Da Reciprocidade no Direito Internacional Público

“Na seara do direito internacional público vige o chamado princípio da reciprocidade, garantidor de que o tratamento dado por um Estado a determinada questão também será concretizado por outro país afetado pela decisão do primeiro.”

Trecho da sentença do juiz federal do Mato Grosso, Julier Sebastião da Silva, acolhendo ação movida pelo Ministério Público Federal e determinando que o governo brasileiro dê aos turistas norte-americanos o mesmo tratamento a que são submetidos os brasileiros nos EUA, em virtude do Programa US-Visit (disponível em www.dhs.gov)

Proveniente do termo latino reciprocitas, a reciprocidade significa a condição ou a qualidade daquilo que é recíproco (reciprocus), isto é, situação em que são estabelecidas condições mútuas ou correspondentes. A reciprocidade, pois, implica na identidade ou na igualdade de direitos, de obrigações ou de benefícios. (1)

Trata-se de princípio basilar do Direito Internacional Público, relacionado a aspectos públicos externos e voltado à proteção da igualdade soberana dos Estados (2). Com base no direito positivo internacional e na prática dos diversos países, a doutrina distingue quatro situações: (3)

a) Reciprocidade internacional stricto sensu, quando há previsão expressa da reciprocidade em cláusula, principal ou acessória, de tratados internacionais. É encontrada em freqüência em tratados de comércio, navegação, extradição, relações consulares, integração econômica e questões militares (como trégua, armistício, etc). (4)

“Através do princípio da reciprocidade, que visa harmonizar as relações entre os países, os direitos e obrigações assumidos por Estado integrante de um tratado internacional ou de um bloco econômico necessariamente deverão ser cumpridos pelos demais Estados signatários do instrumento”. (5)

b) Reciprocidade internacional de fato, nas hipóteses em que não há cláusula ad hoc, mas o Estado, em sua relação com outro Estado, condiciona sua conduta a um dado de fato, como ocorre com o tratamento dos prisioneiros – no estado de guerra – ou na extradição, num exemplo de situação de paz.

c) Reciprocidade em certos atos unilaterais internacionais, como nos casos de manifestações dos Estados a respeito de sua submissão à jurisdição de tribunais internacionais, em que o Estado exige, para aceitar participar de um processo judicial, os mesmos termos da aceitação da outra parte.

d) Declaração de reciprocidade, quando um Estado manifesta unilateralmente aos outros Estados que tomou uma medida de interesse de todos, mas que ela somente entrará em vigor mediante reciprocidade. Foi muito utilizada em questões aduaneiras e, principalmente, em situações de guerra, em que um Estado beligerante faz saber ao adversário sua intenção de não utilizar determinado tipo de arma se o outro também o fizer, por exemplo.

A reciprocidade, mesmo analisada no âmbito do direito interno, possui relações intrínsecas com o direito internacional. Nesse aspecto, há um imperativo nacional – em virtude de imposição legal ou judicial – condicionando expressamente a aplicação de determinadas normas a um certo modo de ser do ordenamento jurídico ou da prática estrangeiros. Tal situação pode decorrer de uma decisão voluntária ou de uma obrigação internacional e se estende tanto a normas materiais quanto instrumentais. A título de exemplo, vale lembrar que a Lei brasileira 6815/80 estabelece que a extradição do estrangeiro somente ocorrerá se houver tratado internacional entre os dois países ou houver a promessa de reciprocidade do país solicitante. Além dessa prática recíproca, a referida lei exige que a legislação do país estrangeiro não contenha a previsão da pena de morte, dentre outros aspectos.

Diante dos fatos e dos conceitos que envolvem o tema da reciprocidade, a exigência de conceder aos norte-americanos que chegam no Brasil o tratamento dado em aeroportos dos EUA aos cidadãos brasileiros, incluindo coleta de fotografia e impressões digitais, significa nada mais que a correta e oportuna aplicação dos princípios que regem a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais, tais como independência nacional, não-intervenção e igualdade entre os Estados, conforme elencados no artigo 4º. da Constituição Federal.

Notas

(1) DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2000. p.678-679.

(2) “Em direito internacional e nas doutrinas políticas internacionais, a principal implicação do princípio da igualdade é a reciprocidade de direitos e benefícios”. DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick e PELLET, Alain. Droit International Public, 6ª ed. Paris: LGDJ, 1999. p.426.

(3) Ver. Novíssimo Digesto Italiano. Vo. XIV. Torino: Unione Tipográfico. Editrice Torinese. 1967.p .1060 e ss.

(4) Segundo MELLO, o “princípio da reciprocidade não é novo e é encontrado em tratados que datam dos séculos XII e XIII”. MELLO, Celso D. Albuquerque. Curso de DIP. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 88.

(5) GOMES, Eduardo, Biacchi. Blocos Econômicos – Solução de Controvérsias. Curitiba: Juruá, 2001. p. 145.

Tatyana Scheila Friedrich

é mestre/UFPR, professora de Direito Internacional Privado da UFPR e Direito Internacional Público das FIC.

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