Mexer nas regras da aposentadoria é uma das prioridades da equipe econômica do presidente interino Michel Temer. A principal medida em discussão é a fixação da idade mínima de 65 anos para requerer o benefício. A mudança encontra resistência de entidades sindicais – com quem o governo se reuniu para debater a reforma da previdência, na sexta-feira (10) – e preocupa quem está perto da sonhada aposentadoria, e pode ter que mudar de planos.

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É o caso da secretária Eliane do Rocio Kulik. Ela acumula 34 anos de carteira assinada, e como tem 50 de idade, poderia se aposentar no próximo ano com 100% do valor do benefício – sem desconto do fator previdenciário. “Estou pessimista, acho que até lá a regra vai mudar de novo. Cada vez que chego perto, a lei muda. Quando eu completar os 85 [pontos da regra 85/95], já vai ser 87. Quanto mais contribuo, mais longe fica a data da aposentadoria”, lamenta ela, que se sente lesada.

No ano passado, com 33 anos de contribuição, Eliane havia feito as contas e decidido que ainda não valia a pena se aposentar. “Por causa do fator previdenciário, eu ia receber somente R$ 1 mil por mês.” O que ela teme é que tenha de trabalhar por mais 15 anos para finalmente poder descansar, assegurada pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). “Não será fácil me manter no mercado por mais tanto tempo. Trabalho na área de atendimento ao público e existe o preconceito pela idade e pela aparência”, avalia.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que medidas de transição estão sendo estudadas, para diminuir o impacto aos segurados que estão próximos de se aposentar.

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Necessário

No entendimento do consultor em previdência Renato Follador, um dos responsáveis pela criação do fundo de pensão ParanaPrevidência, a adoção de uma idade mínima é imprescindível para equilibrar o que sai em benefícios e o que entra em receita. “A média de idade com que homens e mulheres se aposentam por tempo de serviço é de 54 anos. Com o aumento da longevidade, quem se aposenta com 54, segundo o IBGE, tem probabilidade de viver até os 84 anos. São 30 anos que o INSS tem que pagar de aposentadoria”.

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De acordo com ele, a população de idosos está crescendo seis vezes mais que a População Economicamente Ativa (PEA), de 15 a 54 anos. “A conta não fecha. No futuro, com a taxa de fecundidade em queda, não haverá novos brasileirinhos para entrar no mercado e melhorar esse percentual. Mais se aposentarão e mais viverão mais do que antes, e a população de contribuintes não vai aumentar.”

Segundo Follador, só existem quatro países no mundo que não têm idade mínima para aposentadoria: Brasil, Equador, Irã e Iraque. “Não é possível que eles estejam certos e o resto do mundo esteja errado”.
Sua sugestão para a transição seria exigir que a pessoa contribua por mais 50% do tempo que falta para ela se aposentar. “Se falta um ano para ela se aposentar, ela teria de contribuir mais seis meses”.

O consultor defende que sejam mantidos o fator previdenciário e os cinco anos a menos de contribuição para as mulheres, devido à jornada dupla de trabalho – doméstico e fora de casa. As sugestões apresentadas por Follador na Comissão Permanente de Direitos dos Idosos da Câmara dos Deputados, no último dia 7, podem ser utilizadas na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da reforma da previdência a ser apresentada ao plenário.

Retrocesso

Já para o presidente da Associação dos Aposentados e Pensionistas do Paraná (Apospar), Tiago dos Santos Vieira, a adoção da idade mínima é um retrocesso. “Em 1999 o fator previdenciário foi instituído justamente para resolver o problema das aposentadorias precoces e equalizar as contribuições com o saldo de sobrevida. Essa é a ,inteligência da ferramenta, permitir que o segurado se aposente, mas garantindo o equilíbrio financeiro e atuarial da previdência.” Ele lembra que os países com idade mínima de aposentadoria instituída não têm o dispositivo do fator previdenciário.

Aposentar-se mais tardiamente não seria a pior consequência para os segurados, mas sim a dificuldade de permanecer em um mercado de trabalho que despreza idosos. “No Brasil, temos a cultura de não contratar pessoas acima de 45, 50 anos. De repente, teremos pessoas que não terão direito a se aposentar e que não vão conseguir emprego. Isso é uma questão muito séria que tem que ser levada em conta”, alerta.

Na visão de Vieira, é fundamental discutir o valor das contribuições e uma idade mínima, mas no médio e longo prazos. “Não pode ser na base do desespero e do cerceamento dos direitos dos trabalhadores segurados, para socorrer o país de uma crise que não foi a seguridade social que criou. Historicamente, toda vez que há uma crise, o governo quer mexer na previdência para tapar buracos, porque ali gira muito dinheiro.”

Salário mínimo

Outra proposta levantada pela equipe de Temer seria desvincular o reajuste do mínimo das aposentadorias (R$ 880, igual ao salário mínimo) da correção do salário mínimo. Atualmente, o salário mínimo é corrigido com o Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores mais a inflação do ano anterior. “Acho correto que o reajuste da aposentadoria seja apenas o da inflação, pois não tem sentido dar aumento real para o aposentado, repassando a produtividade, se ele não produz mais”, avalia o consultor Renato Follador. Por outro lado, o consultor afirma que é imprescindível manter o poder aquisitivo do segurado, reajustando o mínimo da aposentadoria conforme o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).

O presidente da Apospar também discorda dessa medida. “É uma situação muito grave. O salário mínimo previsto na Constituição é o mínimo para garantir os itens de sobrevivência e lazer. Para o cidadão se aposentar e viver com dignidade, a presunção é que ele tenha o salário mínimo. Quem se aposenta recebendo o mínimo, com o passar do tempo terá o valor reajustado apenas pela inflação, e sua aposentadoria ficará inferior ao salário mínimo nacional. Teremos aposentados miseráveis”.

Rombo?

De acordo com o governo federal, os cofres da previdência precisaram de R$ 89,2 bilhões de financiamento em 2015, e de R$ 29,1 bilhões no primeiro trimestre de 2016, ambos valores corrigidos pelo (INPC). Segundo o consultor Renato Follador, o “rombo” estimado pelo governo para este ano é de R$ 130 bilhões. “Há mais de 20 anos a previdência tem déficit”.

O presidente da Apospar entende que não existe rombo nos cofres da seguridade social. “Para utilizar o argumento do déficit, o governo não utiliza nos cálculos as receitas que são destinadas à seguridade social, apenas as previdenciárias”. Não são levadas em conta, segundo ele, as receitas das loterias esportivas, da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e do Programa de Integração Social e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep), entre outras.

“A própria Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) faz estudos sobre o mito do déficit previdenciário, usando como cálculo as receitas que são destinadas à seguridade social, e o saldo é positivo há anos”, argumenta Tiago dos Santos Vieira.