Quando você passa a conviver com a ideia de que a vida é algo finito, ou seja, as pequenas coisas ganham mais valor e cada passo a frente é mais uma oportunidade de protagonizar a própria vida. É diante dessa realidade que, há mais de 100 anos, a Associação Socorro aos Necessitados atua em Curitiba tornando protagonistas aqueles que a sociedade fez coadjuvantes dentro das próprias histórias: idosos em situação de vulnerabilidade. Atualmente, 120 homens acima dos 60 anos vivem sob o teto do Lar dos Idosos Recanto do Tarumã, local que é mantido pela instituição.
Para além dos números, em cada corredor estreito que dá passagem para os quartos você é convidado a ouvir dezenas de histórias marcadas por traumas, vícios, medos e, até mesmo, saudade.
>>>> Nesta quarta-feira (17) parte da renda obtida com a venda de jornais impressos da Tribuna será destinada à Associação Socorro aos Necessitados no projeto Tamo Junto Com… Esta é a quarta edição do projeto, que na outras edições abraçou a Acridas, a FEPE e a Irmandade Betânia. Relembre!
O idoso mais velho do lar é Ântônio Virmond, de 99 anos. Recentemente, ele virou assunto em sites de notícia ao realizar o sonho de conhecer as Cataratas do Iguaçu, em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná.
A história repercutiu em todo o estado e, felizmente, chegou aos ouvidos de quem mais precisava: os filhos. Na terça-feira (16), Elio e Elizabeth reencontraram o pai após anos de procura. Elio, o caçula, conheceu o pai aos 62 anos.
Segundo os filhos, a emoção do encontro foi inexplicável e, diante de tanto afeto guardado, não há espaço para remoer dores do passado.

Elizabeth mora no Mato Grosso do Sul e com a surpresa do reencontro afirma que os irmãos vão reorganizar a vida para manter a família unida, respeitado os laços que o pai criou dentro da instituição ao longo dos últimos 15 anos.
“Aqui é maravilhoso. Se eu fosse uma pessoa bem estabilizada, eu dava uma certa quantia para nunca acabar esse lugar aqui”, afirma Elio.
De colega de quarto a irmão
Outro membro dessa ‘grande família afetiva’ que vive no lar é Manoel dos Santos Barros.
O curitibano de olhar marcante e passo firme tem 83 anos e vive no local há 15. Ele conta que o motivo de sua “hospedagem” é porque, em suas palavras, nunca ninguém fez nada por ele. O senhor que já serviu o exército e trabalhou em hotéis fora da capital, não tem filhos, e hoje convive com a felicidade dos encontros que o acaso lhe oferece dentro da instituição.

Um destes presentes da vida foi um colega de quarto, conhecido como Marcelinho. Manoel garante que ele não era apenas um amigo, mas um “amigo irmão”. O idoso se recorda que, diante das dificuldades que o colega tinha, ele o ajudava em tudo que podia, dando comida, auxiliando no banho, ensinando boas práticas de higiene e, até mesmo, dando dicas de como descobrir se políticos eram corruptos ou não pela televisão.
Manoel conta que o amigo morreu no dia do Natal, em 2020, aos 86 anos. Já se passaram quase cinco desde que Marcelinho faleceu, mas a memória ainda vive nos pequenos detalhes. “Ele foi o irmão que eu não tive. Ele tinha o pé torto, sabe? Eu estou com saudade até daquele pé torto”, brinca.
Arte que move
Para manter os idosos entretidos, o Lar dos Idosos Recanto do Tarumã oferece diferentes oficinas aos residentes. Manoel é um artista nato. Aproveita o dia para desenhar paisagens a lápis como ninguém. Tudo com muita cor e cheio de vida, assim como ele.
Uma alternativa que ele encontrou para matar a saudade do amigo foi fazer desenhos com fotos de Marcelinho. Os quadros estão por todo o quarto que ambos dividiram por anos.
Ele brinca que hoje o local é seu museu particular. Há duas semanas, o outro idoso que passou a dividir o quarto com Manoel, após a morte de Marcelinho, também faleceu.

