estado na organização sindical. Desconstitui-se, assim, a propalada liberdade e autonomia da organização sindical prevista na Constituição Federal.

7. O viés autoritário da proposta do Ministério do Trabalho e Emprego para a reforma da legislação sobre a organização sindical está demonstrado apenas pelo exame inicial de alguns pontos do projeto de emenda constitucional e do anteprojeto de lei de relações sindicais.

8. Outra questão essencial na proposição oficial é a quebra do sistema da unicidade sindical e da representação unitária profissional e econômica. O sistema proposto é de reconhecimento da representação por decisão do Estado, através de requisitos que dependerão de um processo de discussão e aprovação de lei complementar. Caso a PEC venha a ser aprovada nos termos colocados, sem a necessária aprovação de lei complementar, continuarão com existência legal as atuais entidades sindicais de representação de toda a categoria profissional e econômica, mas abrindo a possibilidade de existência de novas entidades, pois ocorrerá um vazio legal relativo à fundação da entidade na medida em que os requisitos previstos na emenda constitucional são subjetivos.

9. Sem lei complementar, o novo sistema sindical proposto pela PEC n.º 369/05, ensejaria a confusão plena, a desfiguração do movimento sindical dos trabalhadores e seu conseqüente enfraquecimento. Ao contrário do sistema atual que é objetivo uma só entidade sindical, em uma base territorial determinada mínima de um município, organização sindicato-federação-confederação, representação por categoria econômica e profissional a proposta de emenda constitucional do art. 8.º da CF88 apresenta critérios abstratos de organização da entidade sindical, não delimita sua base mínima, não estabelece o sistema de organização vertical e sequer legaliza e normatiza as Centrais Sindicais, que continuam à deriva da estrutura. Como as leis complementares devem ser analisadas e votadas após a aprovação da emenda constitucional, o anteprojeto de lei do governo federal sobre a organização sindical somente poderá tramitar depois de promulgada a alteração constitucional. Até lá ele é inconstitucional.

10. Justificam-se, assim, plenamente, as críticas que estão sendo apresentadas por expressivos segmentos do movimento sindical dos trabalhadores e dos empregadores. A melhor opção ao governo federal é a retirada do projeto de emenda constitucional para o total reexame da matéria, através de mecanismos democráticos e transparentes que permitam a ampla participação de todos os envolvidos na questão. Ou seja, de todas as confederações sindicais de empregados e empregadores, todas as centrais sindicais, as entidades representativas dos advogados, juízes e procuradores do trabalho, assim como com a contribuição de renomados juristas.

Além do painel que abordou esta temática, o Congresso sistematizou os principais pontos da reforma do Judiciário no que se refere às competências da Justiça do Trabalho, o dissídio coletivo econômico de comum acordo entre as partes, ações relativas às penalidades administrativas, ações de indenização por dano moral ou patrimonial, ações sobre direito de greve, reflexos da reforma do Judiciário na jurisprudência, além dos problemas relacionados com a execução trabalhista. Os eventos também divulgaram as novas edições da LTr, entre elas os livros dos paranaenses Sidnei Machado e Luiz Eduardo Gunther (Reforma Trabalhista e Sindical), José Affonso Dallegrave Neto (Responsabilidade Civil) e Manoel Antonio Teixeira Filho (Breves Comentários à Reforma do Poder Judiciário). Destaque para as edições sobre cursos de Direito do Trabalho de autoria dos professores Amauri Mascaro Nascimento (Iniciação ao Direito do Trabalho), Alice Monteiro de Barros (Curso de Direito do Trabalho) e Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho). As teses sobre os temas em debate foram publicadas em um caderno especial que circulou durante o 45.º Congresso. Consagrado como a principal personalidade do evento, deve ser ressaltada a presença do prof. Arnaldo Lopes Sussekind que, além de ser um dos conferencistas, participou de várias sessões do evento apresentando análise crítica da atualidade do Judiciário e do Direito do Trabalho.

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Cartilha da LER/DORT: Em excelente iniciativa, a Federação dos Trabalhadores nas Indústrias de Santa Catarina FETIESC lançou cartilha de prevenção à LER/DORT, coletânea com as principais informações de uma doença que se tornou um dos mais sérios problemas de saúde enfrentados pela classe trabalhadora. A divulgação é parte da ação sindical conjugada com outras entidades populares na luta contra as doenças profissionais e especialmente pelos trabalhos preventivos nas empresas (informações: www.fetiesc.org.br).

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Há 400 anos… ?Quando nisto iam, descobriram trinta ou quarenta moinhos de vento, que há naquele campo. Assim que D.Quixote os viu, disse para o escudeiro: – A aventura vai encaminhando os nossos negócios melhor do que o soubemos desejar; porque, vês ali, amigo Sancho Pança, onde se descobrem trinta ou mais desaforados gigantes, com quem penso fazer batalha, e tirar-lhes a todos as vidas, e com cujos despojos começaremos a enriquecer; que esta é boa guerra, e bom serviço faz a Deus quem tira tão má raça da face da terra. Quais gigantes? disse Sancho Pança. Aqueles que ali vês respondeu o amo de braços tão compridos, que alguns os têm de quase duas léguas.? ( publicado em 1604 O Engenhoso Fidalgo D. Quixote De La Mancha, de Miguel de Cervantes de Saavedra, Editora Nova Aguilar, 1993)

Edésio Passos é advogado. E.mail: edesiopassos@terra.com.br

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