Haja gogó!

Profissionais ganham a vida no gogó e viram símbolo

Eles ganham a vida no gogó e quem os contrata reconhece que aumenta de 20% a 50% o faturamento com venda no grito. Na capital que tem como um dos seus ícones a mulher da “borboleta 13”, os locutores de lojas e restaurantes quebram a rotina da população que perambula pelas calçadas de Curitiba sempre apressada.

Há quem reclame, tanto que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMMA), somente pelo telefone 156, recebe de 10 a 15 reclamações por dia devido a esse tipo de barulho. Porém, a lei municipal 10.625/2002 só prevê multa para o trabalho de divulgação munido de equipamento de som. “Nos locais onde a pessoa trabalha apenas com a voz, quando recebemos reclamações, vamos aos estabelecimentos para orientar, já que há um limite entre promover o negócio e incomodar”, alerta o chefe do departamento de pesquisa e monitoramento da secretaria, Luiz Fernando de Lasca.

Já nos casos onde há equipamento, o limite de ruído permitido na área central é de até 65 decibéis captados a cinco metros da parte da frente do ponto comercial. A multa para quem já foi notificado pela prefeitura varia de R$ 5,3 mil até R$ 18 mil. Tudo depende do quanto de barulho além do permitido foi ultrapassado.

Borboleta 13 voou pro ganho fixo

Símbolo de Curitiba, a dona do bordão “borboleta 13”, Teresinha Leonice Havane dos Santos, 62 anos, deixou o calçadão há seis anos para emprestar todo o seu carisma para a rede de ótica Visomax. “Foram mais de 40 anos na rua XV de Novembro, mas a oferta de um ganho fixo para um comércio falou mais alto nesta fase da vida”, explica.

Ela conta que muitas pessoas chegam à loja saudosas da presença dela na Rua XV. “Eu também sinto saudades, até porque dependendo do prêmio, vendia em um dia o que ganhava no mês”, afirma. Certa vez, em um sorteio de Mega-Sena acumulado, ela faturou cerca de R$ 700 em um único dia.

Com seis filhos criados por conta do seu trabalho, já que perdeu o marido assassinado em 1988, ela se orgulha de finalmente ter conseguido a escritura do terreno. Para os seus sucessores nas calçadas da cidade, ela recomenda que “deixem os problemas em casa na hora de trabalhar”. “ Tem que ter alegria e carinho para conquistar a freguesia. Uma marca registrada, também faz a diferença, no meu caso sempre foi o batom vermelho. Não abro mão dele”.

“Scheila” não abre mão do 13

Vizinha da dona do bordão “borboleta 13” por décadas, a locutora de bilhetes de loteria “Scheila” mantém viva a tradição de apostas dos transeuntes da rua XV de Novembro com a rua Monsenhor Celso. O “nome artístico” de Nivercinda Paula, 63 anos, foi escolhido justamente para o trabalho. “Meu nome é muito difícil. Hoje, até em casa, só me chamam por Scheila e eu também prefiro”, revela.

Ela trabalha de segunda a sábado na Rua XV e no domingo segue para o Largo da Ordem. “Adoro essa vida. Saio da CIC (Cidade Industrial de Curitiba), onde moro, sempre animada com o que o dia me reserva”, conta. E ela capricha na produção, com vários acessórios e um baita sorriso no rosto. Com quatro filhos criados graças à renda das vendas, ela diz que o dia 13 é o que mais vende. “Todo dia 13 saem de 30 a 40 bilhetes com a borboleta (que representa o número 13). Cada bilhete custa R$ 5, dos quais R$ 2 ficam com ela. É o meu número da sorte, tanto que meu celular tem final 13 e 33, da cobra, que é o segundo bilhete mais procurado”, conta.

“A segunda voz da Rua XV”

Embora atualmente esteja na calçada em frente ao Edifício Mauá, na Rua José Loureiro, o locutor de restaurante e divulgador do com&eacut,e;rcio de rua Saulo de Oliveira Santanna, 43 anos, se apresenta como “a segunda voz da Rua XV de Novembro”. Por anos ele chamou clientes para o restaurante Delícias Naturais no calçadão, porém há três anos passou a trabalhar no novo endereço do estabelecimento.

Ele conta que a voz ajuda muito a atrair pessoas na hora do almoço, mas se for dia de galinha com polenta, estrogonofe de carne ou bife ao molho madeira, o sucesso é garantido. “É o que o povo mais gosta”. Batendo ponto de segunda a sábado, das 11h às 15h, ele ganha R$ 10 por hora no restaurante mais o almoço. “Almoço depois das 14h, mas como parte do trabalho sempre provo o cardápio antes de começar a divulgar para dar detalhes do tempero”, relata.

Ele sonha em trabalhar com microfone e equipamento de som no comércio ou em eventos. E o gosto pela profissão foi testado logo no início da carreira iniciada em agosto de 2001. “Comecei chamando clientes para um restaurante chamado Nas Alturas, no 11º andar de um edifício no centro. Quando ocorreu a tragédia do 11 de Setembro, a clientela tinha medo de subir e até eu trabalhava com receio de que fosse acontecer a mesma coisa no prédio do restaurante”, recorda.

Amado Batista da Pedro Ivo

O “Amado Batista da Pedro Ivo”, como ficou conhecido o locutor Márcio Roberto de Souza, 45 anos, já realizou uma das aspirações de outros colegas de calçada: o microfone com caixa de som. Duas vezes por semana, devidamente equipado, ele anuncia as ofertas de roupas e acessórios da loja Espaço Fashion.

Com a instabilidade de ganhos, comum à informalidade da vida de locutor de comércio, ele já trabalhou como radialista e, atualmente, é garçom na churrascaria Paiol. “O segredo dessa vida de lidar com o público é perceber o que o cliente quer. Assim como na hora de servir tem quem queira picanha bem passada e outros sangrando, no comércio, mesmo se estivermos no inverno, tem gente que vem à loja para comprar regata”, ensina.