“As mesmas oportunidades não seriam entregues a nós se não tivéssemos passado por lá”. É assim que Thiago Daniel de Camargo de Almeida, hoje com 22 anos, se recorda do Lar Hermínia Scheleder, localizado em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC).
Thiago é uma das centenas de crianças em situação de vulnerabilidade que foram acolhidas pela instituição ao longo dos últimos 60 anos. Desde 1964, o local é referência na rede de proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência.
>>> Nesta quarta-feira (22/10) parte da renda obtida com a venda de jornais impressos da Tribuna será destinada ao Lar Hermínia Scheleder no projeto Tamo Junto Com… Esta é a quinta edição do projeto, que na outras edições abraçou a Acridas, a FEPE, a Irmandade Betânia e a Associação Socorro aos Necessitados.
O jovem, nascido em Pinhais, também na RMC, afirma não ter lembranças de vida antes de chegar ao lar. Ele e dois irmãos foram separados da família por uma ordem judicial quando Thiago tinha quatros anos. “Minha família não tinha condições de cuidar da gente e fomos parar no lar”, relembra.
Ele e o irmão mais velho saíram do lar juntos em 2020. Na época, Thiago tinha 17 anos e o irmão 18. O caçula foi adotado ainda quando criança.
O início do acolhimento aos desamparados
A história do Lar Hermínia Scheleder começou em uma época em que os direitos das crianças eram praticamente inexistentes. Coordenador da instituição há 15 anos, Renan Gustavo Costa Ferreira conta que, em 1964, membros da Igreja Presbiteriana de Curitiba acolheram as primeiras crianças. Eram dois irmãos que ficaram órfãos após a mãe morrer durante um procedimento médico no Hospital Evangélico.
Além dos irmãos, Renan também revela que na época havia muita procura na igreja por auxílio a crianças em situação de rua. Na década de 1960, os pequenos vulneráveis eram vistos como marginais e tendiam a sofrer violências ainda mais graves.
Diante da necessidade de oferecer um futuro digno aos desamparados, a partir de maio de 1965 os membros da igreja passaram a atuar mais fortemente no acolhimento dessas crianças e adolescentes, oferecendo abrigo.
Até o ano 2000, todo o trabalho era realizado em Santa Felicidade. Após isso, o lar mudou para o endereço atual, localizado no bairro Santa Terezinha, em Colombo.
Uma grande família
Atualmente o local conta com 40 colaboradores que atuam em prol de 40 crianças e adolescentes acolhidos. Os profissionais são motoristas, assistentes sociais, técnicas de enfermagem, nutricionista, pedagoga, entre tantas outras funções.
A idade para o acolhimento no local varia de dois a 11 anos. Contudo, Renan explica que existem algumas exceções. No momento, uma das crianças mais novas que mora no lar é uma bebê de nove meses. Ela está no local porque o irmão, de cinco anos, foi encaminhado para lá e uma das preferências é manter os irmãos juntos.
Já o acolhido mais velho é um adolescente de 13 anos. Todos eles convivem em uma vila social, onde há cinco casas lares.
Em cada uma das casas, há uma divisão por gênero, idade e laços familiares. Os locais são como casas, com sala, cozinha, quartos e banheiros.
Cada lar conta com a presença de mães sociais, que são profissionais, sem formação específica, que atuam diretamente no cuidado de crianças e adolescentes. Elas são responsáveis por oferecer um ambiente familiar com alimentação, orientação e apoio emocional 24 horas por dia.
Estrelas do Natal de Curitiba
Renan destaca que quando a criança chega, o lar se torna responsável por tudo que envolve a vida dela. Desde necessidades básicas, como comida, atendimento médico, educação, até necessidades mais voltadas ao lazer, como viagens, festas, e presentes.
Entre várias oportunidades que as crianças do Lar Hermínia Scheleder têm, está a participação das tradicionais apresentações de Natal no Palácio Avenida, por exemplo. Renan conta que é um momento muito especial em que as crianças se sentem grandes estrelas.
Ele se recorda de um momento marcante envolvendo uma das acolhidas que fazia parte do coral anos atrás. Ao completar 15 anos, a jovem ganhou uma festa no local com tudo que tinha direito. Anos mais tarde, após sair do lar, ela resolveu retornar e realizar o casamento no mesmo salão em que havia sido a festa de 15 anos.
“Ela tinha cantado no coral, então ela escolheu a música e a maestrina ensaiou as nossas crianças. Elas cantaram no casamento dessa jovem. Foi muito emocionante, cheio de significados”, relembra.
