Sonho realizado

Sony, o morador da casinha de cachorro, recebe ajuda para voltar a ser artesão

Foto: Albari Rosa

O artesão José Valsonir Gauer, conhecido como Sony – que, em meio à luta contra a depressão, passou a morar em uma casinha de cachorro – recebeu um incentivo para enfrentar a doença. Ele ganhou um kit de ferramentas, que pode ajudá-lo a voltar a exercer seu ofício. Autor da iniciativa que viabilizou a doação dos materiais, o empresário Samuel Toaldo conhece bem este mal: ele mesmo já chegou “ao fundo do poço” por causa da depressão, mas conseguiu se restabelecer apoiado em três pilares: tratamento, trabalho e esportes.

Os utensílios – uma furadeira, uma parafusadeira, uma Makita e uma caixa de ferramentas – foram entregues no fim da tarde de quinta-feira (29). Pego de surpresa, Sony não resistiu e foi às lágrimas. “Eu não tenho nem como agradecer. Pela primeira vez em muitos meses, eu estou me sentindo um ser humano. As pessoas ainda falam que sonhos não se realizam. Se realizam, sim”, disse o homem.

Sony planeja conseguir, agora, um lugar para morar e em que possa a voltar a fazer casinhas de cachorro, mas, desta vez, para vendê-las – não para lhe servir de teto. Disse que um taxista chegou a mencionar que talvez consiga uma casa numa chácara, onde ele poderia ficar como caseiro. Mas até agora, nada de concreto.

Em meio à conversa, Toaldo pediu ao artesão uma única contrapartida: que Sony procure um médico ou psicólogo para iniciar um tratamento e que não abra mão de exercer sua profissão. “O trabalho vai ajudar o senhor a vencer a depressão. Vai ficar mais fácil sair dessa”, apontou o empresário, que comprou as ferramentas doadas, em conjunto com sócios e amigos.

Experiência própria

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Foto: Albari Rosa

O conselho do jovem empresário de 33 anos vem embasado em experiência própria. Em 2012, Toaldo começou a enfrentar uma batalha contra a depressão. De uma só vez, viu terminar seu relacionamento que durava nove anos e sua empresa de informática foi à falência. As dívidas passavam de R$ 50 mil e aumentavam mês a mês. Em pouco tempo, perdeu a casa financiada em que morava e teve que voltar a viver com a mãe, em Campo Magro, na região metropolitana de Curitiba.

Mesmo sem dinheiro, começou um tratamento que lhe custava R$ 2 mil por mês. Chegou a ter que tomar cinco medicamentos diferentes por dia, que o entorpeciam e o impediam de trabalhar. Esteve em vias de perder a luta: em um dia em que se tornou insuportável o sentimento de que a vida não fazia sentido, tentou suicídio: tomou, com bebida alcoólica, todos os remédios que havia em casa. Por sorte, foi encontrado por amigos a tempo de que o pior acontecesse. Acordou no hospital.

“Eu cheguei ao fundo do poço. Olhava meus amigos se divertindo e não divertia, mesmo com coisas que antes eu gostava de fazer. Eu não via sentido em nada”, relembrou Toaldo. O empresário teve pensamentos suicidas recorrentes e chegou a tentar a comprar um revólver para se matar. “Se tivesse tido acesso [a arma], teria feito besteira.

Foi a partir do trabalho que o jovem começou a se reerguer. Pegou sua caixa de ferramentas e passou a bater de porta em porta, de empresa em empresa, oferecendo serviços de técnico de informática. Além de ganhar um dinheiro, mantinha a cabeça ocupada. “Eu ganhava R$ 50 aqui, R$ 70 ali e voltei a me sentir útil, voltei a me sentir importante. Foi determinante para recuperar minha autoestima”, apontou.

Além disso, o jovem recolhia computadores inutilizados pelas empresas e, nos fins de semana, se punha a consertá-los. Pegava peças de um terminal para construir outro. Os aparelhos que montava eram repassados a orfanatos ou creches. Em um ano, doou mais de 30 computadores. Paralelamente, o rapaz procurava manter contato com pessoas positivas. Uma vez por semana, ia tomar café com freis capuchinhos, que lhe deram necessários “puxões na orelha”, apontando erros que havia cometido.

Em 2014 – dois anos depois do ápice da depressão – começou a esboçar a volta por cima. Toaldo, que sempre foi goleiro, voltou a jogar futebol e a praticar corrida e caminhada. “Eu trabalhava o dia inteiro e, depois, jogava até ficar exausto. Eu não dava chance para pensamentos negativos”, apontou.

A partir do futebol, ele teve uma sacada: oferecer-se como “goleiro de aluguel”. Em troca de um cachê simbólico, passou a disputar partidas amadoras. Com o dinheiro, comprava bolas e luvas, que eram doadas a instituições de caridade. A ideia deu tão certo que virou negócio: o “Goleiro de Aluguel” hoje tem um aplicativo que congrega mais de sete mil usuários, entre goleiros e peladeiros de todo o Brasil.

Toaldo se casou e, neste ano, recebeu alta da psicóloga que o acompanhava desde o início. No último fim de semana, comemorou com mais uma notícia boa: o nascimento de Sara, sua primeira filha. Apesar da volta por cima, o empresário sabe que vai ter que conviver até o fim com a doença.

“A depressão é um cão preto que vai me acompanhar pela vida inteira. Eu aprendi a conviver com ela, a criar válvulas de escape para que ela não me vença”, disse. “Quanto ao Sony, se ele se apegar em coisas positivas, se apegar no trabalho e se conseguir um tratamento, eu tenho certeza de que ele vai sair dessa. Eu ainda quero vê-lo bem e comprar uma casinha de cachorro que ele construir”, completou.