Da responsabilidade criminal da pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais

Embora as condenações de pessoas jurídicas por crimes ambientais estejam previstas na Lei n.º 9.605, de 1998, a grande maioria das ações propostas pelos ministérios públicos estaduais e federal com esse objetivo ainda se encontram em andamento.

Assim, em face da inexistência de outros julgados, na opinião dos especialistas que participaram do IV Seminário Internacional que aconteceu na sede do Superior Tribunal de Justiça em Brasília, transforma-se em marco importante na história do Direito Penal/Ambiental brasileiro a sentença proferida pelo mm. juiz federal da Primeira Vara Federal de Criciúma, em Santa Catarina, ao condenar criminalmente a empresa A.J. Bez Batti Engenharia e seu sócio e único administrador.

Como dito, a condenação da A.J. Bez Batti por crime ambiental foi a primeira envolvendo a condenação de pessoa jurídica pela prática de crime ambiental no Brasil. A empresa foi acusada de extrair e depositar areia sem autorização em uma área de preservação ambiental, tendo sido denunciada pelo Ministério Público Federal e condenada em primeira instância à prestação de serviços à comunidade e ao pagamento de uma multa de R$ 10.000,00, valor este a ser aplicado em programas ambientais.

De acordo com o professor de direito ambiental e desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Tubinambá Pinto de Azevedo, além da decisão de Criciúma ser a primeira da Justiça Federal do País nesse sentido, não se tem notícia de condenações de pessoas jurídicas por prática de crime na Justiça Estadual. Segundo ele, a única decisão conhecida ocorreu em uma ação penal contra a Petrobras pelo derramamento de um milhão de litros de óleo em Sã o José dos Campos, no Estado de São Paulo.

Os juízes da 3.ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal daquele Estado decidiram pelo trancamento da ação penal em razão do mandado de segurança interposto pela Petrobras, sob a alegação de inépcia da denúncia feita pelo Ministério Público Estadual. “Foi um problema técnico, porque apenas a empresa já foi denunciada por negligência, ou seja, por crime culposo, e não seus administradores conjuntamente”, afirma. “E é complicado imputar um crime culposo à pessoa jurídica sendo que a lei diz que tem que haver decisão da administração, ou dolo”, diz Azevedo.

Apesar da discussão técnica, o desembargador afirma que no julgamento do mandado de segurança o voto do relator do processo era pela inconstitucionalidade do art. 3.º da Lei de Crimes Ambientais, sob o argumento de que a pessoa jurídica não pode ser condenada por crime ambiental. Para Azevedo, esta é a crença de boa parte dos juízes, que acredita que, embora a lei estabeleça em seu art. 3.º que a pessoa jurídica pode ser responsabilizada criminalmente por danos ao meio ambiente, o art. 21, que estabelece as penas para os crimes ambientais, não lista quais seriam aqueles possíveis de serem cometidos pelas pessoas jurídicas.

A condenação de empresas por prática de crime contra o meio ambiente, embora represente uma novidade no Brasil, na França, por exemplo, essa possibilidade passou a existir no Código Penal, em vigor desde 1994. Desde então, já ocorreram cerca de cem condenações de empresas por crimes contra o meio ambiente. Segundo o representante no Brasil do Instituto Internacional O Direito Por um Planeta Verde, Eládio Lecey, apenas nos últimos dois anos o Ministério Público e a Magistratura brasileiros começaram a responsabilizar as pessoas jurídicas em lugar de seus agentes.

Lecey cita o exemplo do caso do despejo de quatro milhões de litros de óleo cru em rios de Araucária, no Paraná. A denúncia para o crime ambiental apresentada pelo Ministério Público à 2.ª Vara Federal de Curitiba no ano passado responsabilizou a Petrobras e seus dirigentes. “A empresa até tentou passar a responsabilidade para os operadores de campo e dispensou-os, mas os procuradores reconheceram que o acidente foi resultado da política empresarial que prioriza a aposentadoria precoce de funcionários experientes e optou pela terceirização do serviço”, conta Lecey. A denúncia foi recebida e a Petrobras continua respondendo ao processo em primeira instância.

Não obstante o fato de ser o tema em questão novidade na Justiça Penal brasileira, acredita-se que a polêmica gerada pela previsão legal da condenação criminal de pessoa jurídica e, agora, pelo debate surgido em torno da primeira decisão judicial de primeira instância neste sentido proferida pelo mm. juiz federal de Criciúma/SC, provocará uma maior reflexão por parte da sociedade sobre a responsabilidade penal das grandes empresas poluidoras, transformando-as em co-réus toda vez que um crime ambiental ocorrer em razão de sua participação.

Não se pode negar, neste caso, que, mesmo sendo pessoa jurídica, a pena aplicada ainda atenderá aos fins pedagógicos da condenação, posto que ela obrigará os seus diretores a tomar medidas preventivas, dentre elas a educação ambiental e a conseqüente conscientização de seus funcionários, com objetivo de evitar possíveis impactos ambientais causados pelos seus empreendimentos.

Resta agora esperar que a decisão proferida pelo juiz Antônio Bonat, da Primeira Vara Federal de Criciúma/SC, seja mantida em grau de recurso, uma vez que a mesma representa um passo importante na defesa de nossos já escassos recursos naturais.

Aparecido da Silva Martins

é advogado em Guaíra/PR.

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