Crítica ao relatório do FNT e a necessidade da união do movimento sindical

No dia 7 último, o Ministério do Trabalho e Emprego entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o relatório final da Comissão de Sistematização derivado do Fórum Nacional do Trabalho e constituído das propostas de alterações na Constituição Federal e na legislação do trabalho (CLT e legislação complementar). Os resultados estão subdivididos em quatro partes: Conselho Nacional de Relações do Trabalho, Organização Sindical, Negociação Coletiva e Sistema de Composição de Conflitos. A esse conjunto de questões se tem denominado de reforma sindical, uma vez que a organização sindical é o centro vital a ser atingido. A próxima etapa será o envio ao Congresso Nacional da emenda constitucional e dos projetos de lei derivados das propostas do FNT.

Posicionamento do Ministro

Segundo o ministro Ricardo Berzoini “toda a concepção do Fórum buscou uma proposta que supere a lógica dos sindicatos com baixa representatividade, que vive de contribuições compulsórias e que tem no monopólio da representação o único instrumento de sua manutenção. Acredito que o consenso no Fórum vai acelerar a tramitação da matéria no Congresso Nacional. Essa proposta é uma construção coletiva de governo, trabalhadores e empregadores e representa um avanço real para a estrutura sindical no Brasil, principalmente para o processo de contratação coletiva e sustentação financeira das entidades sindicais.” (fonte: MTE)

As primeiras dificuldades

Entretanto, surgem as primeiras dificuldades que podem embaraçar os planos do Ministério do Trabalho e Emprego, entre outras, a saber (1) parte dos parlamentares quer a tramitação da reforma sindical juntamente com a proposta de reforma trabalhista (2) a inconveniência política de debater a questão sindical em um ano eleitoral (3) as inúmeras divergências dos parlamentares sobre as alterações propostas (4) a resistência das Confederações e Federações dos Trabalhadores e de grande número de sindicatos às mudanças anunciadas (5) a necessidade de se rediscutir pontos controvertidos na base sindical, defendida por lideranças políticas (6) a exclusão nos debates finais de entidades representativas dos advogados trabalhistas, magistrados e procuradores do trabalho e de outras entidades interessadas na questão sindical. Por isso, a tendência principal é de que, mesmo que os projetos de emenda constitucional e de lei complementar sejam enviados ao Congresso Nacional, a tramitação da matéria somente ocorreria em 2005.

A organização sindical hoje

Atualmente, há um sistema sindical simples (1) igual para empregados e empregadores (2) por categorias econômicas e profissionais (3) uma só entidade representativa da categoria (4) a personalidade jurídica da entidade é adquirida por decisão do Ministro do Trabalho, com recurso ao Judiciário (5) o sindicato é a base de sustentação de todo o sistema (6) o sindicato representa e negocia por todos os trabalhadores, associados ou não (7) há um amplo sistema de negociações coletivas, resultando em milhares de convenções e acordos coletivos de trabalho (8) os sindicatos detêm o poder da negociação coletiva, mas as federações, confederações e centrais sindicais podem participar legalmente (9) a sustentação financeira é baseada em apenas um dia de salário de cada trabalhador e de um valor fixado para cada empresa dependendo de sua estrutura, além de taxas derivadas dos benefícios das negociações coletivas (10) os estatutos são livremente formulados pela assembléia geral, mas suas alterações sofrem o crivo do Ministério do Trabalho (11) as Centrais Sindicais, embora não reconhecidas constitucionalmente, são admitidas na estrutura de representação sindical e na negociação coletiva com o empresariado e com os governos federal, estadual e municipal (12) trata-se de um sistema democrático, onde o trabalhador pode se filiar ou não ao sindicato (13) nas eleições, podem se inscrever quantas chapas os associados constituírem, sem limitações (14) as Confederações e Federações representam as categorias profissionais e econômicas, formando um sistema igualitário (15) o sistema está comprovadamente testado e aprovado, mas poderá sofrer reformas, para a sua melhoria, como seu controle financeiro, regras mínimas estatutárias, formação de um conselho tripartide (governo, empresários, trabalhadores) para disciplinar o sistema de registro sindical, entre outras medidas.

A proposta do Fórum

A proposta do Ministério do Trabalho e Emprego desconstitui totalmente este sistema (1) inverte a base de sustentação do sindicato para as Centrais (2) cria sistemas diferentes para trabalhadores e empregadores (3) cria entidades filiadas a uma Central e entidades autônomas (4) cria sindicatos com re-presentação exclusiva e sindicatos derivados (5) restabelece o estatuto-padrão sob controle do Ministério do Trabalho (6) cria o Conselho Nacional de Relações de Trabalho que passa a ser um superpoder sob controle das Centrais, Confederações de Empregadores e do Ministério do Trabalho, excluindo a representação de base e a representação autônoma sindical (7) o sindicato dos trabalhadores não detém o poder da negociação, a Central Sindical pode intervir e/ou estabelecer os instrumentos normativos de nível superior aos quais estarão subordinados os sindicatos (8) o conflito inter-sindical poderá inviabilizar a negociação coletiva (9) o poder normativo da Justiça do Trabalho é substituído pela arbitragem judicial pública, o que significa alterar a competência constitucional da Justiça do Trabalho (10) a composição extrajudicial será realizada com assistência sindical, sem a obrigatoriedade da presença do advogado, entre outras medidas.

