Crise cultural e financeira abala o Museu de Arte de São Paulo

São Paulo, 18 (AE) – Há duas semanas, um protesto-performance realizado no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) denunciava a frágil situação da instituição: “O Masp está no fundo do poço; quem cala consente”, afirmava a faixa estendida por artistas mascarados, que se diziam indignados com a situação em que chegou o museu. Dívidas trabalhistas de mais de R$ 3 milhões, uma programação esvaziada, inexistência de um projeto cultural até mesmo de curto prazo, desprestígio entre a classe artística e arquitetônica… Um panorama pouco estimulante para o estabelecimento que abriga um dos maiores e melhores acervos da América Latina.

Um olhar mais retrospectivo revela que está não é a primeira crise de grandes dimensões vivida pela instituição nos mais de 50 anos de existência. Mas parece atingir uma fase aguda com aspectos não apenas financeiros, mas culturais, que refletem a situação ambígua da instituição e a relação com a sociedade.

Sociedade civil sem fins lucrativos, o museu não recebe verbas públicas que o ajudem a financiar o custeio básico de cerca de R$ 300 mil mensais. O prédio que ocupa é da Prefeitura de São Paulo. O acervo, tombado, felizmente, não pode ser vendido. Mesmo assim, a direção atual deu um quadro avaliado em R$ 4,29 milhões como garantia do pagamento da dívida ativa trabalhista, no valor de R$ 3,30 milhões com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) – sob alegação de que o tombamento apenas impede a retirada da obra do País.

O Masp também está em falta com o Ministério da Cultura por não ter ainda prestado contas sobre a captação de verba de R$ 806.672,77 para financiar os polêmicos trabalhos de revitalização do museu (único dos dados contestados pelo presidente Júlio Neves. Segundo funcionários do ministério, isso impediria novas autorização de captação.

Os salários também são pagos com atraso e Neves aventou, publicamente, a hipótese de acionar a cláusula pétrea da fundação do museu, que prevê que, em caso de dissolução da sociedade mantenedora, o conjunto das obras seria transferido para a Pinacoteca do Estado (na época, o único museu existente em São Paulo).

Para o custeio básico de operação, o museu necessita de R$ 300 mil mensais, quantia irrisória, se se pensar nos milhões gastos em patrocínio no País, mas cada vez mais difíceis de captar. Principalmente, se levarmos em conta o crescente desprestígio da instituição, que parece ter deixado para trás a fase áurea das grandes exposições, que lhe garantiram grande público e visibilidade na mídia em meados da década de 90. Hoje, multiplicaram-se as instituições capazes de realizar eventos internacionais de grande porte, normalmente, vinculadas a instituições financeiras de peso.

Em termos de conteúdo, a situação também é grave, uma vez que não há nenhum tipo de política curatorial, de projeto de ação cultural do museu. Afinal, entre as funções primordiais, estão a preservação e divulgação do acervo (bem menos visível, mas muito mais importante do que qualquer grande exposição de Monet, por exemplo). Há obras precisando de restauro e obras-primas do acervo são emprestadas com freqüência, como forma de captar recursos extras, o que desfalca a coleção. É o caso, por exemplo, de uma série de obras de Degas, que, recentemente, passearam pelo México, EUA e seguem para a Europa (com a anuência, obrigatória, do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Hoje, é público e corrente o descontentamento da classe artística. “É fundamental rever o papel dessa instituição; a responsabilidade tem de ser dividida entre várias instâncias; repensar a relação entre o público e o privado”, afirma o curador e organizador do Fórum Permanente de Museus, Martin Grossmann.

Uma das dificuldades do Masp está exatamente neste ponto: o museu foi concebido desde o início como uma ação privada, um pouco nos moldes das instituições norte-americanas. Mas lá, ser sócio de um museu implica em contribuir – também financeiramente – para com ele. Aqui, nem o privado nem o público se sentem responsáveis. “É um museu à deriva”, afirma Paulo Climachauska.

“Para mim, é um museu blindado, é uma caixa-forte”, afirma Maria Bonomi, cuja formação artística está fortemente vinculada à história do museu. “É necessário que ele volte a ser uma referência mais íntima para nós, que pertença mais à sociedade”, conclui, acrescentando que lamenta que outras instituições, como a Bienal de São Paulo, também estejam isoladas da coletividade e respondam aos interesses de um pequeno grupo da elite.

Como Climachauska e Maria, Nazareth Pacheco também lamenta a atual situação do Masp. “Hoje, ele é um museu quase morto; que, em termos de eventos e programação, está muito aquém do que se espera de um Masp”, diz ela, que também crítica a estética de shopping center que resultou da reforma feita ao prédio, um marco da arquitetura moderna.

Muitos são os pontos nevrálgicos do Masp. Mas, talvez, o mais grave seja o fechamento sobre si mesmo; a falta de transparência e de diálogo com outras instâncias da sociedade brasileira, que, aliás, nunca se envolveu de fato com o museu. Nem a identidade de todos os sócios que compõem essa sociedade civil é conhecida do público (a página do museu na internet elenca apenas o nome daqueles que têm cargos nos Conselhos Administrativo e Fiscal).

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