Cumprir a palavra

Não estamos precisando de invenções. Estamos precisando cumprir nossa palavra. Mais ou menos assim o presidente Lula deixou escapar num de seus discursos pelo interior de Goiás, onde esteve na quarta-feira que passou. Empolgado, como sempre, o presidente tentou aumentar a fé e elevar a auto-estima dos brasileiros e, também como sempre, distribuir ensinamentos. Foi – convenhamos – muito interessante ouvir de Lula acerca de sua disposição de corrigir eventuais erros, como o que acabava de lhe ser apontado pelo governador goiano, Marcos Perillo, de que a mudança dos critérios da cobrança da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins está encarecendo o preço da cesta básica. Governar é também reconhecer erros, diria com outras palavras o presidente.

Lula falou de outras coisas, o desemprego inclusive, lembrando como “levitou” no dia em que vestiu o macacão de uma metalúrgica depois de longo tempo sem trabalho. Teve até outra recaída ao desancar o verbo sobre os planos econômicos de governos que o antecederam, o Real inclusive, sem esquecer os planos Cruzado do ora “companheiro” José Sarney, Verão, Bresser e Collor… Mas a frase que ficou foi essa de que o Brasil está precisando que os governantes cumpram a sua palavra. Curiosamente, enquanto assim dizia, Lula era duplamente derrotado no Senado Federal, que derrubava a medida provisória editada às vésperas do Carnaval, proibindo bingos e caça-níqueis em todo o território nacional, e instituía comissão para rever o texto da medida que estabeleceu o salário mínimo.

Nos dois casos, o problema tem a ver com o cumprimento de promessas. A questão dos bingos é famosa por representar a fuga do governo do PT diante de seu próprio fantasma. O partido sempre propugnou pela ética, foi implacável no ataque a episódios ligados à corrupção em outros governos, prometia em todas as campanhas uma nova era ética e moral. Quando explodiu o caso Waldomiro Diniz, auxiliar direto do ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, com quem mantinha longa história de relacionamento e chegou a morar sob o mesmo teto, o governo cometeu seu erro maior: em vez de partir para a investigação de tudo quanto sugeriam as gravações tornadas públicas, nas quais o ex-assessor parlamentar pedia recursos da jogatina para candidatos do PT e, de sobra, exigia um percentual para o bolso próprio, fez como avestruz. Enterrou a cabeça na areia, fingindo nada existir de errado, colocou todo mundo a trabalhar para evitar a investigação e fez como o marido traído da história do sofá: fechou os bingos.

O descumprimento da promessa de uma nova era ética e moral terminou custando caro. Nos casos que vinham sendo submetidos à Justiça e, agora, no Congresso, o governo perde fragorosamente, deixando a impressão de que a pouca autoridade que detinha esboroou-se na consideração de meras preliminares: o fechamento de bingos que funcionavam a dez ou mais anos e contribuíam para os cofres do governo não era assunto nem urgente, nem importante. Como se isso já não fosse o bastante, também a análise da medida provisória que estabeleceu o novo salário mínimo ficou na mão das oposições, que fazem questão de não esquecer de outra importante promessa: a dobra do valor do salário mínimo em apenas quatro anos. Quase pacau de bico.

Existem outras palavras empenhadas na fila das que aguardam cumprimento e vale a pena destacar a da geração de empregos que, se cumprida, tiraria a força desse outro debate momentoso acerca do rombo previdenciário creditado à conta do salário mínimo vinculado (mas, se desvincular, para que salário mínimo?). Lula, que até pouco tempo gabava-se de ter operado a reforma previdenciária, é incapaz de perceber que tudo continua como antes. Ou, para dizer a verdade, pior. Foi apenas um remendo mal feito. Mas o remendo previdenciário é apenas um detalhe. Ainda há tempo e Lula pode, de fato, estar com as melhores intenções ao lembrar que o que falta no Brasil é governante cumpridor da palavra empenhada. Dele, que empenhou diversas, esperemos ainda um pouco.

Voltar ao topo