Bem estar

Coletivo de Curitiba luta para combater pobreza menstrual, que afeta 4 milhões de brasileiras

Pobreza menstrual não pode ser um tabu e precisa dos cuidados e atenção de todos. Foto: Freepik

Você está vivendo sua vida e, de repente a menstruação vem, D-O N-A D-A. Aí você percebe que não tem nenhum absorvente na bolsa e tem que “deixar rolar” até que consiga um. “Justo hoje que eu tô de roupa branca”, você pensa. E passa as próximas horas preocupada se a sua calça está manchada. Às vezes nem precisa chegar a esse ponto. Basta o esforço de administrar a bomba hormonal que transforma suas emoções numa montanha russa, para que alguém pergunte: “tá naqueles dias?”. Se você é mulher, certamente já passou por essa situação chata, porém administrável.

Se pra nós, que temos acesso a itens de higiene em qualquer farmácia, esse momento pode se tornar bastante delicado, há quem enfrente o período menstrual sem recurso algum. E, por incrível que pareça, essas mulheres estão mais próximas do nós do que podemos imaginar.

Foi o que descobriu a fotógrafa Drika Rebicki, há dois anos, quando sua filha a contou que uma das coleguinhas do colégio não estava frequentando as aulas porque “tinha virado mocinha”. “Minha filha disse que a amiguinha sofria por não ter quem a ajudasse e já tinha passado por situações vexatórias na escola por não ter absorvente pra usar. Pra mim foi um misto de surpresa e indignação. Como alguém na sociedade atual ainda enfrenta problemas assim?”, relembra. Pesquisando então sobre o assunto foi que ela descobriu o termo “pobreza menstrual“, da qual jamais ouvira falar.

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Caracterizada pela falta de acesso a recursos e instrução para que administrem o próprio período menstrual com dignidade, a pobreza menstrual é um problema que pode levar a consequências mais graves que roupas manchadas. Segundo dados divulgados em maio de 2021 pelo Fundo das Nações Unidas pela Infância (Unicef), no Brasil, 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiros os chuveiros em casa  mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas.

Normalmente o problema afeta meninas e mulheres que vivem em condições de extrema pobreza e vulnerabilidade em contextos urbanos, rurais e penitenciários, por vezes sem acesso a saneamento básico, higiene ou conhecimento do próprio corpo. Segundo o levantamento, quase 200 mil brasileiras em idade escolar não possuem condições mínimas para cuidar da sua menstruação nas escolas. Outras 900 mil vivem em residências sem água encanada.

Os dados alarmantes chamaram a atenção de fotógrafa que, por meio das redes sociais, descobriu que – assim como ela – muita gente desconhecia essa triste realidade. “Fiz enquetes no meu perfil do Instagram e contatei que, de fato, as pessoas não fazem ideia desse problema, que é grave e prejudica de forma irreversível a vida de muitas mulheres todos os anos”, diz.

Coletivo Igualdade Menstrual

Decidia a contribuir de alguma forma com a causa, Drika procurou autoridade políticas para debater o tema. Nada foi feito. “Procurei a Câmara Municipal e apresentei a situação. Eles ouviram e aparentemente até entenderam, mas nada aconteceu. Por isso, decidi começar a arrecadar itens de higiene por conta própria, com a ajuda de amigos”, relembra.

E o que começou com o desejo de ajudar, logo virou projeto de vida. Assim nasceu o Coletivo Igualdade Menstrual, cujo foco é acessar mulheres em pobreza menstrual, com a proposta de instruir e oferecer recursos para que possam administrar a higiene durante o ciclo. O projeto atende Curitiba e Região Metropolitana (RMC) e já foi responsável pela doação de mais de 20 mil absorventes em penitenciárias e comunidades carentes de Curitiba e municípios vizinhos.