Para ele, as crianças terem a oportunidade de ver uma noiva que foi uma criança que cresceu no lar, passou toda a infância no local e retornou em um momento feliz, é algo mágico que resume a proposta do trabalho da instituição: oferecer possibilidades e perspectiva de um futuro melhor.
Como funciona o trabalho
O coordenador do local explica que o lar é a última medida para uma criança em situação de vulnerabilidade social. Ou seja, o menor vai para o local depois que é constatado que ele não possui condições de ter qualidade de vida dentro do próprio meio familiar. Atualmente, a instituição atende crianças de Curitiba, Colombo e Piraquara.
Renan ressalta que o maior objetivo do lar é conseguir fazer com que as crianças e adolescentes retornem à família, primeiramente, para os pais, após uma restruturação familiar. Caso isso não aconteça, o segundo passo é tentar a família extensa, como amigos e parentes mais distantes.
A terceira alternativa da instituição é a adoção. Porém, caso ela também não aconteça, as crianças ficam no local até completar 18 anos, como foi o caso de Gabriel Eduardo Phelippe Penna Firme, hoje com 22 anos.
O jovem é um dos antigos moradores do lar que não foi adotado, mas viveu grandes momentos no local. Gabriel relata que, apesar de passar a maior parte da infância com a família, ele se recorda que era um ambiente com brigas e “bebedeira”. Portanto, aos sete anos, ele e as irmãs, de 12 e quatro, foram encaminhados pela Justiça ao lar.
Gabriel afirma que no começo era desconfiado e tinha medo de conviver com tantas pessoas desconhecidas. Porém, o estranho virou irmão, e o medo virou amor. “Ensinaram a palavra de Deus para gente e isso é o principal ensinamento da minha vida até hoje. Deus nunca deixou de nos guardar e a gente viveu bem lá”, recorda.
Amor que vem do berço
Renan garante que o amor é o que move todos os trabalhos desempenhados dentro do lar, seja dos colabores ou voluntários. Ele revela que, desde a infância, os pais atuavam no local como padrinhos afetivos.
Com isso, ele cresceu com várias crianças do lar que eram “amigos irmãos“. Na juventude, virou voluntário. Já o convite para assumir a coordenação surgiu em 2010, quando trabalhava em uma multinacional.
“Na época, eu achava que não era hora, mas teve uma cena muito interessante que eu me lembro até hoje. Estava sentado na minha mesa do trabalho, frustrado, e olhando para fora vi um quero-quero que tinha feito um ninho na grama. Começou uma chuva de granizo muito forte, mas aquele quero-quero não arredou o pé daquele ninho, ele ficou o tempo todo lá, ali eu percebi: ele está no lugar dele, aí larguei tudo”, relembra.
Quando assumiu, Renan afirma que enfrentou grandes crises pessoais. Para ele, uma coisa é ser voluntário, outra é estar completamente imerso no dia a dia das crianças. “A gente tem essa responsabilidade com eles, no desenvolvimento deles, responsabilidade com as famílias das crianças, porque essas crianças não são nossas, são de uma família, a gente precisa ser o mais assertivo”, explica.
Ele diz que chegou a questionar se estava no caminho certo, mas, segundo ele, Deus lhe deu sabedoria e, após o primeiro ano, as coisas se tornaram mais fáceis. As próximas crises só voltaram com o nascimento dos filhos, em 2013 e 2015.
“Eu comecei a buscar e aprender mais sobre a importância da primeira infância e aí eu realmente compreendi que foi na primeira infância onde as nossas crianças foram violadas. Como resgatar isso que elas perderam? É possível resgatar? E aprendi que dá, auxiliando nessa mudanças de vida”, conta.
Lar Hermínia Scheleder precisa de ajuda
O serviço que o lar oferece é de competência municipal, portanto, a principal renda é a parceria com o poder público. Entretanto, Renan ressalta que é possível receber ajuda da população.
Uma das principais formas de ajudar é por meio da destinação do Imposto de Renda. Pessoas físicas e jurídicas podem destinar parte do IR Devido aos projetos ACP diretamente na declaração. Também é possível ajudar como voluntário e com doações em PIX, pelo CNPJ 75.125.765/0001-57.
Renan destaca que, atualmente, a principal necessidade são produtos de higiene e limpeza e alimentos não convencionais.
“Arroz e feijão é algo que nos doam muito. Inclusive, recentemente, doamos 600 kg de alimento para outra instituição. As pessoas não doam leite condensado, e nós fazemos doces para as crianças, as pessoas não doam ketchup e maionese, nossas crianças também gostam disso, entende?”, explica.
Para este tipo de doação, Renan conta que basta entrar em contato com a instituição para que eles possam orientar os interessados.
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