O processo de desconstituição

Esta exemplificação simplificada, tipo be-a-bá, por evidente que é totalmente insuficiente para uma análise detalhada e cuidadosa de todas as implicações da proposta da comissão de sistematização do Fórum Nacional do Trabalho que leva ao processo de desconstituição, fragmentação, diluição, enfraquecimento e cisão do movimento sindical dos trabalhadores brasileiros. As Centrais Sindicais incorrem em um erro elementar, a saber: a entrada desses mega-organismos horizontais em um sistema vertical e unitário é a principal questão a ser colocada e não o domínio das mesmas sobre o sistema. Essa tática equivocada das Centrais levará a um profundo retrocesso na organização e conquista dos direitos e benefícios dos trabalhadores. Mais grave ainda o erro: cria sistemas diferenciados entre trabalhadores e empregadores. O governo do Presidente Lula, o Congresso Nacional e o povo brasileiro não merecem esta equação neste momento de grandes dificuldades em que todas as nossas forças sociais e entidades sindicais são convocadas na luta contra a fome, o desemprego, o analfabetismo, a concentração de renda e a exclusão social.

A reforma possível

A reforma sindical necessária, neste momento político em que o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva necessita de todas as forças sociais – dos trabalhadores e dos empregadores – significa (1) o reconhecimento constitucional das Centrais Sindicais (2) sua admissão no sistema sindical atual, sem desconstituí-lo (3) o direito das Centrais Sindicais – que de fato já o têm – de representação político-sindical de nível superior perante o governo federal (4) a regulamentação do sistema de registro sindical, sob controle do Ministério do Trabalho, entidades dos trabalhadores (Centrais e Confederações) e dos empregadores (Confederações) (5) regulamentação do sistema de arrecadação financeira via taxas negociais das negociações coletivas (6) regulamentação básica de normas estatutárias relativas a processo eleitoral, período de mandato e controle financeiro (7) organização sindical no local de trabalho. Estas medidas tornariam o movimento sindical dos trabalhadores fortalecido, unificado e coesionado em torno das medidas do governo federal de luta contra o desemprego, pelo crescimento econômico e pela igualdade social.

Inexistência de consenso

Entretanto, a proposta entregue ao Presidente Lula, constante do relatório final do Fórum Nacional do Trabalho, ao contrário do que se propala, não é consensual do movimento sindical dos trabalhadores e dos empregadores, mas sim uma proposta derivada de idéias de membros da comissão de sistematização, sem levar em consideração o que foi decidido majoritariamente nas Conferências Estaduais do Trabalho. Esta proposta somente ocasionará uma profunda crise na organização dos trabalhadores, no atual movimento sindical e nas relações capital-trabalho, com conseqüências imprevisíveis.

Dois momentos da reforma

Tenho defendido, assim, dois momentos da reforma sindical. O primeiro, a imediata integração, por uma emenda constitucional apoiada por cem por cento do movimento sindical e partidos políticos, das Centrais Sindicais na estrutura sindical atual. O segundo, o estudo das reformulações legais imediatas, a serem implantadas, acima elencadas, com amplo apoio do movimento sindical, sem alterar a estrutura vigente, através de medida provisória. Ao mesmo tempo, o estabelecimento de um conselho tripartide (governo, empresários e trabalhadores) junto ao Ministério do Trabalho, de trabalho permanente, para formular as medidas necessárias a ampla integração das entidades sindicais no esforço do governo do Presidente Lula para as propostas sociais que beneficiarão a classe trabalhadora e o conjunto da população.

E as propostas do Fórum?

Perguntarão os que defendem as idéias constantes da proposta constante do relatório do Fórum Nacional do Trabalho, como poderão ser examinadas? Minha resposta é também em dois momentos. O primeiro, a formulação de textos legais que possam ser repassados ao movimento sindical e entidades da Advocacia, do Ministério Público do Trabalho e do Judiciário do Trabalho, com prazo para que possam ser examinadas e discutidas através de uma segunda rodada das Conferências Estaduais do Trabalho. O segundo, a aproximação dos pontos realmente consensuais que possam ser introduzidos no atual sistema.

A unidade do movimento sindical

Assim como o presidente Lula tem ponderado ao povo brasileiro que as mudanças não acontecem de um dia para outro, que a casa tem que ser arrumada para que possa ser ampliada, também com referência a reforma sindical a medida deve ser a mesma. Vamos passo a passo, unindo o movimento. O processo político que levou o presidente Lula à Presidência e a formação de uma ampla base de apoio parlamentar e social para implementação das medidas de enfrentamento da crise, contou com a presença do movimento sindical dos trabalhadores e dos empregadores. Neste sentido, deve ser a continuidade da linha política e não os procedimentos de fragmentação desse movimento.

Edésio Passos

é advogado, membro do corpo técnico do DIAP e ex-deputado federal (PT/PR). E.mail:
edesiopassos@terra.com.br

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