Exagero?

Mesária é impedida de trabalhar por usar camiseta de movimento feminista em Curitiba

Camiseta da polêmica. Foto: Arquivo Pessoal

“As pessoas precisam saber o que está acontecendo e como a nossa democracia está sendo ameaçada”, desabafou Cassia Bruel Moro, de 28 anos. Ela atuava, neste domingo (28), como presidente de uma seção eleitoral no bairro Bom Retiro, em Curitiba, quando foi ‘convidada’ a se retirar do trabalho por estar com uma camiseta usando a frase “lute como uma garota”. A decisão, que foi motivada por uma denúncia anônima, foi tomada pelo juiz eleitoral de plantão Lourenço Cristovão Chemim.

A situação aconteceu na Seção 128, da Zona Eleitoral 001, na Escola Municipal Mirazinha Braga, que fica na Rua Coronel João Guilherme Guimarães. Cassia contou que atua como mesária voluntária e participou de quatro eleições. “Neste domingo, usava a camiseta da “Puta Peita”, que é uma marca curitibana e que traz frases de representatividade feministas. Pela manhã, estava com um casaco que cobria parte da camiseta, tudo ocorreu normal”, detalhou.

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A jovem, que é designer, saiu para almoçar por volta das 11h e voltou meio-dia. “Logo que entrei na seção, uma mesária comentou que uma fiscal teria ido até nossa sala procurando por mim, querendo que eu trocasse a camiseta. Como ninguém veio atrás de mim, continuei trabalhando, mas às 14h fui surpreendida”.

Camiseta da discórdia. Foto: Arquivo Pessoal
Camiseta da discórdia. Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Cassia, um fiscal a chamou para o lado de fora da sala e lhe fez um pedido que lhe gerou repulsa. “Ele me pediu para que trocasse a camiseta, eu disse que não trocaria. Ele me perguntou se eu morava longe da escola e eu disse que não morava, mas que não era por isso que eu não trocaria e sim porque entendo a lei e eu não estava cometendo nenhum crime. Não estava me manifestando a favor de nenhum candidato”, explicou a mulher, completando que foi dispensada. “Me ofereceram até usar a camiseta do avesso ou que colocasse a blusa novamente, mas não aceitei. Se queriam me dispensar, que dispensassem então”.

Na seção eleitoral, Cassia contou que não teve nada formalizado. “Foi só um comunicado verbal, sem nada oficial. Pediram que eu fosse embora, eu fui. O único procedimento oficial que vai ser feito vai ser na ata, porque vai ser registrado, mas depois eu me surpreendi ainda mais ao saber qual tinha sido o motivo que levou o juiz a tomar a decisão”, disse.

Conforme o que soube Cassia, o juiz eleitoral de plantão Lourenço Cristovão Chemim, que fez o pedido de dispensa da presidente da seção, usou como argumento a comparação de que a jovem usava a mesma camiseta que a candidata Manoela D’Ávila (PCdoB), vice na chapa de Fernando Haddad (PT) à Presidência, usou em alguns momentos da campanha. “É uma camiseta que muitas mulheres passaram a usar, pelo que a frase representa. Depois até vi que ela já usou realmente, mas nem era da mesma cor e, ainda assim, não tinha nenhum tom partidário”, defendeu.

“Democracia ameaçada”

Ao chegar em casa, a história de que teria sido expulsa da seção eleitoral se espalhou e logo a situação veio a tona. “Confesso que ainda estou tremendo de raiva e também assustada com a repercussão toda. Me sinto muito injustiçada e temo o que pode acontecer porque isso é um risco à democracia”, desabafou Cassia.

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Segundo a jovem, durante o tempo em que permaneceu na seção, nenhum eleitor se manifestou contra a camiseta. “Até porque eu estava com o casaco por cima. Mas ainda assim passaram por mim muitos eleitores, alguns com camiseta e boné de Jair Bolsonaro (PSL), por exemplo, e ninguém falou nada. Desconfio que a denúncia não tenha partido de nenhum eleitor e sim de algum fiscal de partido”.

Cassia disse que, embora a frustração e a preocupação com o que pode acontecer com o país nos próximos anos, não tem muito que fazer. “Também não sei se vale a pena bater de frente com um juiz. No momento, me contento com a divulgação dessa história, porque é importante as pessoas saberem o que está acontecendo e como a nossa democracia está sendo ameaçada. Não adianta também eu decidir fazer algo sozinha, por mim. As pessoas precisam se unir e entender”.

O que acontece agora?

A assessoria do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TER-PR) confirmou a dispensa e disse que a decisão foi tomada depois que houve a recusa pela troca da camiseta. “O fato atendeu ao dispositivo que mesário não pode usar nenhuma peça que evidencie qualquer propaganda – implícita ou explícita – para qualquer candidato ou partido. E a frase está associada a um candidato”, reforçou a assessoria.

Segundo o TRE-PR, a decisão do juiz foi tomada em atendimento a denúncias de eleitores. O TRE-PR não informou o que pode acontecer com Cassia no âmbito da Justiça Eleitoral, mas, conforme está previsto em lei, por causa da dispensa, ela pode perder os benefícios de folga pelo dia de trabalho voluntário e também o desconto em taxas de concursos públicos.