Dia dos Professores

De aluna a professora: aulas com Leminski inspiraram curitibana na escolha da profissão

Paulo Leminski
Foto: Arquivo

De cabelos longos, bigode grande, calça jeans surrada e livros nas mãos. É assim que a professora Léa Lélia de Paiva, de 70 anos, se recorda da primeira vez que viu Paulo Leminski, até então, seu novo professor do cursinho pré-vestibular. O ano era 1972 e a simplicidade do curitibano, misturada com a aura hippie que tinha, camuflavam o vasto conhecimento que, anos mais tarde, o tornaria uma das personalidades mais marcantes de Curitiba.

Há quase 50 anos, o dia 15 de outubro virou uma data que Léa compartilha com Leminski: o Dia dos Professores. Apesar desse artista múltiplo ter ficado mais conhecido como poeta, o curitibano atuou como professor e inspirou novos profissionais. Léa foi um destes casos.

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Em entrevista à Tribuna do Paraná, a professora formada em Letras conta sobre a inspiração que teve após o contato com Leminski. Na época, ela estava se preparando para fazer o vestibular e fazia aulas em um cursinho. Ela relembra que nos últimos dois meses do ano, parte do corpo docente deixou o cursinho para abrir um negócio próprio.

“O diretor ficou muito preocupado e saiu atrás de professores para substituir. Um dia nós estávamos lá e o diretor chegou com esse personagem maravilhoso. Ele chegou e eu cutuquei a minha amiga: ‘Nossa, mas de onde que ele pegou esse professor?'”, recorda.

Paulo Leminski
Paulo Leminski. Foto: Arquivo

Segundo Léa, na época, era comum ver professores usando terno e gravata. Ao ver que Leminski era completamente o oposto dos padrões, ela ficou surpresa. Contudo, um fascínio maior ainda surgiu quando ela descobriu a grandeza da sabedoria da tão conhecida personalidade curitibana.

A professora afirma que o poeta não era exigente, pelo contrário, era “na dele”. Porém, os livros pareciam apenas enfeites sobre a mesa, pois todo o conhecimento do “prof” vinha da própria cabeça.

Leminski deu aulas de história e redação para a turma de Léa. Segundo ela, eram quase 300 alunos. Como professora, ela sabe bem que nem sempre é fácil manter a atenção de todos, mas ela garante que ele tinha um dom especial.

“Quando ele falava, as pessoas prestavam atenção. Ele chegava com aquele jeitão e ia abrindo caminho no meio da piazada. Daqui a pouco estava todo mundo na dele. Ele chamava atenção, porque sabia muito”, afirma.

Léa diz que além da sabedoria do professor, a simplicidade dele foi algo que a encantou. Ela o descreve como uma pessoa simples no modo de viver, mas também ao ensinar. Segundo a professora, ele fazia o desafio de escrever uma redação se tornar uma deliciosa tarefa, sem complexidade.

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Profissão ‘escrita até nas estrelas’

Apesar de Léa já saber que queria dar aulas antes mesmo de conhecer o poeta, ela revela que os dois meses de aprendizados com ele marcaram a sua vida profissional para sempre.

“Ele chegou quase no final do ano, então imagino que era tipo novembro e dezembro, mas foram dois meses muito bons. Ele realmente foi um marco na minha vida, uma inspiração. Ele me ensinou que não importa de que jeito você esteja, que você se apresente, na hora que você falar, na hora que você começar a argumentar, a dizer a sua ideia, a gente se encanta”, declara.

Léa
Léa em uma oficina de poesia. Foto: Arquivo pessoal

Se o modo de Leminski encantou Léa, a paixão da professora pela licenciatura também encanta quem a escuta. Durante toda a entrevista, a professora estampou um sorriso de orelha a orelha ao falar sobre a profissão.

Além do modo de explicar e se expressar, a arte de lecionar está gravada até no destino de Léa. A educadora comenta que uma vez foi até um astrólogo e lá ouviu que todos os planetas se alinharam para que ela nascesse e se tornasse uma professora.

“Ele perguntou: ‘Você acredita em reencarnação?’. Eu falei: ‘Olha, eu ainda não pensei nisso”. “Minha filha, você vai vir mais três vezes como professora”. “Não acredito, vou ter que estudar tudo de novo?'”, brinca.

Os desafios de ser professora

Em 2022, Léa deixou as salas de aula. Desde 2003 ela dava aulas no Colégio Estadual do Paraná (CEP). Por mais que não tenha registrado nenhum problema direto durante os anos de profissão, colegas se queixavam e ainda se queixam sobre a dificuldade do dia a dia. Ela afirma que, de fato, a “profissão professor” não é muito valorizada e necessita de atenção há anos.

De acordo com dados da Secretaria de Estado da Administração (Seap), em 2024, mais de 10 mil educadores que atuam na rede estadual de ensino precisaram se afastar do trabalho para tratamento de problemas ligados à saúde mental.

“Eu acho que tem que fazer uma campanha geral e redescobrir o professor, porque o salário é tão baixo em relação aos outros cargos que, daqui a pouco, ninguém mais vai querer ser professor”, afirma.

Apesar dos problemas do ofício, Léa garante que não há nada que a encante mais que o chão da escola. “Não há nada igual a essa atmosfera de renovação, inovação e conhecimento. Tudo isso realmente me encanta demais”. 

Sobre Paulo Leminski

Nascido em 24 de agosto de 1944, em Curitiba, o poeta Paulo Leminski ficou conhecido por textos que misturam humor e trocadilhos. Entre as obras está ‘Catatau’, lançado em 1976. O livro levou quase dez anos para ser escrito e retrata um monólogo do filósofo René Descartes durante uma visita a Pernambuco no período holandês.

Leminski passou boa parte da infância e juventude no Mosteiro de São Bento, em São Paulo. No local estudou latim, filosofia, teologia e literatura clássica. Além de autor de biografias, também compôs músicas em parceria com cantores conhecidos, como Caetano Veloso.

Se casou com a poeta Alice Ruiz e com ela teve três filhos: Estrela, Áurea e Miguel. O casal manteve o relacionamento até um ano antes da morte de Leminski. O artista morreu em 1989 em Curitiba, devido a uma cirrose hepática. 

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