Alegria Perdida

Dias das mães triste pra quem perdeu um filho em acidente de trânsito

O Fernando adorava cozinhar. Quando chegava o Dia das Mães, era ele quem providenciava o churrasco, das saladas às carnes. Música e cantoria temperavam a comida e participar das festas preparadas pelo jovem eram garantia de alegria e fartura. Tanto que o rapaz queria transformar o dom em ganha-pão; planejava abrir uma lanchonete ou restaurante. Alegria transbordava pelas janelas da casa da família, à margem da BR-116, em Quitandinha, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Mas já são 11

Dias das Mães que a balconista Denise Moura, 53 anos, não passa ao lado do filho mais velho. Aos 22 anos, Fernando morreu num acidente de trânsito no dia 25 de setembro de 2005. Ele e um casal de amigos voltavam de uma festa, quando outro veículo bateu de frente com o carro em que eles estavam, na BR-116, no trecho entre os municípios de Mandirituba e Quitandinha. Fernando, que era passageiro no carro do casal, e o motorista do outro automóvel morreram na hora.

Fernando morreu aos 22 anos num acidente de trânsito, voltando de uma festa, pela BR-116. Fotos: Felipe Rosa
Fernando morreu aos 22 anos num acidente de trânsito, voltando de uma festa, pela BR-116. Fotos: Felipe Rosa

A dor que Denise sentiu com tudo isso foi tão forte, que ela nunca quis saber exatamente como foi o acidente ou quem foi o culpado. Apenas acredita que algum dos motoristas envolvidos bebeu antes de dirigir e que o álcool possa ter influenciado na tragédia.

Denise diz sentir a alegria do filho, mesmo sem sua presença em casa. Foto: Felipe Rosa
Denise diz sentir a alegria do filho, mesmo sem sua presença em casa. Foto: Felipe Rosa

Telefonema

A família dormia, quando um tio do rapaz telefonou às 6h, pedindo para falar com Fernando. Denise foi olhar e não encontrou o filho na cama. Foi quando o tio – cunhado de Denise – disse que um acidente tinha acontecido e parecia que tinha sido com o Fernando.

O tio já sabia da morte, mas tentava achar uma maneira de dar a notícia à cunhada. Denise ainda tinha esperança de que poderia vê-lo com vida no hospital. Demorou para “cair a ficha”.

“Todas as festas da casa acabaram, o Natal acabou. Eu não conseguia comer, porque olhava pra comida e lembrava dele. Só me dava vontade de chorar. Fiquei fraca, não conseguia levantar da cama, não conseguia cuidar da minha outra filha, que engravidou um tempo depois e precisava da minha ajuda”, relata Denise, que passou anos assim. Até hoje mantém o quarto do filho montado, quase como era quando ele morreu.

Impulso pra recomeçar

Faz poucos anos que Denise começou a se reerguer e voltar a sentir alegria. “Uma senhora muito religiosa me falou: ‘Seu filho não está mais aqui de corpo presente entre nós. Ele continua apenas em lembranças, a alegria que ele deixou’. O que essa senhora falou me tocou muito. Rezei muito. Então entendi que tinha que começar a agradecer a Deus por ter convivido com aquela pessoa fantástica que era meu filho, mesmo que por tão pouco tempo. Ele era muito alegre, não queria me ver triste. Foi aí que eu voltei a ter alegria de viver. Ele está sendo a minha luz. Sinto a alegria dele, mesmo não tendo ele aqui”, comenta Denise.
Como era um rapaz de bem com a vida e cheio de amigos, o velório e o enterro de Fernando foram muito comoventes, com muitos jovens chorando. E a balconista dá um conselho a todos os motoristas, para que nenhuma mãe passe amargos Dias das Mães como ela vem passando: não misture álcool e direção.

“Vou ali pertinho, já volto”

Aparecida pede aos motoristas mais prudência no trânsito. Foto: Felipe Rosa
Aparecida pede aos motoristas mais prudência no trânsito. Foto: Felipe Rosa

José Alfredo, 30 anos, era vereador de Quitandinha. Em primeiro mandato, foi o quarto mais votado na cidade, pois era muito conhecido, tinha muitos amigos. Tinha esposa e dois filhos. E mesmo tendo sua casa, não deixava de ir tomar café da manhã com sua mãe todos os dias, entre 6h e 6h30. Mas no Dia das Mães de 2015, a professora e diretora da APAE de Quitandinha, Aparecida Fátima Machado, não tinha o que comemorar, mesmo tendo três filhos.

No ano anterior, no dia 22 de junho, ela perdeu José Alfredo num acidente. Era domingo. O vereador ia fazer um churrasco para um amigo. Já tinha comprado a carne e a cerveja. Quando voltava do mercado, outro amigo lhe telefonou, pedindo um favor. Queria que José Alfredo fosse buscar um cheque para ele. O vereador pegou a moto e foi. A filha pequena queria ir junto. Mas como era algo rápido e perto de casa, o vereador disse que ia de moto mesmo, rapidinho, e já voltava.

Quando trafegava pela BR-116, um carro saiu do acostamento e acertou em cheio a roda da moto, por volta das 9h da manhã. José Alfredo voou metros adiante e caiu no asfalto. Um caminhão que vinha no sentido oposto não conseguiu frear e passou por cima do motociclista, que morreu na hora.
Aparecida ficou paralisada com o telefonema que recebeu. José Alfredo morreu 10 dias depois do aniversário dela. A comemoração, dias antes, foi uma noite alegre. O filho foi buscá-la para comer pizza em família. As datas especiais seguintes, no entanto, foram difíceis. “Procuramos estar sempre juntos nas festividades, para nos fortalecermos”, diz Aparecida.

Mas toda essa união não foi suficiente para acalentar a professora no Dia das Mães de 2015. “Eu não queria ver ninguém. Eu queria ficar em casa, sem conversar com os outros filhos. Queria que eles entendessem que naquele momento o silêncio era melhor pra mim. É uma dor intensa, você não tem onde tirar forças. Estava faltando um pedaço de mim”, conta.

Neste último ano é que Aparecida está superando melhor a tragédia. Mas na base de idas ao psiquiatra, tratamento, antidepressivos e remédios para dormir. “Ainda não vivi o luto do meu filho. Quando falo, ainda tenho muito sofrimento. Só peço que os motoristas tenham prudência no trânsito, mais paciência, mais tolerância. Não beba, tenha cuidado com si próprio e com os outros”, suplica.