CRIMES FISCAIS PREVIDENCIÁRIOS – Efeitos penais da Lei n.º 10.684/03 e a coisa julgada

A Lei n.º 10.684/03 cuidou de parcelamento de débitos fiscais federais, regulou ainda matérias penais e processuais penais relacionadas com crimes fiscais, prevendo neste aspecto, a suspensão da pretensão punitiva, da prescrição e extinção da punibilidade.

Nesta norma houve regulamentação do parcelamento de débitos fiscais federais, indicando-se as hipóteses formais e requisitos para concessão deste benefício, havendo veto do dispositivo que autorizava a concessão de parcelamento aos débitos fiscais oriundos de contribuições previdenciárias descontadas dos segurados (art. 5.º, § 2.º).

No aspecto penal e processual penal, ficou assentado que:

“Art. 9.º. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1.º e 2.º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei n.º 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1.º. A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2.º. Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos delitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessários.”

Ficou complicado aferir o alcançe desta norma para os crimes de omissão no recolhimento de contribuições sociais descontadas dos empregados e não recolhidas, especialmente em razão do veto presidencial citado.

Uma coisa é inegável, no aspecto administrativo e fiscal, esta norma não incide sobre os débitos desta natureza, porque a lei não quis esta abrangência face o veto presidencial. Portanto, não é possível pretender parcelamento desta modalidade de débitos fiscais com fundamento na lei ora em debate.

Já quanto ao aspecto penal e processual penal a interpretação da norma não pode ser vista desta forma.

Veja-se que o citado artigo prevê a suspensão da pretensão punitiva do Estado aos delitos fiscais ali relacionados, dentre eles os de omissão no recolhimento de contribuição previdenciária descontados dos empregados (art, 168A, do CP), sem fazer expressa referência de que este benefício diga respeito unicamente com as condições administrativas e fiscais elencadas nesta lei.

Tanto que a norma diz que haverá a sua incidência, quando o agente infrator “estiver incluída no regime de parcelamento”, sem fazer distinção expressa de que este “regime de parcelamento” seria unicamente aquele previsto na lei em comento.

Portanto, qualquer modalidade de parcelamento suspende a persecução criminal, independentemente da fase que se encontre, salvo se já houver sentença transitada em julgado.

Há necessidade de ser feita interpretação sistemática desta norma, em especial porque se juntarmos as suas peças, elas não se encaixam. Ou seja, num momento proíbe o parcelamento desta modalidade de tributo e noutro admite a incidência das regras de direito penal e processual penal.

Veja-se que a norma não faz qualquer restrição a modalidade de delito fiscal, relacionando genericamente aqueles elencados na Lei n.º 8.137/90 e 168A e 337A, do Código Penal.

Assim, pretendesse o legislador que os benefícios penais e processuais penais não se aplicassem igualmente a todas as modalidade de crimes tributários, dentre eles, os de omissão no recolhimento de contribuições sociais descontadas dos salários dos empregados, teria o Presidente da República vetado esta parte do artigo nono, tal qual fez em relação ao parcelamento nos moldes da lei em estudo.

Não haveria qualquer dificuldade em excluir do texto os termos “e nos arts. 168A e 337A”, do Código Penal, e ai estaria determinando que ditos benefícios não se aplicam a esta modalidade de crimes.

Se manteve no texto expressamente esta previsão, é porque pretendeu que os parcelamento desta lei incidem sobre questões penais e processuais penais, sendo vetada unicamente ao inadimplente valer-se dos benefícios do parcelamento segundo as regras e benesses dadas por esta lei.

O legislador vetou o que achou desnecessário, e manteve aquilo que entendeu aplicável.

Também no aspecto penal da extinção da punibilidade é preciso fazermos interpretação sistemática da lei.

Para tanto, cabe os mesmos fundamentos atrás postos, no sentido de que não houve veto quanto a sua incidência nos crimes fiscais previdenciários relacionados expressamente na norma.

Assim, não havendo proibição expressa, aplica-se a norma em sua integralidade.

Neste particular cabe observarmos que o direito penal não admite interpretação restritiva, cujo princípio reforça a tese ora posta.

Conforme atrás verificamos, no caso de parcelamento, “é suspensa a pretensão punitiva do Estado”, segundo reza o “caput” do artigo nono.

Por outro lado, “extingue-se a punibilidade nos crimes referidos neste artigo, quando a pessoa jurídica” efetuar o pagamento integral da dívida.

Qual então seria o prazo para pagamento integral do débito para incidência desta norma? A lei não faz qualquer limitação temporal neste aspecto, apenas vale-se do advérbio QUANDO, para fixar o tempo.

Segundo Aurélio, quando quer dizer: no tempo em que; no momento em que; etc.

Destes dados extrai-se que não existe um tempo limite para o devedor efetuar o pagamento dos débitos fiscais e previdenciários, para ter direito a extinção da punibilidade. O prazo para ele quitar o débito vai até quando isso ocorrer, ou quando houver revogação desta norma.

É importante observarmos também que a lei não fez limite quanto a fase do processo, prevendo apenas a suspensão da pretensão punitiva enquanto pendente parcelamento e extinção da punibilidade, quando ocorrer o seu integral pagamento.

Assim, QUANDO houver o pagamento integral, extingue a punibilidade, independentemente dele ter origem em parcelamento ou pagamento, numa única vez. Do contrário, seria um absurdo aplicarmos este benefício ao parcelamento e não ao pagamento integral de uma só vez..

É importante fazermos distinção entre a figura da suspensão do processo prevista no artigo nono, “caput”, e a extinção da punibilidade relacionada no parágrafo segundo deste dispositivo legal. Veja-se que a suspensão do feito está relacionada unicamente com o período em que durar o parcelamento, enquanto a extinção da punibilidade está ligada diretamente ao pagamento integral do débito, independentemente da forma como for realizado (parcelamento ou pagamento em única vez). Por isso, não é possível pretender-se que a previsão de ficar suspensa a pretensão punitiva do Estado seja impeditiva de incidência da extinção da punibilidade para os delitos com condenação transitada em julgado.

Tanto que a suspensão do processo é questão processual e extinção da punibilidade é de direto material, e no presente caso a incidência de uma não exclui a outra, até porque não há previsão expressa em sentido contrário.

Portanto, havendo parcelamento dos débitos fiscais previdenciários, independentemente da norma que os concede, no caso da persecução criminal não haver transitada em julgado, suspende-se o processo. Quando houver o integral pagamento da dívida, seja através de parcelamento ou não, extingue a punibilidade, ainda que haja o trânsito em julgado da ação criminal condenatória.

Jorge Vicente Silva

é pós-graduado em Pedagogia a nível superior e especialista em Direito Processual Penal pela PUC PR, autor de diversos livros publicados pela Editora Juruá, dentre eles, Tóxicos, análise da nova lei, estando no prelo, Sentença Penal Condenatória, com lançamento para breve. E-mail: jorgevicentesilva@hotmail.com e
jorgevicentesilva@swi.com.br

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