Apesar das perdas, o idoso diz não ter medo da morte e vive um dia de cada vez. Para ele resta apenas esperança de reencontrar uma irmã que ele não tem notícias há 40 anos, chamada Ana Paula.
Ele afirma sentir falta dela, pois ela também é artista e “das boas”. “Uma vez eu vi o primeiro trabalho dela, maravilhoso. Se eu ganhasse na Mega-Sena eu comprava”, garante.
Qualidade de vida em primeiro lugar
Quem acompanha diariamente a rotina dos 120 idosos é Jocelia Pires Lopes. Dos 104 anos da instituição, ela trabalha há 25, sendo 17 como assistente social. Ela é considerada a colaborada mais antiga da associação.
Segundo a assistente, o que a mantêm motivada a trabalhar na Associação Socorro aos Necessitados ao longo de duas décadas é o sorriso estampando no rosto de cada idoso ao receber atenção e o cuidado que merecem. Ela relata que é gratificante poder conquistar um bem maior por meio do trabalho.
“As pessoas pensam que aqui é um ‘depósito de velho’, mas você chega e vê que não é. Aqui nós preparamos eles para a velhice, para as doenças, sempre fazendo nosso melhor. A maioria dos casos aqui é por negligência familiar”, conta.
Um dos moradores do lar que está há mais tempo no local é Mauro Feliciano, de 65 anos. Ele é natural de Pernambuco.

Ainda quando criança, Mauro foi diagnosticado com paralisia infantil, doença também conhecida como poliomielite que tem como umas das consequências a atrofia muscular. Desde então, ele necessita de cadeiras de rodas para se locomover.
Mauro conta que ficou órfão aos cinco anos e sempre viveu em instituições. Até os 18 anos, morou em um orfanato no bairro Campo Comprido. Ao atingir a maioridade, ele foi para Paranaguá, no Litoral, onde morou em um internato. Em 2001, ele passou a viver no Recanto Tarumã onde está até hoje.
Com carinho, Jocelia diz que Mauro é um dos seus 100 filhos.
Lar precisa de ajuda! Saiba como colaborar
A instituição conta com mais de 100 colaboradores que atuam em prol dos idosos. Os profissionais se dividem entre saúde, limpeza, cozinha, lavanderia, portaria, recepção, serviço administrativo e música terapêutica.
Para arcar com os gastos que o lar demanda, Jocelia explica que o local sobrevive por meio de vendas do bazar de roupas usadas promovido pela instituição, verba da Prefeitura de Curitiba e doações de pequenas e/ou grandes instituições.
Entre os maiores gastos diários do lar estão: fraldas geriátricas, leite e café. Interessados em colaborar na manutenção do trabalho da instituição podem ajudar com doações via PIX. A chave de transferência é o CNPJ da instituição: 76.614.379/0001-91.

Associação Socorro aos Necessitados
A Associação Socorro aos Necessitados surgiu em 1921, mas a atual sede do Lar dos Idosos foi inaugurada em 1º de setembro de 1967, ou seja, há 58 anos. Antes de se tornar um recanto, o local era um quartel.
Diante da antiguidade da estrutura, o lar também precisa passar por reformas, como no telhado e na parte elétrica. Jocelia afirma que quando chove, eles tentam consertar, mas é difícil, pois são muitas telhas que precisam ser trocadas.
“Tem a estrutura, tem os pisos que não são antiderrapantes, que a vigilância exige, a gente tem uns que não têm piso. Então sempre tem que estar fazendo manutenção e é o que mais exige”.
Independente do valor, a assistente ressalta que cada doação é importante e ajuda a manter o trabalho vivo e a transformar idosos em situação de vulnerabilidade em protagonistas das próprias vidas.
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