Todo sábado, às 6h30, um grupo de mulheres se encontra no Parque Náutico, no bairro Boqueirão, em Curitiba, para um treino de corrida de cinco quilômetros. O comando “Corram, lindas” virou incentivo e identidade para as integrantes do Corre Lindas.
O grupo já reúne mais de 600 mulheres em um chat de mensagens. A proposta vai além da prática esportiva. O objetivo, que levou Ana Paula Alves Ferreira a criar a iniciativa há dois anos, é formar uma comunidade voltada ao bem-estar e à saúde física e mental de mulheres com trajetórias parecidas com a dela.
A ideia nasceu do desejo de Ana Paula de compartilhar sua experiência após eliminar 23 kg. “Quando já tinha perdido 15 kg, minhas amigas me perguntavam ‘o que você fez?’ na esperança de uma fórmula mágica. Eu compartilhava os contatos das assessorias de corrida e do nutricionista, mas queriam entrar em contato e nem entendiam a importância disso”, relembra.
Nos primeiros encontros, apenas Ana, sua irmã Ingrid Igeski e duas amigas se revezavam em treinos funcionais feitos em casa. Pouco a pouco, entre convites e indicações, a rede cresceu e logo alcançou 40 mulheres, marcando a data fixa no calendário para os treinos coletivos.
Desde janeiro, a expansão se intensificou, impulsionada pelos relatos compartilhados e pela presença nas redes sociais. O que começou como encontros esporádicos virou uma comunidade que fala de saúde, negócios e oportunidades, sempre com esperança e determinação.
Quando não se reúnem no Parque Náutico, as corredoras treinam em São José dos Pinhais, com saída da loja Boutique Corre Lindas, inaugurada por Ana Paula. Em outras ocasiões, também exploram trilhas da Região Metropolitana, como no Pico Paraná. “A nossa força é coletiva. Hoje, somos um grupo para tudo”, resume.



Corrente de influência
A corrida entrou na rotina de Ana Paula em 2022. Na época, ela queria perder 6 kg para fazer uma cirurgia plástica e intensificou os treinos que já conciliava com academia e muay thai. A inspiração veio de uma amiga, que postava fotos das conquistas na corrida.
“Eu estava tentando emagrecer, mas não estava me encontrando. Uma amiga minha sempre compartilhava que estava correndo na praia e me chamava, mas nunca aceitava. Quando vi uma foto, pensei ‘eu poderia tentar correr, quem sabe?’ Foi quando mandei uma mensagem para ela e ela me mandou áudios enormes me explicando como começar”, conta.
Nos primeiros treinos, Ana foi acompanhada pelo marido e pela amiga. Logo, a corrida virou prioridade, substituindo outras atividades. “Eu tive que escolher, porque o muay thai acaba lesionando muito. Escolhi a corrida e comecei a ir às provas.”
A estreia nas ruas foi na The Hardest Run. “Minha amiga me apresentou para todos os conhecidos na prova dizendo ‘é a primeira corrida dela’. Fui recebida com abraços e incentivos, até parecia que os corredores não eram curitibanos”, lembra.
O acolhimento motivou Ana a influenciar pessoas próximas. A primeira foi sua irmã, Ingrid, que começou a correr em 2023. “Nas provas, as pessoas que nem me conheciam me desejando boa sorte foi o que me fez querer isso. A energia da corrida é contagiante. Ninguém se acha melhor que ninguém, é muita humildade”, relata.

Metas batidas
Com o aumento do grupo, vieram os desafios coletivos: 15 dias sem açúcar, 30 dias de receitas saudáveis, 45 dias sem fritura. Aos poucos, os encontros se tornaram frequentes e os treinos passaram a ser fixados aos sábados.
“Não tínhamos encontros sempre, tanto que até mandamos fazer uma medalha como se fosse a nossa própria corrida quando a gente se encontrava. Depois de um tempo, foram entrando várias mulheres e começamos a marcar treinos todo sábado. Começou com dez encontros, mas outras meninas foram entrando durante esse período e pediram para não parar”, explica.
Mesmo sem a presença de Ana, os treinos acontecem. Primeiro, um aquecimento coletivo. Depois, cada uma percorre o trajeto no próprio ritmo, correndo ou caminhando. “Não colocamos meta. Isso é uma responsabilidade e o nosso objetivo não é desafiar ninguém ao limite. Todas têm liberdade de fazer na velocidade que quiserem para terminar o percurso”, afirma.
O encontro termina em um café da manhã, sempre acompanhado de conversas. Uma vez por mês, as empreendedoras do grupo têm a oportunidade de apresentar seus negócios nesse bate-papo.. “É um momento nosso. Até brinco com meu esposo: não me ligue. Se alguém estiver morrendo, ligue para o Samu que o que eu puder eu resolvo depois”, diverte-se Ana.
De corredoras para maratonistas
De 2022 a 2025, Ana já concluiu provas de 5, 10, 15, 21 e 42 km, todas comemoradas junto ao grupo. “Ao compartilhar uma conquista com quem não entende o sofrimento e o quanto você se dedicou para chegar até ali, a pessoa não entende. Isso é o bacana da nossa comunidade. Estamos todas na mesma vibe”, diz.
A paixão compartilhada também incentiva outras integrantes do grupo a passar de corredoras para maratonistas. Cada conquista é celebrada com um “batizado” que inclui faixas personalizadas.

Para que mesmo aquelas que estão apenas começando, sem a ambição imediata de se tornar maratonistas ou de seguir como atletas, possam viver a emoção de concluir uma prova e celebrar essa conquista de forma coletiva, um dos próximos objetivos da comunidade é organizar sua própria corrida.
“Sempre falamos ‘rumo aos 4 mil’. Quando conversei com a Prefeitura essa foi a meta estipulada para que pudéssemos ter uma corrida Corre Lindas. Nossa corrida será para todos, inclusive para homens também”, revela Ana Paula.
Força coletiva
Recém-saída dos 42 km da maratona de Florianópolis, no domingo (31), Ana já tem um novo compromisso: acompanhar a irmã Ingrid, que estreará nas maratonas no fim do ano em Curitiba.
“Foi ela quem me incentivou. A corrida representa que eu posso todas as coisas, basta que eu treine e me empenhe para isso. O grupo é um reflexo dessa multiplicação. A Ana mudou de vida e isso transbordou em mim da mesma forma que transborda em outras hoje”, afirma Ingrid.
Para Ana, a comunidade é resultado de uma transformação profunda. Hoje, a corrida extrapola os limites da atividade física. Nas palavras dela, correr não é mais somente um exercício: o cansaço do corpo é reflexo de uma mente renovada.
“O grupo mudou totalmente a minha vida. Meu foco é outro e minha vida gira em torno da corrida. Hoje sou estudante de educação física, com sonho de seguir nessa área, e administro uma loja de roupas fitness. A corrida é uma porta aberta para todos”, conclui.



