As relações entre o direito penal e a criminologia passaram por altos e baixos no curso da história. Ora se atraíram, ora se repeliram; ora estavam intimamente relacionados, ora diametralmente afastados um do outro.

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De um lado, numa extremidade, um movimento, fortemente observado na primeira metade do século passado, sob os influxos das aspirações doutrinárias de Nélson Hungria, declarava o divórcio inconciliável entre o direito penal e a criminologia. Entre os dois saberes haveria uma dualidade dicotômica, de impossível congregação. Assim, o estudioso deveria fazer a opção por um dos saberes, em detrimento do outro, pois não poderiam conviver sob a égide de uma mesma atmosfera epistemológica. Essa concepção tratava-se, na verdade, de um consectário do paradigma neokantiano que apregoava a separação entre o mundo do ser e o mundo do dever ser, como se fossem departamentos estanques, hermeticamente incomunicáveis entre si. Com isso, a dogmática penal se encastelava numa redoma impenetrável, ao passo que os saberes que gravitavam ao seu redor sofreram o ostracismo das academias.

De outro lado, em diametral oposição, outro movimento, fortemente observado nos dias atuais, sob o influxo de múltiplas matrizes teóricas, adotadas por Lola Aniyar de Castro, Nilo Batista, Juarez Cirino dos Santos, entre tantos outros criminólogos (críticos), proclama a reconciliação definitiva entre o direito penal e a criminologia. Entre os dois saberes há, não uma dualidade dicotômica, mas sim uma complementaridade indissolúvel. Assim, o estudioso do direito deve enlaçar os dois saberes, numa simbiose recíproca, pois devem conviver em harmonia. Essa concepção trata-se, na verdade, de uma superação ao paradigma neokantiano, a fim de (re)unir o mundo do ser e o mundo do dever ser, numa relação dialética e não como compartimentos isolados entre si. Com isso, a dogmática penal rompe a bolha, na qual se refugiava, para se reencontrar com saberes que, doravante, retomam o lugar de prestígio (de onde, aliás, nunca deveriam ter saído) nas academias.

O resultado dessa evolução histórica é positivo. Cada vez mais, observa-se, no âmbito acadêmico, que as faculdades de direito estão, pouco a pouco, umas com mais aceitação, outras com mais timidez, reincorporando às grades curriculares essas disciplinas de inolvidável relevância. Na sempre lúcida palavra do professor René Ariel Dotti, ?para a compreensão científica da justiça penal não basta apenas o conhecimento do Direito Penal porquanto ele somente declara quais são as condutas proibidas e estabelece as penas e as medidas de segurança?. Segundo o inexcedível mestre, ?é necessária a conjugação com outros dados fornecidos pela ciência da realidade que é a Criminologia?. (DOTTI, René Ariel. Curso de Direito Penal. 2.ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 81) De igual modo, o já citado professor Nilo Batista destaca que ?na verdade, ser e dever-ser relacionam-se como fato e valor, numa relação de totalidade dialética, como registra Poulantzas, e por essa perspectiva o saber criminológico e o saber jurídico-penal se comunicam permanentemente? (BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. 4.ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 1999, p. 28). Isso é de tal modo significativo, que o intercâmbio entre os saberes é capaz de alterar o núcleo embrionário do conceito de crime: segundo Juarez Cirino dos Santos, ?a Criminologia Radical (ao contrário da criminologia tradicional, limitada à definição e punição do criminoso isolado, explicando o crime por relações psicológicas: vontade, intenções, motivação, etc.) vincula o fenômeno criminoso à estrutura de relações sociais, mediante conexões diacrônicas entre a criminalidade e as condições sociais necessárias e suficientes para sua existência? (CIRINO DOS SANTOS, Juarez. A Criminologia Radical. Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 36). Isso só para demonstrar o quão fértil é esse terreno da criminologia e o quão importante é, ao estudioso do direito, ter acesso a esse conhecimento. Em suma: tais constatações remetem à necessidade de as academias acompanharem (como muitas vêm acompanhando) o progresso científico da análise do direito penal.

Adriano Sérgio Nunes Bretas é advogado criminal em Curitiba, professor de Prática de Processo Penal do Curso Jurídico, especialista em Direito Penal e Criminologia pela UFPR e membro do Grupo Brasileiro da Associação Internacional de Direito Penal bretasadvocacia@yahoo.com.br

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