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“Eu aprendi rapidamente sobre menstruação na escola e em casa. Minha mãe me ensinou como lidar com isso. Mas vi que muita gente não tem entendimento nenhum sobre esse assunto e, por isso, junto com as doações, começamos a promover rodas de conversa e palestras pelas comunidades, com o objetivo de instruir essas mulheres”, explica.

A trajetória pelas ruas mostrou que, ainda mais grave que a desinformação, é o risco que muitas mulheres correm ao usarem itens inadequados como meio de conter o fluxo. “Nos presídios descobri que tem mulheres que usam pano de saco, papelão, trapos velhos e até miolo de pão no lugar do absorvente. Isso é muito sério porque pode comprometer a saúde dessas mulheres de forma irreversível com infecções graves e, nos piores casos, até a morte”, explica.

Pensando nisso e também na carência por infraestrutura como torneiras, chuveiros e encanamento, o Coletivo Igualdade Menstrual passou a arrecadar também coletores menstruais, que podem ser facilmente reaproveitados. Ao todo, o grupo já distribuiu mais de 600 coletores. “O coletor menstrual tem a vantagem de não necessitar de muita estrutura para ser descartado. Basta uma pia para lavar e pronto”, explica.

Preconceito x Prejuízo

Menstruar é normal. Acontece com todas as mulheres, todos os meses. Sempre foi assim. Desde sempre. Segundo Drika, o fato da menstruação ter ganho status de sujeira, sendo vista como digna de repulsa e figurando entre os assuntos proibidos da sociedade, torna a questão da pobreza menstrual mais preocupante do que parece.

“A desigualdade de gênero é a maior barreira para a igualdade menstrual. Nossas necessidades básicas não são tratadas como tal. Camisinhas, por exemplo, tem em todo lugar, mas absorvente não. Nada do que é direcionado pra mulher é levado tão a serio. São soluções que já deveriam ter sido pensadas há muito tempo, mas como são voltadas para a mulher, são consideradas supérfluas”, pondera.

Segundo Drika a “normalização da menstrução” começa a partir de políticas públicas de inclusão, instrução e acesso logo na educação infantil. “É preciso que os homens entendam que a menstruação é normal. Que dêem fim ao uso de termos pejorativos ou o deboche já nas escolas. Tem meninas que, de fato, não frequentam as aulas por receio de virarem motivo de piada caso algum ‘acidente’ aconteça e isso prejudica não apenas a vida escolar, mas todo o futuro da estudante, já que a põe em desvantagem”, afirma.

O problema não é só aqui. Segundo estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada dez meninas no mundo costuma faltar a escola durante a menstruação por não ter condições de comprar absorventes.

E segundo levantamento recente divulgado pela marca Always, quase metade delas tentam esconder que o motivo da ausência foi a falta de recursos e 45% acreditam que o problema afetou negativamente seu rendimento escolar. “São danos irreversíveis que, mais pra frente, trarão consequências graves a essas meninas que estarão em clara desvantagem no mercado de trabalho”, pondera Drika.

O jeito é dar um jeito

Se contar com o poder público, até agora, não está dando certo, o jeito é contar com a boa vontade das pessoas. Felizmente a sociedade abraçou o Coletivo Igualdade Menstrual que hoje conta com a ajuda de doadores individuais e também empresas. Segundo Drika, a normalização menstrual começa a partir da exposição e da discussão do tema, ação que o projeto viabiliza por meio de palestras e também pelas redes sociais no perfil @igualdademenstrual, no Instagram.

Com planos de expandir o projeto por todo o Estado, o grupo já tem convites para visitas em Londrina e Maringá, que devem acontecer nos próximos meses. Para tanto, custos básicos como transporte e hospedagem são alguns dos quais Drika precisa de ajuda para pagar.

Por isso, se você se interessou pela causa ou deseja, de alguma forma, ajudar (inclusive com doações), o pix do Coletivo é a chave 05001983908. Ou entre em contato por mensagem direta no @igualdademenstrual.

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